Capítulo 06: Linhas Cruzadas
Alyssa saiu do bar apressada, sem se despedir de ninguém. O ar fresco da noite a envolveu, mas não foi suficiente para acalmar a tempestade dentro dela. O vento soprava levemente, fazendo seus cabelos esvoaçarem ao redor do rosto, mas nem isso conseguia dissipar o calor que ainda sentia em seu corpo, principalmente nos lábios, onde Aaron a havia beijado.
Seus passos eram rápidos, quase desesperados, enquanto ela tentava processar o que acabara de acontecer. A lembrança do beijo ainda queimava em seus lábios, e seu coração batia descompassado. Cada vez que fechava os olhos, revivia o momento, sentindo a confusão e a intensidade se misturarem dentro dela.
Chegando em casa, ela encontrou Loki esperando-a ansiosamente na entrada. O gato, com seus olhos brilhantes e atentos, miou suavemente, como se percebesse a agitação de Alyssa. Ou talvez sentisse o cheiro de álcool. Ela se agachou para acariciar a cabeça dele, sentindo o pelo macio sob seus dedos, tentando encontrar algum conforto na presença tranquilizadora dele.
— Oi, Loki, — sussurrou, sua voz tremendo levemente. — Você não vai acreditar no que aconteceu hoje. — O gato inclinou a cabeça, como se entendesse suas palavras, e se esfregou contra suas pernas, oferecendo o consolo silencioso que apenas os animais sabem dar. — Acho que nem eu acredito, na verdade... — Alyssa suspirou profundamente, sentindo-se perdida e confusa.
Ela se deixou cair no sofá, puxando Loki para o seu colo. O gato se aninhou ali, ronronando suavemente e brincando com o seu cabelo, enquanto Alyssa tentava ordenar seus pensamentos.
— Foi tudo tão... inesperado, — disse, mais para si mesma do que para o gato. — Parte de mim está com raiva. Raiva dele por ele ter ousado fazer algo assim, além de raiva de mim por ter ficado tão mexida. Mas outra parte... — Ela fez uma pausa, acariciando as orelhas de Loki. — A outra parte... ah! — Ela fechou os olhos, tentando controlar a enxurrada de emoções que a dominava. O que estava acontecendo com ela? Por que seu coração acelerava só de pensar nele?
Alyssa se recostou no sofá, sentindo-se ainda mais perdida. Loki, percebendo seu desconforto, se acomodou perto do ombro dela, oferecendo seu calor. "O que eu faço, Loki?" murmurou, enquanto a imagem de Aaron não saía de sua mente. Cada batida acelerada de seu coração parecia ecoar a confusão e o desejo que sentia, deixando-a à beira das lágrimas e do riso, sem saber qual caminho tomar.
Não queria se sentir assim. Principalmente não por Aaron. O homem que representava tudo o que ela queria esquecer e deixar enterrado no passado. Sentia-se traída pelo seu próprio corpo por ter reagido como reagiu. Por ter correspondido ao beijo, aos toques, a toda aquela troca de calor. Sentia-se pior ainda por estar pensando nisso agora... E pelo seu coração acelerado.
Enquanto isso, Aaron chegava em casa, sendo praticamente carregado por Kyle. O caminho até a entrada parecia um labirinto interminável, cada passo um esforço monumental para Aaron, que estava tão bêbado que mal conseguia manter-se de pé. Kyle, com um braço firmemente apoiado em torno de Aaron, tentava manter o equilíbrio de ambos, murmurando palavras de encorajamento que se perdiam no ar noturno.
— Aguenta firme, cara, já estamos quase lá, — disse Kyle, a voz baixa e paciente, enquanto Aaron balbuciava incoerências e tropeçava a cada poucos passos.
As luzes do jardim frontal da luxuosa mansão lançavam sombras alongadas no caminho, e a noite estava estranhamente silenciosa, exceto pelo som dos passos pesados e arrastados.
Kyle nunca viu o colega assim. Em um momento o ator estava se divertindo e bebendo casualmente com ele enquanto trocavam palavras. Em outro, Aaron estava bebendo como se estivesse fugindo do próprio diabo. E bem, era Hollywood, logo, a última opção era até possível.
Finalmente, eles chegaram à porta da mansão. Kyle teve que ajustar o peso de Aaron em seus ombros enquanto batia na porta com firmeza. Alguns momentos depois, a porta se abriu, revelando Sarah. A expressão dela era de puro desagrado, com os olhos semicerrados e os lábios comprimidos em uma linha fina. Claramente nada contente com a situação.
— Aaron, por que você faz isso consigo mesmo? — murmurou ela, sem realmente esperar uma resposta. Ela lançou um olhar de agradecimento a Kyle, embora fosse evidente que a situação toda a irritava profundamente. — Obrigada por trazê-lo em segurança, — disse, embora sua voz carregasse uma nota de frustração que era impossível de ignorar.
