03. Cruzando Espadas
"Saudações aos anfitriões!
Um convidado está vindo:
onde ele deve procurar para se sentar?
Muito em breve
com a espada ele deve
testar sua coragem."
— HÁVAMÁL (Os Ditos de Hár)
ACABEI POR TORNAR-ME PRÓXIMA DE STEN FAGERBERG.
Surpreendentemente, ele se mostrou inteligente e charmoso, embora um pouco indiferente no início — não que pudesse culpá-lo por isso, ser amigável com uma pessoa estranha é complicado. Conseguia ver que ele só falava comigo por cortesia e educação, e admito que isso não me incomodava muito, pois tinha outras coisas para ocupar minha mente. Porém, quando me viu com calças, botas e cota de malha sobre minha túnica azul escura, treinando com um dos soldados astanianos, Skarde, as coisas começaram a mudar.
— Dróttning... — o príncipe de Samantia me analisou ao chegar no pátio — O que está fazendo, se me permite perguntar?
Eu estava sentada no chão de pernas cruzadas, polindo minha espada — que pertencera ao meu avô materno que fora rei de Gralana, e me fora dada antes que viesse para Samantia —, com Skarde de pé ao meu lado. Sabia que Sten estava surpreso, por isso sua pergunta: era muito cedo, além de ser raro mulheres saberem lutar nos dias atuais.
— Há alguns minutos eu estava treinando, Dróttinn Sten — respondi, sem desviar os olhos da lâmina — Porém, agora estou terminando de dar um polimento em minha espada. O que me diz de um duelo?
— Perdão? — ele ergueu as sobrancelhas, que tinham o mesmo tom castanho de seus cabelos.
— Um duelo — sorri, colocando-me de pé; era exatamente da sua altura — Não se preocupe, obviamente será um duelo amigável.
Sten tombou a cabeça levemente para o lado, seus olhos castanhos passeando por meu corpo, parecendo analisar-me. Por fim, ele deu um sorriso.
— Muito bem então — desembainhou sua espada — Um duelo.
— O primeiro que cair e soltar a espada perde!
Nos posicionamos sozinhos no centro do pátio, e nos colocamos na posição tradicional: pé direito para frente e o esquerdo levemente para trás, segurando o cabo da espada com as duas mãos. Alguns poucos guardas e soldados pararam seus afazeres para nos observar.
Fiquei parada em posição, esperando que Sten atacasse primeiro; ele pareceu hesitar por um momento, e então avançou direcionando a lâmina para minhas costelas. Movi minha espada com rapidez, aparando seu golpe com força, e quase pensei que ele fosse soltar a espada, claramente pego de surpresa como estava, mas se recuperou. O príncipe desferiu dois ataques, direita e esquerda, e eu os defendi. Contra ataquei rapidamente, o golpeando no rosto com o pomo da espada, forte o bastante para que ele cambaleasse. Encarou-me com os olhos arregalados, pois não havia esperado isso.
— A espada não é composta somente pela lâmina — falei, sorrindo.
Sten assumiu novamente a posição, e dessa vez eu fiquei apenas parada, sem posicionar-me de forma específica. Ele avançou desferido quatro golpes rápidos que defendi sem dificuldade; mal sentia o peso da espada, e contra ataquei devolvendo também quatro golpes em direção à seus ombros e costelas. O último ele aparou com força demais, demorando a voltar à sua postura defensiva, e aproveitei-me disso para atingir sua mão. O príncipe gritou, mas ainda assim não largou sua arma.
Não esperei que Sten se recuperasse, e, segurando firmemente o cabo da espada com ambas as mãos, comecei a desferir golpes rápidos. Ele conseguiu se defender, porém, minha última ofensiva era um truque que havia aprendido com meu pai: abaixei a lâmina e ataque com ela de baixo para cima.
A espada voou da mão do príncipe, e eu não perdi tempo ao erguer a perna e acertar meu pé em seu tronco.
Sten Fagerberg foi ao chão, firmando-se apenas de joelhos.
Ouvi aplausos e notei que mais alguns cavaleiros samantianos e algumas mulheres haviam se juntado ali no pátio, observando Sten lutar comigo. Não me incomodei com a atenção, e, abrindo os braços, curvei-me em uma reverência. Ajudei Sten a se levantar, e ele não parecia ofendido por ter sido vencido, na verdade parecia admirado com minhas habilidades.
