Capítulo 16° - Faça um favor a todo mundo e só pare de correr
Stephanie Fearblood, vampira
Se perguntassem? Sim, se sentia amaldiçoada, desgraçada, infeliz e fraca. Estava tudo ali, pulsando a cada momento em que olhava para o passado e encontrava um amontoado de carne fria e morta. Quando olhava para os lados e a única consigo era uma bêbada criminosa e assustadora. Quando lembrava do combate no pátio do mercado cultural onde fora rendida em três movimentos. Por Lancelote... mas que diferença faz quem era? Fui inútil do dia em que nasci à agora, capturada por um zumbi, sobrevivendo a queda da Cruz do Primeiro só para chegar e avisar um governo que já sabia sobre a profecia. Alguma coisa que fiz alguma vez importou?
A sala ficava no subterrâneo do mercado cultural, as paredes eram escuras e o chão áspero. Fedia a carne congelada, água, lama e um casal suado. Lancelot estava à esquerda dela, ambos sentados de frente a abertura que dava a rua circular. Três zumbis pairavam em cada lateral do cômodo de pé e com bestas apontadas para a entrada. Estão esperando a bêbada. Ela é a única ameaça, a vampira é uma fraca chorona. Stephanie cerrou os punhos e mordeu o canto da boca.
O odor da oni se afastou. Três minutos e o humano surgiu no batente, o local na direção do coração afundado e sangue escuro o vazando por entre os lábios.
— Vamos indo - ele soltou e virou-se.
Lancelote pôs-se de pé e gesticulou para a saída com a cabeça. Stephanie levantou e o seguiu. Para a morte, para algo pior... assim como antes, não deve fazer diferença. Seguiram para a escadaria, então à fora do mercado cultural.
O ar pairava rico em medo, raiva e ansiedade. Licantropos, mestiços de todos os tipos e mais ao norte... feras lupinas, algo diferente do que já encontrara antes. Os ventos eram frios. É assim desde que estou próxima dos zumbis, antes só vinham mornos ou frescos.
Correram. Stephanie não saberia dizer por quanto tempo ou para onde. Não importa. Os olhos estavam fixos nas costas sob aço azul escuro do cavaleiro do lago. Minha correria nunca importou. O coração comprimia dolorosamente. Meu treino desde os onze foi inútil. As vias seguiam em um silêncio próximo e ruídos distantes de gritos e rosnados. Esses guardas lutando importam. Os membros pareciam ocos. Eu... Tropeçou e o rosto encontrou a casa à esquerda. Eu estou de saco cheio. A pedra era fria, a placa acima dizia ''O açougueiro'' e dor a pulsou sobre o nariz. Eu odeio isso. Empurrou a parede com o braço esquerdo. Lancelot e o humano tinham parado e virado para fitá-la. Me matem. Fincou-se de pé e a armadura a cobriu a pele. Stephanie ergueu os punhos, ativou o nível dois e encarou-os o rosto através da fresta no elmo. Venham. Ativou o nível três, os sentidos foram aguçados e cada descida de relevo na pele do humano, cada curva e gota de água na armadura do cavaleiro, cada mover do líquido escuro e da energia mágica em seus corpos se tornou clara como a silhueta deles abaixo da luz da pedra de mana alaranjada.
— Pare com isso. Só vai se machucar.
Não, só vou cometer suícidio em outro ato inútil. Avançou, a distância foi devorada em meio segundo, lançou o punho rumo ao queixo do samurai, tocou a pele coberta por barba, avançou um terço de milímetro e a cabeça dele girou para esquerda junto ao tronco e o golpe seguiu reto, sem impacto. O braço da vampira foi segurado, firme e forte, ela foi erguida ao ar, frio agitando-se na barriga e pálpebras completamente elevadas, movida nele e... a cabeça do zumbi estava ao alcance da perna. Chutou. O rosto pálido do humano foi virado sob o golpe, dente e sangue negro voaram da boca. Mas o atirar da vampira ao solo continuou, o piso rachou e afundou ruidosamente sob a queda dela. Stephanie engoliu um gemido, o ar a escapou os pulmões e a boca correu para recuperá-lo. ''Ei'' soou da borda da esquina.
Stephanie riu. Eram guardas. Então parou. Guardas que importam. Os lábios tremeram e uma coceira quente a percorreu o nariz. Guardas que importam e serão mortos por causa de uma ninguém. O grupo de quatro licantropos em armaduras de aço com o símbolo de Semiramis no peito pisaram ruidosamente na direção deles. Não, voltem. Stephanie pôs-se de pé, girou na direção do humano. O que eu faço? O que eu...? A mão dele veio fechada rumo a ela, que desviou para esquerda, segurou-o braço e foi mandanda contra a parede por um chute. Merda. Empurrou o tronco para o lado. Por que tudo que eu faço é inúti... cessou o respirar, os olhos abriram ao limite e os braços tremeram. Não, é pior. Pessoas morrem, pessoas que só me ajudaram, que eu gostava.
— Onde cês tão com a cabeça, porra? - o sujeito na dianteira dos guardas. - Brigando? Ainda mais fudido, brigando quando o alerta foi soado. Cês tão com o quê na cabeça?
— Foi mal - o humano, coçando a lateral da bochecha. Então fitou a vampira. - Deixa essa disputa para depois. Vamos indo, pelo bem de todo mundo.
— Isso mesmo. Vazem! Se eu vê-los de novo irei mandá-los à prisão! Vai!
E o trio rumou para o outro lado. Mesmo minhas preocupações são inúteis. Cerrou os punhos, parou os passos. Correu para a via à direita.
O humano gritou, o cavaleiro começou a correr e logo o samurai também. Ela desmaterializou a armadura e ficou mais rápida. Ia reto, as casas tornadas borrões nos cantos da visão e ''a frente'' tendo o conceito passado a outro local em curtos intervalos. Por que eu estou correndo?
Atingiu duramente uma silhueta qualquer que surgira de uma ramificação à esquerda da rua. Foi lançada para trás e a bunda atingiu o chão duramente. Fim. Umidade a subiu aos olhos. Eu não queria isso, mas... o que mais há além disso? Família, amigos, desejos e amores? Não tenho nenhum desses, não mais. Só há o fim e então... e então... a boca dela tremeu. Que seja.
— Se levante - o homem, um elfo na casa dos quarenta com olhos azuis e barba por fazer, a mão estendida a garota. - Não vai morrer hoje.
O semblante dele era duro, tocado por olheiras, com os ossos da borda superior das bochechas marcados pela pele e palidez. A voz era firme e a mão dela havia agarrado a dele antes que se desse conta. