Capítulo 22.5° - Nos últimos momentos o homem bom olha para trás e sorri
Stephanie Fearblood - vampira
— Apenas sendo bom alguém pode verdadeiramente ter uma vida feliz. Não alcançará isto com momentos soltos de devassidão que irão atormentá-lo a cada fraquejar de sua convicção no amor ao prazer vindo de ações perversas. Nos últimos momentos o homem bom olha para trás e sorri, o vil fingi o fazer enquanto os pecados apertam seu coração.
Os olhos alvos e vítreos do humano foram a ela. Ele não pode me ver... os punhos da vampira fecharam e as íris penderam na direção contrária. Mas ainda sinto o fitar, ainda me lembro das ocasiões onde quis e quase cedi a desejos que trariam desgraça a outro.
Ele tem razão.
Mas... mas...
— Ser bom não é algo que recompensa no prazer obtido do ato, mas na satisfação de ter sido uma existência benéfica a outra.
E como eu poderia ser isso? Eu tentei! Eu tentei a droga do caminho todo até aqui, merda! Não adiantou... não adiantou nada!
Eu...!
Uma mão desceu sobre o ombro da vampira. Stephanie foi atravessada por um arrepio e os olhos rubros foram aos azuis da elfa negra. Respirou mais profundamente, os lábios separando-se infimamente e punhos desfazendo parcialmente o cerrar.
Desviou o encarar. O rosto da elfa voltou-se ao do homem.
— Quieto, Yagami, isso não é uma igreja e não foi posto no time por seus sermões.
— Meus sermões se fazem necessários na presença de uma criança que passou tanto tempo com ouvidos a alcance daquela mulher.
A bêbada, Ouroboros fora como o homem se referira a ela. ''A serpente que devora a si mesma, símbolo da eterna morte e renascimento'', uma facção de onis que tem código de não participação em assuntos externos que não envolvam a proteção direta do terreno da Bélica pelo que lembro de ouvir do meu pai... não havia registros escritos sobre eles em lugar algum da biblioteca.
— Caguei, velhote, também tá me dando nos nervos esse papinho aí — o licantropo com a mão subindo ao cabo do machado de lâmina dupla.
— Ainda tem uma língua desrespeitosa, precisa superar isto. Houve uma mulher que...
O dedo da elfa negra, Hersa, encontrou os lábios do velho.
— Chega.
Estavam a meia centena de quilómetros a sul de Semiramis, haviam se separado do restante da turba de fugitivos, por conta da quebra da muralha e atravessar da linha de militares por zumbis, há meio dia. Seguiam para a montanha Phoenix... se perguntado nas extintas cidades vampiras, Surt se na ainda de pé Bélica. Os licantropos chamavam-na de ''o lugar mais quente no meio do inferno''. Fica em um terreno de rochas vulcânicas com o solo marcado por alguns veios de magma que escorriam rumo ao mar e formavam obsidiana lenta, mas progressivamente na direção contrária ao continente.
O grupo que seguia com Stephanie continha um humano na casa dos cinquenta, um jovem licantropo com provavelmente idade próxima a dela e Hersa que conhecia a bêbada... Cia... Ouroboros. Seja lá qual for seu nome.
Espero que esteja bem.
O céu cinzento e rabiscado por rubro era visível no horizonte. Estamos a meio dia de caminhada de lá, provavelmente. O fedor de suor era uma constante e os mantimentos só durariam mais três dias. ''Assim que pisarmos em Muspelheim correremos o caminho todo até Surt'' fora concordado. Metade da equipe cedera sob os mortos vivos que escaparam da tentativa do exército de Semiramis de impedi-los de ir à civis. Mais três vidas na minha conta.
Talvez mais, muito mais. Os zumbis estão atrás de você e passarão por todos eles para te alcançar.
Os polegares esfregaram as laterais dos indicadores vigorosamente e a respiração acelerou por três segundos. Eles os atacariam por qualquer razão...
— Entããããoo... eu sou de Semiramis, merda e mijo sendo atirado em buracos é como começo o dia... como eram as coisas lá na Cruz do Primeiro, Step?
A vampira olhou para Hersa de soslaio.
— ... tinha um cheiro bom — voltou o encarar a frente.