— Sem problemas, Sarah. Ele exagerou um pouco e precisava de uma ajuda para chegar em casa, — respondeu Kyle, tentando aliviar a tensão. Ele soltou Aaron com cuidado, entregando-o a esposa, que segurou seu marido com uma expressão de cansaço. Aaron, entretanto, estava quase inconsciente, murmurando palavras sem sentido e mal se mantendo de pé.
— Vou levá-lo para dentro, — disse Sarah, suspirando enquanto se despedia. — Boa noite, Kyle. E obrigada de novo.
— Boa noite, Sarah. Espero que ele fique bem, — disse, dando um último olhar preocupado para Aaron antes de se virar e tomar o seu caminho.
Assim que Kyle saiu e a porta foi fechada, Sarah parou de sustentar o corpo de Aaron e o deixou cair pesadamente no chão da sala de estar.
— Patético, — murmurou, cruzando os braços. A impaciência dela era clara enquanto olhava para o marido, que estava visivelmente incapacitado. — Você realmente passou dos limites desta vez, hein? — Murmurou, com uma voz dura.
Estava fazendo o caminho até a cozinha para pegar um copo de água antes de voltar para o quarto, quando algo chamou sua atenção. No meio das incoerências bêbadas que Aaron falava, ele começou a murmurar algo repetidamente. Não apenas algo, como um nome.
— Alyssa...
Sarah parou abruptamente, seus olhos se estreitando ao ouvir o nome daquela desprezível mulher. Ela voltou alguns passos e se aproximou, inclinando-se para ouvir melhor.
— Alyssa... eu... eu... — Aaron balbuciava, seus olhos semicerrados e a mente enevoada pelo álcool. — Por que... por que você...
Sarah congelou ao ouvir aquelas palavras, e uma onda de raiva subiu por seu corpo, queimando cada célula. Seu rosto endureceu e uma sensação de desgosto misturada a uma fúria silenciosa dominou sua expressão. Ela se aproximou ainda mais, tentando acalmar a respiração descompassada enquanto ouvia Aaron balbuciar aquele nome novamente, como se a mulher que ele tanto desprezava fosse, na verdade, uma presença constante em sua mente. Sarah sentiu os dentes se fecharem em frustração e descrença. Como ele ousava, mesmo inconsciente, dizer o nome de Alyssa ali?
— O que você disse? — perguntou, a voz baixa e cheia de fúria.
Aaron continuava a murmurar palavras desconexas e sem sentido, mas o nome de Alyssa surgiu novamente. Sarah sentiu o ódio crescer dentro dela, dirigido tanto a Alyssa quanto a Aaron.
— Então é isso, — ela disse para si mesma, enquanto olhava para o marido inconsciente. — Aquela mulherzinha está atrás de você de novo.
Ela foi até ele, se abaixando no chão ao seu lado enquanto decidia que precisava ver por si mesma o que estava acontecendo no set de gravações.
— Você pensa nela, não é? — murmurou, a voz carregada de amargura. — Pode deixar que eu vou descobrir o que está acontecendo. E vou acabar com isso de uma vez por todas. — Falou, passando a mão pelo rosto dele.
A determinação em sua voz era clara, mas havia uma sombra de dor em seus olhos. Sarah sentia que precisava proteger o que restava do seu casamento, havia investido tempo demais da sua vida nesse relacionamento, e no Aaron, para deixar que qualquer uma estragasse isso.
Com a mente fervilhando de pensamentos, Sarah ficou de pé e deixou Aaron desmaiado no chão, indo para o quarto. A presença de Alyssa McKay era uma sombra constante em sua vida, e Sarah estava determinada a afastá-la de uma vez por todas. Sabia que não seria fácil, mas estava disposta a enfrentar qualquer coisa para proteger o seu casamento.
— Sei que você vai me agradecer por isso um dia... — sussurrou para si mesma, encarando o vazio ao seu lado na cama.
Aaron acordou com a cabeça latejando, a luz do sol que penetrava pelas cortinas da sala fazia sua dor pulsar ainda mais. O cômodo parecia girar levemente enquanto ele se levantava do chão, segurando-se no braço de uma mesa de apoio para não perder o equilíbrio. Sentia o gosto amargo da ressaca em sua boca seca e a sensação de que o mundo ao seu redor estava desmoronando.
Assim que ficou de pé e se soltou da mesa, o enorme vaso de flores que era exibido em cima dela balançou e caiu no chão. O som estridente do impacto e da cerâmica se quebrando fez Aaron fazer uma careta. Ele olhou para os cacos no chão, e apenas ignorou, cuidaria disso depois.