— Incrível — o escutei murmurar.
No geral, as pessoas ali riam e me elogiavam — menos uma. Uma jovem, que estava entre as mulheres e aparentava não ser muito mais velha que eu, de rosto muito bonito, cabelos avermelhados e olhos verdes brilhantes como esmeraldas, me encarava terrivelmente séria, pressionando os lábios e franzindo as sobrancelhas. Será que ela desaprovava minhas calças justas ou a cota de malha? Talvez, embora fosse tolice de sua parte.
Quase ri. Ela realmente pensava que um olhar irritado era capaz de me intimidar?
Porém, eu a compreendia, apesar disso; ela era Estrid Matsdóttir, filha de um dos Jarls samantianos e, pelo que sabia, já era amante de Sten. Por isso, ela não poderia correr o risco de perder os olhares do príncipe — por quem era apaixonada, já que essa parecia ser a única justificativa para que me encarasse de forma tão hostil.
Mesmo assim, achava desnecessário querer colocar-me no papel de sua inimiga.
— Dróttning, vamos continuar? — a voz de Sten fez com que voltasse minha atenção para ele.
— Claro — sorri de forma gentil.
Ele foi paciente, esperou que eu atacasse para se defender e contra atacar. Percebi que agora seus golpes estavam mais firmes e confiantes, talvez agora não temesse me machucar ou já tivesse analisado minha forma de lutar; Sten alternava entre desferir ofensivas na altura de minha cabeça e de minhas pernas, forçando-me a mover os braços depressa para me defender — o que me cansou mais depressa.
Uma ótima estratégia, e funcionou, pois não consegui abertura para desarmá-lo. Sten, por outro lado, lançou a espada mais uma vez em direção às minhas pernas e, enquanto eu me ocupava defendendo, ele enganchou seu pé em meu tornozelo fazendo com que perdesse o equilíbrio e caísse no chão. Minhas costas doeram com o impacto, e fechei os olhos com força enquanto tentava conter um gemido.
Ouvi alguns murmúrios e certa comoção antes de abrir novamente os olhos.
— Você está bem? — veio a voz preocupada de Sten, que havia se ajoelhado ao meu lado.
Dei uma risada alta.
— Estou sim, não se preocupe — continuei rindo — Gosto de treinos assim!
— Então... — seus olhos castanhos brilharam — parece que eu ganhei, não?
— Não — respondi calmamente, e com um súbito impulso joguei-me sobre ele, deixando-o de costas no chão enquanto mantinha a mão espalmada em seu peito e a lâmina em seu pescoço — Afinal, eu ainda não soltei a espada, dróttinn Sten, como pode ver.
Foi a vez do príncipe de Samantia gargalhar.
— Þú ert ótrúlegur — murmurou, encarando-me nos olhos.
— Þakka fyrir — murmurei de volta.
───────⊰•❅❆❅•⊱───────
Sten possuía uma irmã mais velha chamada Freydis, que não pude conhecer pois ela havia se casado com um nobre senhor inglês, porém também tinha uma irmã mais nova: Nanna, uma garota de dez anos que parecia ser idêntica a mãe, com os cabelos escuros e olhos verdes. Sempre que me via, se apressava a caminhar junto a mim, e eu me afeiçoara muito a ela, de forma que não incomodava-me sua presença, pelo contrário, já que lembrava minha irmã mais nova, Emmeline.
Fazia quatro meses que estava em Samantia, gostava dali e os próprios samantianos pareciam gostar de mim, mas sentia falta de minha irmã, de meus pais, e meus amigos, e haviam momentos — quando estava sozinha — que a falta que sentia de Astana se tornava quase sufocante, mesmo que estivesse apenas no reino vizinho.
Sempre soube que dentro de mim existia o desejo pelo desconhecido; gostava de explorar lugares novos, até mesmo se fosse apenas uma passagem secreta que nunca vira antes, e estava sedenta para conhecer todos os pontos de Samantia, entretanto... em meu coração parecia haver um fio que unia-me ao meu reino, de forma que sabia que nunca conseguiria me afastar. O atraente desconhecido não era nada quando comparado ao lugar onde eu realmente pertencia.
E eu pertencia à Astana e aos astanianos, meu povo que devo servir.
— No que está pensando? — a voz infantil tirou-me de meus pensamentos.