Os outros três começaram a dissertar sobre suas experiências nos lugares onde nasceram. Stephanie mal ouviu uma palavra nas duas horas que levaram no assunto.
— Deveriamos lutar. É o melhor jeito.
Stephanie parou, os outros o haviam feito três passadas atrás. A vegetação era rasteira e amarelada, grãos de areia quentes eram carregados pelo ar e acertavam-na a face. Seria bom. Fechou os punhos e esperou. As palavras foram e vieram, escutou algumas. As pálpebras baixaram e a borda inferior e esquerda dos lábios foi mordida. Eu quero machucá-los... eu realmente quero... por motivo nenhum que não me sentir um pouco melhor.
— Você se importa, Step? — Hersa.
Balançou um não com a cabeça. Eu deveria me importar com minhas razões...? Não...? Faz alguma diferença?
Ser boa e sorrir em meus momentos finais.
Ser um demônio e sorrir em vários outros.
Satisfação moral... satisfação carnal? Poupar outros do sofrimento que eu puder poupar ou tentar ser indiferente a qualquer coisa que não meu prazer?
Meio termo?
Uma vida pela metade, essa é minha resposta?
Soltou o ar pela boca, fora chamada.
Todo esse ponderar é irritante. Colocou a mão sobre o cabo da espada curta. O garoto pôs seu machado envolto por seus dedos. Ele fedia a excitação gradualmente mais e mais. Seu talento especial é zerar o efeito do peso para si daquilo que toca, então devo supor que seja rápido. Palavras marcaram o ar, algo sobre a elfa não participar, talvez houvesse uma nota acerca de não causaram morte ou danos incapacitantes. Não importa. O garota avançou, tinha curta pelagem escura sobre a pele e orelhas lupinas. Três passos e o machado com um alcance de noventa centímetros desceu rumo a ela segurado por uma mão. É dourado, diferentes tons no centro do cabo e nas bordas, a lâmina paira em bronze e a mostrar o meu reflexo na lateral de si. Tenho o cabelo bagunçado, o rosto manchado por transpiração e poeira, os olhos quase vítreos.
Podia muito bem ser só mais um morto andando.
Deu um passo para o lado, o fio da arma encontrou e enterrou-se no solo. Pisou a frente, agarrou o pescoço do garoto, a borda dos lábios dele pendeu levemente abaixo e a mão livre a encontrou o pulso. O machado foi erguido e o licantropo foi lançado ao chão no meio do processo, os dedos da vampira quentes e enterrados em sua garganta de músculos rígidos. Olhos rubros fitaram os negros. Tão fraco.
Comparado aos mortos contra os quais lutei, é... medíocre.
O licantropo respirava pela boca e os olhos pendiam semicerrados e pressionados pelas sobrancelhas. O soltou e pôs-se de pé. Ele levantou impulsionando-se acima com os braços. Agora seu sangue é marcado por irritação. Esquivou de um golpe horizontal do machado abaixando e indo para o lado de fora do braço dele, ergueu-se enquanto girava a espada e atingia com a base da empunhadura da arma o estômago protegido por cota de malha negra do garoto. Ele dobrou para frente, saliva e um gemido escaparam-no os lábios. Hersa fitava e ria. O humano... soltava dicas? É difícil dizer... não me importo e não ligo se ouço ou não.
O garoto deu dois passos trêmulos adiante, então girou rumo a vampira, limpou a saliva da boca e pôs-se ereto com o machado apontado a Stephanie. Não foi o bastante, para mim ou ele.
A vampira avançou. Lançou uma estocada que encontrou a defesa da lateral da lâmina do machado, então pisou adiante antes que ele o estendesse para frente e puxou-lhe a cabeça pela orelha à baixo enquanto subia o joelho em sua direção. O impacto soou ruidosamente, a mão do garoto largou a arma e a vampira soltou a dela para enterrar o punho em seu nariz. O calor do sangue a tocou a mão e o corpo do licantropo voou inerte três metros à frente.
Stephanie respirava profunda e rapidamente, os olhos foram a superfície da mão. O cheiro é... inebriante. Ergueu o punho a meio caminho até a boca, tensionou os músculos, separou os lábios, virou o rosto para outro lado e então de volta ao líquido rubro sobre as juntas dos dedos. Tremeu. Enrijeceu mais o corpo, baixou as pálpebras e lambeu o sangue das costas da mão. Todos os pelos do corpo arrepiaram e os olhos abriram completamente.