Arrastando-se até o banheiro, ele abriu o chuveiro e deixou a água correr enquanto se apoiava na pia. Ele olhou para o espelho, o reflexo de seu rosto cansado e pálido o encarava de volta. Flashes de brindes e muita bebida viam e iam embora da sua mente. Com um suspiro pesado, ele tirou as roupas e entrou no chuveiro, sentindo a água já quente começar a aliviar a tensão acumulada em seus músculos. Deixou a água escorrer sobre seu corpo, tentando clarear a mente e despertar do torpor que o envolvia.
"Aaron..."
O gemido de Alyssa McKay em seu ouvido na noite anterior despertou cada poro do seu corpo. Suas mãos passeando pelo corpo dela, sua pele macia...
— Merda... — Ele xingou, passando a mão pelo rosto com força e então mudando a temperatura da água de volta para a opção fria.
Depois do banho, já vestido e com a mente mais alerta, Aaron voltou a encarar o espelho. O reflexo de seu rosto exibia linhas de exaustão e a sombra de uma barba começando a nascer, mas seus olhos estavam mais lúcidos. As memórias da noite anterior surgiam como uma maré subindo e cobrindo a praia. O discurso de Michael, tão profundo e sincero, reverberava em seus pensamentos como um eco distante, mas poderoso. As palavras sobre amor e perda tocavam em cordas sensíveis dentro de Aaron, fazendo-o refletir sobre sua própria vida e escolhas.
E então, havia Alyssa McKay.
A troca de olhares com ela no bar estava carregada de uma eletricidade intensa, uma conexão que parecia transcender a simples atração física. Ele se lembrava claramente de como seus olhos se encontraram, de como o mundo ao redor deles parecia desaparecer, deixando apenas os dois. Tudo o que antecedeu aquele beijo no corredor o deixava inquieto, um misto de ansiedade e expectativa percorrendo seu corpo.
O beijo poderia ser explicado. Porcamente, mas poderia. Um ato de loucura, muita bebida no sangue, etc. Mas aqueles momentos que o antecediam era o que mais o preocupava. Será que... não. De jeito algum. Ele tinha certeza. Mas então tinha o beijo em si. E mais uma vez, ele se via desconfigurado, sem saber como prosseguir.
Aaron fechou os olhos, tentando não reviver a sensação de ter Alyssa tão perto. O calor do corpo dela junto ao seu foi uma experiência nova, um tipo de intimidade que ele não sentia há muito tempo. Seus lábios tocaram os dela com uma urgência que o surpreendeu, uma necessidade que ele não sabia que existia. Cada vez que pensava no beijo, seu coração acelerava, e uma sensação de desejo misturado com culpa o envolvia.
Ele sabia que esse sentimento era perigoso, que poderia levar a consequências graves tanto para sua vida pessoal quanto profissional. Mas não podia negar o impacto que Alyssa tinha sobre ele. Era como se uma parte dele, adormecida por anos, tivesse sido despertada. A confusão reinava em sua mente, misturando raiva, desejo e uma culpa crescente. Ele estava no limite entre a tentação e a racionalidade, sem saber qual caminho seguir.
Ou melhor, ele sabia. Tinha certeza. Mas seu corpo parecia não concordar.
Enquanto encarava seu próprio reflexo, Aaron se perguntou o que aquilo significaria para seu casamento com Sarah. Ele sabia que havia problemas, sabia que não estava plenamente feliz, mas nunca imaginou que uma outra mulher poderia fazer com que ele questionasse tudo tão profundamente. A imagem de Alyssa, seus olhos, sua pele, cabelo, boca, o jeito como ela o fez sentir-se vivo, tudo isso estava começando a tomar conta dele de forma preocupante.
O que isso significava para seu casamento?
Antes que pudesse aprofundar seus pensamentos, a porta do quarto se abriu bruscamente e Sarah entrou, já arrumada e impecavelmente vestida em um vestido branco justo e sem mangas, deixando em destaque os bíceps que ela havia adquirido após anos de ioga. No rosto perfeitamente maquiado, pairava uma expressão séria.
— Aaron, você está acordado. Ainda bem. Precisamos conversar, — disse, a voz carregada de uma preocupação disfarçada de autoridade.
— Sobre o que? — Ele perguntou, tentando soar casual enquanto enxugava o rosto com uma toalha.
— Sobre ontem à noite, — ela começou, o tom de voz agora mais suave, mas ainda carregado de preocupação. Aaron engoliu em seco. — Fiquei muito preocupada com você. Se embebedar daquele jeito... não é saudável. E você nunca fez isso antes, sempre soube beber. Por isso, preciso saber se o set de gravações está sendo um ambiente tóxico para você. Decidi que vou com você hoje para ver como estão as coisas por lá. — Ela abriu um sorriso, mas Aaron franziu a testa.
