2 - Emboscada
As estradas de terra eram acidentadas e o trajeto percorrido pela carruagem ficava, a cada instante, mais desconfortável.
Não havia mais sinal do vasto oceano, mas o cheiro da brisa marinha parecia cravado na pele da princesa, como um chamado para mergulhar na imensidão do rebentar das ondas furiosas.
Um chamado que tenho que recusar.
Kiera controlou a vontade de bufar. Sua mãe gostaria que ela se comportasse como uma dama diante do futuro marido. Ergueu os olhos do rolo de pergaminhos que segurava nas mãos e fitou o príncipe Leopoldeison. Já estavam viajando há quase duas horas, pela posição do sol, e o cocheiro havia dito que ainda levaria mais três até chegarem à cidade real. E a paciência de Kiera já estava se esgotando enquanto seu prometido narrava mais uma entediante história sobre suas proezas de caça.
Ela não aguentaria mais três horas daquilo.
E não conseguia imaginar como seria passar o resto da vida ao lado dele, naquelas terras.
Pela segurança do seu reino, dos seus pais e dos seus três irmãos.
Tentou se confortar com o pensamento. Mas tudo o que embrulhava seu estômago era um sentimento de injustiça. Só porque ela era a única filha mulher. Só porque, diferente dos seus irmãos, ela não carregava no sangue o...
— E então, mesmo com o dia nublado, eu avancei pela floresta e continuei procurando pela minha presa, e...
Kiera assentiu, fingindo estar prestando atenção nele, ao mesmo tempo em que lia cuidadosamente o extenso contrato de casamento que seu pai e noivo haviam assinado.
Não fora fácil colocar as mãos naquele pergaminho; mas nada como algumas joias para subornar os escrivães. Kiera achava que tinha o direito de saber quais eram as cláusulas e o que esperava por ela no casamento.
E, pelos deuses, estava chocada com os detalhes íntimos que haviam sido negociados!
Aparentemente, seu pai e o Conselho Real não tinham feito objeções sobre o príncipe Leopoldeison ter uma amante, se assim o desejasse. O próprio príncipe requisitara aquela cláusula.
— Idiota... — resmungou baixo.
— Disse alguma coisa, minha dama?
— Não. Continue sua história, por favor.
— Ah, eu sei entreter uma dama, não é? Então, quando entrei nas profundezas daquela floresta, apenas com uma única flecha...
Ela não conseguia acreditar naquilo. O contrato descrevia em detalhes como ele teria permissão para ter uma amante de longo prazo após um ano de casamento ou da concepção de um filho, o que quer que acontecesse primeiro. Kiera supôs que o termo "amante" era para relacionamentos mais longos, e não para conquistas esporádicas de uma noite — o que era algo que ela sabia que também iria acontecer com frequência.
Ótimo. Um casamento sem amor e com o direito de ser traída.
É claro que aquele "benefício" não se estendia a ela. Nunca. Jamais.
Quase exprimiu um riso sarcástico.
Se o poder do misterioso Lorde do Oeste não estivesse em perigosa expansão, e a vida de sua família não estivesse em risco, ela amassaria aquele contrato e o jogaria na cara no príncipe Leopoldeison.
Kiera tinha acabado de ler uma cláusula sobre sua virgindade — pelos deuses, pelos deuses — quando os cavalos relincharam alto e a carruagem fez um movimento brusco.
Ela foi jogada para a frente, caindo em cima do príncipe. As mãos dele agarraram sua cintura, os dedos querendo subir para cima. Kiera se mexeu desconfortavelmente, tentando escapar do abraço.
Se ele a tocasse naquele momento de maneira inapropriada, chegaria ao palácio sem mãos.
E talvez sem dentes.
— Shhh! — ele sibilou, olhando pela janela.
— O que foi, príncipe? — Ela não teve coragem de dizer o nome dele em voz alta. Era simplesmente ridículo demais.
— Cautela. Precaução. Estou sempre em alerta — Leopoldeison rebateu com altivez. — É por isso que ainda estou vivo.
Ela resistiu ao impulso de revirar os olhos. Tentou olhar pela janela também. Os cavalos haviam parado por algum motivo. Talvez um bloqueio na estrada.
Leopoldeison sacou a espada e abriu a porta da carruagem.
— Não tenha medo, minha doce, bela e frágil princesa Kiera. Eu irei protegê-la.
Desta vez, ela revirou os olhos, mas só depois de ter certeza que ele havia virado de costas.
Kiera o seguiu para fora da carruagem, puxando o manto sobre a cabeça. Como esperava, havia uma árvore caída. Os guardas de Leopoldeison se ocuparam em tirar o tronco do meio do caminho, enquanto ela esticava as pernas, satisfeita por estar livre do espaço apertado.
Ah, se apenas pudesse contemplar o oceano mais uma vez...
Quando ela se abaixou para apanhar algumas flores silvestres que ladeavam o caminho, algo despencou de cima da carruagem, caindo com força a seus pés.
Um arquejo saiu da garganta dela.
Era o cocheiro com uma flecha nas costas.
— Emboscada! — alguém gritou.
Leopoldeison surgiu do nada, agarrando-a pelos braços e a arrastando para longe do perigo. Ela grunhiu de dor. O aperto firme deixaria hematomas em sua pele.
Homens encapuzados pularam das árvores.
Entre um movimento e outro, Kiera captou um brasão nas roupas daqueles que os atacavam; algo com uma salamandra.
— Vamos, princesa!
— Mas os outros...!
— É cada um por si! Eles estão aqui para nos proteger!
Ela torceu o nariz; seu pai e seus irmãos nunca deixariam nenhum homem para trás. E também não abririam a guarda daquele jeito.
Enquanto corriam e tropeçavam pelas pedras, Kiera procurou desesperadamente por uma arma, um galho, qualquer coisa que pudesse ser usada para combater quem os atacava e salvar sua vida.
Em algum momento, uma chuva de flechas foi disparada contra eles; Kiera correu para um lado, o príncipe para outro.
Ela só reduziu os passos quando os pés doeram e o ar se tornou dolorido de inspirar.
Merda. Merda. Merda.
Kiera arquejou, ofegante, olhando para os lados, o coração retumbando nos ouvidos.
Onde estou?
Podia escutar os movimentos dos homens do brasão de salamandra cada vez mais próximos.
Mirou para onde achou que o príncipe havia ido, mirou a trilha da floresta que se abria à sua frente.
Os arbustos farfalhavam, as vozes se aproximavam.
Ela tomou uma longa respiração.
Não iria escapar de uma gaiola e cair em outra.
Kiera segurou as saias do vestido.
E correu pela trilha sem olhar para trás.
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