Lacrimejou e água encheu-a a boca.
A língua quente e úmida deslizou sobre as últimas manchas do líquido. Que se foda sorrir nos momentos finais. Que se foda ser boa e ter uma vida feliz. Só preciso desse sabor. Só... e é tudo que posso ter. Deveria matar os três e me sentir bem pela primeira vez em... dias, anos, vida... eu já me senti bem alguma vez desde que nasci?
Uma mão caiu-lhe sobre o trapézio. Os ombros de Stephanie foram abruptamente acima e a íris foi rápida e de soslaio rumo a Hersa. A elfa ria e apontava o garoto licantropo e... ela é tão linda. A vampira ruborizou.
— ⚔ —
Lutar para entender as habilidades uns dos outros foi deixado de lado e o humano carregou Gilmar, o licantropo, até que acordasse a borda do destino.
O cheiro de enxofre fazia o de Hersa, o humano e Gilmar soarem ínfimos. O calor a punha a ser banhada pelo próprio suor e a pele a avermelhar, pararam a sete metros do início do solo rubro. Correriam por cinco horas de acordo com os cálculos de Hersa e então levariam mais uma para chegar ao topo da montanha. Posso fazer isso, mas eles... o encarar passeou do velho ao jovem e então a elfa. Não tem tanta mana quanto eu e seus corpos não aparentam ter músculos suficientemente firmes ou volumosos. Por que Mommy os mandou?
Talvez para morrerem.
Stephanie bebeu sua garrafa de sangue, os demais beberam água.
— A prioridade é Step, então se formos atacados, abram uma rota para ela continuar ao destino, entendido?
O humano e Gilmar assentiram.
— Ótimo. Vamos.
É como estar cega. Os passos atravessaram o limiar da terra rubra e rachada. O nariz ardia inundado por enxofre e fumaça. Começou a arfar após dez minutos e as íris captaram vultos inumanos em meio a incandescência do chão e a escuridão dos céus.
A terra de fogo, Muspelheim, era lar de criaturas resistentes ou completamente imunes às altas temperaturas. Serpentes que nadam em lava, crustáceos de dois metros de altura com pele similar ao terreno, vermes gigantes que contorcem-se por baixo da terra, bestas aladas que cobriam-se em chamas e slimes capazes de derretar aço em meio segundo de contato. Com exceção dos vermes, os demais só atacariam em defesa de território ou filhotes contanto que as condições do ambiente não dispusessem de um estressor incomum, suas alimentações consistiam de lava, slimes e o negro arbusto que marcavam as bordas do território. Apenas os vermes comiam carne. E com todo esse fedor só vou notá-los quando racharem o local onde piso e devorarem um de nós.
Não via sinal de montanhas no horizonte, de acordo com o livro ''Os extremos do continente'' era por causa da fumaça que maculava as alturas. Também alertava para morte por desidratação ou envenenamento que podem ocorrer após, aproximadamente, doze horas no local.
A corrida continuou em silêncio de vozes e o ruído de arfar.
O dedo maligno não se pronunciou. Isso ainda punha duros arrepios a percorrerem-na a espinha. Se realmente fosse este o caminho para sua destruição... ele estaria quieto? Já o vi reclamar bastante antes na ocasião com os zumbis. Engoliu em seco, se estivesse certa...
O solo rachou sob os pés da vampira, um frio a preencheu o estômago, a sola das botas queimaram e fiapos de fumaça atrevessaram as aberturas no chão. Stephanie pulou para a esquerda, empurrando Hersa para o lado abruptamente. O piso cedeu em placas de pedras caindo ao breu... que subiu para abocanhá-las. E continuou acima. Uma figura cilíndrica que ergueu-se a sete metros de altura, vermelha e negra com um chiado de água sendo transformada em vapor a acompanhando. A elfa caira no chão, a vampira agarrou seu pulso e puxou-a de volta acima. Uma bocarra redondando com fileiras de dentes em espiral voltou-se a Stephanie, gotas de suor frio juntaram-se as demais na pele da garota. É como acordar de um sonho de queda, o frio toma-me o estômago e a morte espreita o fundo de minhas entranhas.
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