— Não vai haver gravação hoje. Todos da equipe estavam se divertindo no bar ontem exatamente porque temos o dia de folga.
Sarah piscou algumas vezes, seu rosto assumindo uma expressão mais dura e implacável. Seus olhos fixaram-se em Aaron, cheios de uma determinação que ele conhecia bem.
— Então, se você está de folga, talvez seja um bom momento para discutirmos algo importante, — ela começou, a voz firme e incisiva. — Quando você pensa em se aposentar? Passar mais tempo em casa, comigo, já está na hora, não acha?"
Aaron suspirou, sentindo a frustração crescer dentro de si como uma maré.
— Sarah, eu já te disse antes, eu não estou pronto para me aposentar. Meu trabalho é importante para mim. Eu gosto do que faço, — ele respondeu, cansado daquele assunto.
— Importante? Gosta do que faz? — Ela repetiu com uma risada sarcástica. — E quanto a nós? Quanto ao nosso casamento, à nossa família? Você mal está em casa, Aaron. Eu mal te vejo. Isso é o que você chama de vida? De compromisso?"
Aaron passou a mão pelos cabelos, tentando encontrar uma forma de acalmar a situação.
— Sarah, eu entendo que você esteja frustrada, mas meu trabalho é parte de quem eu sou. Eu não posso simplesmente largar tudo de uma hora para outra. E eu estou aqui agora, tentando equilibrar tudo. Essas coisas levam tempo.
Sarah cruzou os braços, seu olhar se tornando ainda mais severo.
— Tempo? Aaron, você está se enganando. Está fugindo da realidade. Você pensa que esse trabalho é tudo, mas e nós? Quando foi a última vez que passamos um tempo de qualidade juntos? Quando foi a última vez que Jack se sentiu próximo de você?
— Ficamos seis meses na França? — Ele argumentou, se alterando um pouco.
— Isso não conta! — Ela imediatamente rebateu.
— Como não? Eu tirei férias, estávamos todos lá juntos.
Sarah balançou a cabeça, ela odiava ser contrariada por ele.
— Estou falando do aqui e agora, Aaron. Passado é passado.
Aaron sentiu um nó se formar em sua garganta. Ele sabia que Sarah tinha um ponto, mas também sabia que ela não gostava de dar o braço a torcer. Ceder agora significaria perder uma parte essencial de si mesmo.
— Sarah, eu estou tentando. Mas pedir para eu abandonar minha carreira... isso não é justo.
— Não é justo? Aaron, o que não é justo é você sacrificar nossa relação por um filme. Não é justo comigo e você sabe disso, — ela disse, a voz tremendo de raiva contida. — Você precisa decidir o que é mais importante. Porque eu não vou continuar vivendo assim. Não vou continuar competindo com o seu trabalho.
A tensão no quarto se tornou pesada. Aaron sentia-se preso, encurralado pelas exigências de Sarah e pelo amor ao seu trabalho.
— Sarah... Não pode haver um meio-termo?
— Meio-termo? — Ela zombou. — Você acha que pode continuar com essa vida dupla, mas não pode. Você tem que escolher, Aaron. E se não fizer isso logo, não haverá mais uma família para onde você possa voltar. Eu pego o Jack e sumo pelo mundo, você nunca mais vai ver ele na sua vida!
Aaron arfou, indignado.
— Você não vai afastar o meu filho de mim, — Ele deixou claro, jogando a toalha no balcão da pia e apontando o dedo para ela.
— Quer apostar quanto? — Ela retrucou, erguendo o queixo.
Aaron balançou a cabeça em negação, sentindo-se cada vez mais sufocado. As palavras de Sarah eram como facas, cortando suas defesas e expondo suas vulnerabilidades. Ele sabia que ela estava tentando controlá-lo, moldar seu futuro de acordo com suas próprias necessidades e inseguranças. Não via isso antes, no início do relacionamento, pois era imaturo e ingênuo, mas agora era mais do que claro. E a ideia de perder sua identidade, de se tornar alguém que ele não reconhecia, um fantoche dela, era aterrorizante.
— ... Sarah, por favor, vamos tentar encontrar uma solução juntos, — ele abaixou o dedo e a voz, e implorou, temendo pelo pior. — O que mais você quer de mim? Eu estou tentando!
— Você sabe o que eu quero.
Aaron passou as mãos pelo cabelo, jogando os fios molhados para trás com impaciência.
— Eu não estou pronto para isso.
Sarah estreitou os olhos, seu olhar mais frio que uma pedra de gelo.
— E enquanto você se diverte, eu fico aqui, cuidando de tudo sozinha. Você acha isso justo, Aaron?