Pestanejei. Estava na biblioteca, que localizava-se na torre leste do castelo, e examinava um códice que explicava as propriedades medicinais de cada planta. Eram cópias fiéis de antigos escritos romanos e essas que lia, até onde poderia dizer, apenas Samantia possuía.
Nanna Sverresdóttir estava apoiada na mesa em que eu me debruçava, olhando para mim com curiosidade em suas orbes claras.
— Pensando em minha família — respondi à sua pergunta, sorrindo para a menina — E em Astana.
Ela sentou em outra cadeira, permanecendo de frente para mim; apoiou o cotovelo na mesa e o queixo na mão.
— É verdade que você viveu na guerra?
Ergui as sobrancelhas, surpresa por sua pergunta; pensei em desconversar, mas Nanna parecia ansiosa para ouvir minha resposta.
— Sim, é verdade — assenti — Meu pai estava lutando para expulsar os homens de Carmago das terras de Asteria e Gralana...
— Que se juntaram e formaram Astana quando seus pais se casaram — ela me interrompeu, animada — Precisei estudar sobre isso!
Sorri pela forma que falou.
— Queria poder aprender a lutar como você — continuou — Seria emocionante estar em uma batalha, usando uma espada para derrubar meus inimigos e banhar-me em honra, como os guerreiros nas canções.
— Escute-me, lítil stúlka — mantive meu tom gentil, adorava crianças — Eu fico feliz em saber que gostaria de aprender a lutar, mas não deseje estar em uma batalha. Treino todos os dias desde criança pois é meu dever como herdeira do rei de Astana e aprendi a gostar muito disso, porém não há nada agradável em uma batalha. É apenas morte — respirei fundo — A honra está em erguer sua espada para defender aqueles que não podem fazê-lo, e não no desejo de matar seus inimigos. Consegue entender?
— Acho... acho que sim — ela franziu o nariz de forma adorável.
Abri a boca para respondê-la, mas fui interrompida pela figura ruiva e esguia de Estrid Matsdóttir entrando elegantemente pela porta.
— Nanna, a rainha está lhe procurando — falou, visivelmente ignorando minha presença, com a voz suave como um beijo — Precisa praticar o latim, não pode fugir de suas aulas. Venha, eu levo você.
Interessante. Quando estava junto aos demais ela prestava as reverências necessárias de minha posição, mesmo que eu soubesse que costumava me chamar de "selvagem" pelas costas, com outras duas jovens que normalmente a seguiam. Talvez seu ciúme fosse maior do que pensei.
Nanna olhou de Estrid para mim, e para Estrid novamente.
— Eu quero ouvir histórias sobre Astana — a menina disse, dando um breve sorriso em minha direção.
— Sua mãe, a rainha, está lhe procurando — Estrid recusou-se a olhar para mim.
Mordi o interior das bochechas para evitar rir; achava engraçado a forma como a amante de Sten estava se comportando. Em outra ocasião talvez sentisse pena ou me irritasse, mas agora estava me divertindo ao ver como ela parecia infantil.
Fechei o códice e coloquei-me de pé, fazendo mais barulho do que o necessário.
— Venha, querida, eu levo você até sua mãe — estendi a mão para Nanna, que a segurou quase saltitante — Não acho que precisamos mais de você, Estrid.
Nesse momento, a ruiva me encarou, com o cenho franzido e os olhos cor de jade faiscando; sua expressão era dura e fria, como se quisesse afrontar-me, mas soubesse que não podia.
— Você não deveria colocar-me como sua rival ou inimiga, pois eu não nenhuma das duas coisas — falei, também a encarando assim como fazia comigo agora, mas a frieza permaneceu em seu semblante.
Sorri abertamente para ela, sem me importar nem um pouco.
— Tenha um bom resto de tarde — desejei, com voz macia.
Olá, leitores!
Como sempre, aqui vão algumas observações:
⚜️Þú ert ótrúlegur: "você é inacreditável" em islandês;
⚜️Þakka fyrir: "obrigada"/"eu agradeço" em nórdico antigo;
⚜️Dróttning: pode significar "Senhora"/"Princesa"/"Rainha", um título respeitoso para mulheres nobres;
⚜️Dróttinn: equivalente masculino de Dróttning, pode significar "Senhor"/"Príncipe"/"Rei", um título respeitoso para homens nobres;
⚜️Lítil stúlka: "pequena menina" em islandês.
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