— Eu sempre estive aqui para você e para o Jack, mesmo com a minha agenda lotada, sempre fiz questão de participar de tudo. Nunca faltei a nenhum compromisso em família!
— Estar aqui fisicamente não significa nada, Aaron. Você acha mesmo que seus filmes devem ser mais importantes do que eu?
— Óbvio que não, e não são, — ele gesticulou, tentando manter a calma. — Você sabe o quanto eu me esforço para estar aqui com você.
Sarah deu as costas a ele e riu, um som amargo e desdenhoso.
— Então estar comigo é um esforço? Entendi.
— Você sabe muito bem que não foi isso o que eu quis dizer, — ele pôs a mão no ombro dela, tentando trazê-la de volta.
Mas ao se virar, Sarah não tinha nada além de raiva e mágoa em seu olhar.
— Você é uma piada, Aaron. E se isso é você se esforçando, então é patético também. Você sempre foi fraco quando se tratava de prioridades. A verdade é que você se importa mais com a fama e os holofotes do que comigo. O que é irônico já que foi graças a mim que você conseguiu pagar seus cursinhos de atuação. — Ela jogou na sua cara, o menosprezando.
Quando Aaron, na época com dezoito anos, anunciou para os pais que estava namorando com Sarah e ela estava esperando um filho seu, tudo em sua vida mudou. Seus pais o renegaram e ele passou de um filho de pais médicos com um futuro brilhante pela frente, para um órfão sendo sustentado pela namorada mais velha.
Sarah lhe deu casa, comida, amor, e ainda o ajudou com o pagamento dos cursos de atuação quando ele desistiu de ir para a Stanford, pois já não poderia pagar as mensalidades. Se ele tinha uma carreira hoje em dia, era graças a ela, e apesar de ele saber disso e ser completamente grato a ela, as vezes Aaron sentia como se ela não quisesse que ele esquecesse isso, pois vez ou outra ela mencionava durante uma briga.
— Eu nunca vou esquecer tudo o que você fez por mim, Sarah, você sabe disso?
— Sei? Eu não sei de mais nada. Sequer te reconheço mais! — Ela acusou com um olhar triste. Ergueu a mão e tocou na bochecha dele. Lágrimas alcançando seus olhos. — Há quatorze anos atrás eu era o seu mundo, Aaron.
— A quatorze anos atrás você era tudo o que eu tinha. As coisas melhoraram, eu amadureci, tivemos o Jack. — Ela balançou a cabeça, ainda em negação sobre algo que Aaron não conseguia entender. — Eu amo meu trabalho, Sarah. Mas eu também amo a minha família. Estou tentando encontrar um equilíbrio, mas você não facilita as coisas.
— Não facilito? — Ela abaixou o rosto para enxugar uma lágrima solitária que escorreu dos seus olhos. — Eu estou aqui fazendo todo o trabalho pesado enquanto você brinca de ser uma estrela, mas eu não facilito? — Ela riu, o rosto se contorcendo de desprezo.
Aaron sentiu o peso das palavras dela. Mas ele sabia que também estava tentando.
— Eu estou fazendo o melhor que posso.
— Não é o suficiente para mim. E se você não consegue entender isso, então talvez seja melhor reconsiderar suas prioridades antes que perca tudo o que realmente importa. Eu e o Jack não vamos esperar para sempre.
Ela deu as costas a ele, os passos firmes e determinados enquanto se afastava. Aaron a seguiu para fora do banheiro.
— Sarah? — Ele chamou, não querendo terminar a discussão ali.
A loira parou em frente a porta do quarto.
— Seu filho tem uma apresentação na escola hoje às sete da noite, — disse por cima do ombro. — Eu espero te ver lá.
Ela então saiu do quarto e Aaron ficou sozinho, sentindo-se mais sufocado do que nunca. Ele sabia que Sarah estava certa em alguns aspectos, mas a maneira como ela distorcia a situação o deixava com uma sensação de impotência. Nunca deixou de ir a nada que envolvesse seu filho. Aniversários, reunião escolar, doença, dia de ir ao dentista, levava ele para os treinamentos de futebol, ia aos jogos. Ele sempre fez de tudo para estar lá para o seu filho, principalmente pois sabia a sensação que era de não haver ninguém lá. Seus pais não eram exemplos de presença em dias importantes, eram médicos ocupados, logo, Aaron fez de tudo para que Jack nunca se sentisse como ele se sentiu crescendo.
Em relação ao casamento sabia que poderia ser melhor, principalmente depois do que havia feito na noite anterior. Mas não deixaria que Sarah misturasse as coisas e tirasse o Jack de perto dele. Isso ele não poderia deixar acontecer nunca.
Pensando no que fazer e em como prosseguir, ele foi em direção ao closet. Enquanto se preparava para o dia, uma única pergunta persistia em sua mente: quanto tempo mais ele poderia continuar nessa corda bamba, tentando equilibrar duas vidas que pareciam estar em constante conflito? Ele se sentia dividido, como se estivesse sendo puxado em direções opostas, sem saber para onde ir.
Sarah saiu sem dizer para onde ia, deixando Aaron sozinho com seus pensamentos e preocupações. A casa parecia mais vazia do que nunca, e a ausência de Sarah era clara. Decidido a não se afundar em ansiedade, Aaron pegou a coleira de Thor e decidiu levá-lo para uma caminhada no parque. O labrador cheio de energia abanou o rabo com entusiasmo o caminho todo, alheio aos conflitos humanos ao seu redor.
No parque, Aaron jogou a bola para Thor, que corria e voltava com uma energia contagiante. A simplicidade da brincadeira trouxe um alívio temporário para sua mente agitada. "Vai, Thor! Pega a bola!" Aaron incentivava, rindo enquanto o cachorro corria em disparada. A alegria de Thor ao correr atrás da bola e voltar pulando ao seu encontro era um alívio bem-vindo. Mas, mesmo assim, sua mente continuava a vagar para os eventos da noite anterior e para a crescente tensão em seu casamento.
De repente, o toque do celular quebrou a tranquilidade do momento. Aaron pegou o telefone e viu que era uma ligação da escola de seu filho. Atendeu rapidamente, com uma sensação crescente de preocupação.
— Alô?
— Senhor Fitzgerald? Aqui é a senhora Collins, da escola de Jack. Sarah não veio buscá-lo hoje. Está tudo bem?
Aaron sentiu um frio na espinha.
— Sim, tudo bem. Eu... eu já estou a caminho.
— Na verdade, ele pediu para que eu perguntasse se ele poderia ir para a casa de Luke Dupont, senhor.
— Hum... não. Por favor, diga a Jack para esperar aí que eu já estou indo.
— Claro, senhor Fitzgerald. Jack estará esperando na recepção. Obrigada.
Aaron desligou o telefone e prendeu a respiração por um momento, tentando processar a informação.
— Vamos, Thor. Temos que ir buscar o seu irmão, — disse, mais para si mesmo do que para o cachorro. Ele rapidamente colocou a coleira em Thor e se dirigiu para o carro.
Chegando na escola, Aaron encontrou Jack esperando com a mochila pendurada em um ombro e uma expressão de tédio ao encarar a tela do próprio celular.
— Desculpa pelo atraso, campeão, — Aaron disse, o garoto levantou o olhar e sorriu em alívio.
— Sem problemas, pai, — Jack respondeu, seguindo o pai para fora do grande colégio e para dentro do carro. — Onde está a mamãe?
Aaron hesitou por um momento, tentando encontrar a melhor forma de explicar.
— Não sei, filho. Ela deve ter tido algum compromisso importante. Mas estou aqui agora. Vamos para casa.
No caminho, os dois conversaram sobre a escola e a peça que Jack estava ansioso para apresentar mais tarde.
— Pai, você vai estar lá hoje à noite, né? É importante pra mim.
— Claro que vou, Jack. Eu não perderia isso por nada nesse mundo, — Aaron garantiu, tentando sorrir para confortar o filho. — Você vai arrasar como Romeu. Tenho certeza.
— Obrigado, pai. Eu ensaiei muito, — Jack respondeu, um sorriso tímido se formando em seu rosto.
Aaron aproveitou a deixa para aprofundar a conversa.
— Você parece bem animado para a peça. Está nervoso?
Jack deu de ombros.
— Um pouco, mas eu gosto de atuar. É divertido. E saber que você vai estar lá me ajuda a me sentir mais confiante. Não é todo mundo que tem um pai famoso.
— Fico feliz em ouvir isso, filho, — Aaron disse, sentindo-se orgulhoso. — Atuar é uma coisa maravilhosa, e você está se saindo muito bem. Eu sei o quanto você vem se dedicando.
Jack olhou para o pai, curioso.
— Pai... você sempre fala sobre como é importante ser cuidadoso por causa da sua fama. Mas às vezes eu sinto que você está sempre me protegendo demais. Como hoje, por exemplo. Eu poderia ter ido para a casa do meu amigo. Seria legal.
Aaron suspirou, sabendo que essa era uma conversa necessária.
— Eu sei, Jack. Mas como seu pai, eu me preocupo. O mundo pode ser complicado, especialmente quando você é filho de alguém famoso. Quero garantir que você esteja sempre seguro. Eu ainda não conheço os pais do Luke, quando isso acontecer, prometo que as coisas vão ser melhores.
Jack refletiu por um momento antes de responder.
— Eu entendo, pai, de verdade. Mas você precisa confiar em mim também. Sei que o mundo pode ser perigoso, mas eu sou responsável, já tenho quatorze anos, não sou uma criança. Luke vai ao mesmo colégio que eu, logo, os seus pais devem ser ricos como nós. Nada aconteceria. E se acontecesse, eu sei me cuidar.
Aaron assentiu, sentindo um aperto no coração com o questionamento do filho.
— Eu sei que sabe. E eu confio em você. Mas dinheiro não significa confiança, meu filho. Existe muita gente ruim e rica nesse mundo.
— É... isso é mesmo.
— Pois é. — Aaron sorriu, percebendo que Jack estava compreendendo melhor a situação. — Como seu pai, é meu dever protegê-lo de tudo que pode dar errado. Lembro-me de todas as coisas que enfrentei quando tinha a sua idade, e não quero que você passe por nada parecido.
— Valeu, pai, — Jack disse, com sinceridade na voz.
Aaron sorriu, sentindo-se um pouco aliviado.
— Eu sei que às vezes eu posso parecer super protetor, mas é só porque eu te amo muito.
Jack sorriu de volta.
— Eu sei. E eu te amo também, pai. Eu só quero que saiba que estou crescendo e que posso lidar com algumas coisas sozinho. Mas eu sempre vou pedir ajuda quando precisar.
Aaron olhou para seu filho, sentindo um orgulho imenso.
— Eu sei que você vai, Jack. E eu vou tentar te dar mais espaço para crescer. A gente pode encontrar um equilíbrio.
— Promete? — Jack olhou para o pai com esperança.
— É claro, — Aaron afirmou sem qualquer hesitação.
— Que bom, pois eu convidei uma garota para sair hoje depois da peça, pensei em irmos em uma pizzaria ou sorveteria, algo legal assim.
O garoto revelou, animado. Aaron, no entanto, olhou para o filho com clara surpresa, a boca levemente aberta enquanto ele raciocinava o que tinha acabado de acontecer.
— Você puxou esse assunto exatamente para isso, não foi, espertinho?
Jack deu de ombros, a sombra de um sorriso brincando em seu rosto.
— Não nego nem afirmo. A Quinta Emenda me garante o direito de não criar provas contra mim mesmo.
Aaron riu, balançando a cabeça desacreditado.
— Se a carreira de ator não vingar, já temos o plano B envolvendo Direito.
— O plano B é o futebol, o C é o direito.
Aaron apenas riu, voltando sua máxima atenção para a estrada enquanto dirigia. Os dois continuaram conversando, tocando em assuntos mais leves, rindo das histórias da escola e compartilhando momentos do dia a dia. Jack contou sobre os amigos, as aulas e suas paixões, enquanto Aaron ouvia atentamente, aproveitando cada segundo dessa conexão.
— Parece que você está realmente curtindo a escola, — Aaron comentou. — E isso é ótimo. Sabe, eu também era bem envolvido nas atividades escolares. Atuar começou assim para mim, em peças escolares que eu julgava serem bobas, mas que hoje eu vejo que foram a base para eu ser quem eu sou.
— Eu gosto muito, — Jack respondeu, os olhos brilhando de entusiasmo. — E é legal ter você como exemplo. Você sempre seguiu seus sonhos, mesmo que fosse difícil.
Aaron sentiu-se tocado pelas palavras do filho.
— Seguir nossos sonhos pode ser desafiador, mas também muito recompensador. E você, Jack, pode fazer qualquer coisa que decidir. Eu vou estar sempre aqui para te apoiar.
A conversa continuou até chegarem em casa, onde Jack foi para o quarto tomar banho e se preparar para a apresentação. Aaron ficou na sala, refletindo profundamente sobre o quanto seu filho havia crescido e o quanto ele próprio precisava ajustar suas expectativas e medos. Ele lembrou-se de quando Jack era apenas um bebê, de como ele e Sarah tinham tantas esperanças e sonhos para o futuro.
Agora, Jack estava crescendo rápido, se tornando um jovem confiante e independente. E Aaron percebia que cada vez mais, teria que dar mais e mais liberdade ao filho. Deixar o garoto crescer. Ele precisaria aprender a confiar mais em Jack, a deixá-lo cometer seus próprios erros e a descobrir o mundo por conta própria. Isso era um desafio enorme para ele, pois não queria que o seu filho cometesse os mesmos erros que ele cometeu no passado.
Basicamente, não queria que ele crescesse. Queria guarda-lo nessa idade, onde tudo era mais fácil de se resolver. No entanto, a adolescência dele estava já dobrando a esquina, e logo viriam as festas e as namoradas. Então, a universidade, e provavelmente só o veria nas férias e feriados. Aaron sorriu, pensando no quão lindo e assustador era ter e criar um filho.
Pensando nisso, Aaron também se deu conta de que precisava enfrentar seus próprios medos e inseguranças e resolver de uma vez por todas a situação com a sua esposa. A tensão em seu casamento estava exacerbando essas emoções, e ele sabia que precisava encontrar uma maneira de equilibrar tudo antes que esse tudo implodisse em sua cara. A noite anterior, com o beijo de Alyssa e as emoções confusas que ele estava sentindo, só havia intensificado esse sentimento de estar dividido entre duas vidas. Ele tinha que encontrar uma solução, mas a solução mais óbvia o assustava. O que ele tinha era tudo o que ele conhecia.
Aaron suspirou profundamente, tentando se preparar mentalmente para o que viria a seguir. Sabia que essa jornada de ajuste e crescimento não seria fácil, mas estava determinado a ser o melhor pai possível para Jack, mesmo que isso significasse enfrentar algumas verdades difíceis sobre si mesmo e seu relacionamento.
Na escola, Aaron se sentou em uma das cadeiras do auditório, esperando o início da peça. O ambiente era acolhedor, com os pais e familiares dos alunos conversando animadamente enquanto aguardavam o começo da apresentação. Ele olhou ao redor, procurando por Sarah, mas não a viu em lugar algum. Suspirando, Aaron decidiu focar totalmente na apresentação de Jack, determinado a estar de corpo e mente ali presente.
A peça escolhida para a noite era Romeu e Julieta, e Jack interpretava Romeu. Aaron observou atentamente enquanto o filho entrava em cena. Jack parecia à vontade e confiante no palco, entregando suas falas com paixão e habilidade. Ver o filho em cena trouxe um orgulho indescritível a Aaron, mas também fez sua mente divagar momentaneamente para Alyssa e toda a situação complicada entre eles. A eletricidade do beijo que haviam compartilhado, os sentimentos confusos que ele ainda estava processando, tudo isso pesava em sua consciência enquanto ele via os personagens principal da peça morrerem um pelo outro. No entanto, ele rapidamente afastou esses pensamentos, decidido a estar presente para Jack.
A peça se desenrolou com a intensidade e a tragédia clássicas de Shakespeare, e Aaron ficou impressionado com o desempenho de seu filho. Quando a peça terminou com uma salva de palmas, Aaron aplaudiu de pé, os olhos brilhando de orgulho enquanto ele tirava fotos com o celular. Ele e Jack trocaram olhares de puro amor entre pai e filho, um momento silencioso de conexão que falava mais do que palavras. Jack, feliz por ter o pai ali, brilhou no palco, seu sorriso radiante enquanto se curvava junto com o elenco.
Depois da apresentação, Aaron cumprimentou Jack com um abraço apertado e um elogio sincero.
— Você estava incrível no palco, filho. Estou tão orgulhoso de você, — disse Aaron, com a voz embargada de emoção.
— Obrigado, pai. Fico feliz que você tenha vindo, — respondeu Jack, retribuindo o abraço.
Decidindo prolongar a noite especial, Aaron levou Jack e sua amiga, Sabrina, para tomar sorvete. Eles escolheram uma sorveteria charmosa próxima à escola, onde os dois jovens podiam relaxar e conversar animadamente. Enquanto Jack e Sabrina se envolviam em uma discussão sobre a peça e outros assuntos de adolescentes, Aaron se afastou um pouco, pegando o telefone para ligar para Sarah. Ele esperava que ela pudesse se juntar a eles, mas a ligação não foi atendida, o que deixou uma sensação incômoda de preocupação.
— Por favor, Sarah, onde você está? — murmurou ele para si mesmo, antes de desligar e guardar o telefone.
Ele voltou a se juntar a Jack e sua amiga, tentando manter a calma e aproveitar o momento. Sentou-se em um banco próximo e observou os dois jovens rindo e trocando histórias. No fundo, a ausência de Sarah e sua crescente distância emocional começavam a pesar mais do que ele gostaria de admitir. Ele sabia que precisaria enfrentar essa situação logo, mas por agora, decidiu focar no que realmente importava: o tempo de qualidade com seu filho.
Quando terminaram o sorvete, Aaron levou Sabrina em casa e levou Jack de volta para casa. Durante o trajeto, ele continuou a refletir sobre as complexidades de sua vida, tentando encontrar o caminho certo. Estava determinado a fazer o que fosse necessário para manter Jack seguro e feliz, mesmo que isso significasse enfrentar as difíceis realidades de seu casamento e suas próprias emoções conflitantes.
Enquanto Aaron, deitado na sua cama, pensava sobre o que fazer, a ausência de Sarah ao seu lado ecoava como um presságio sombrio em sua mente.
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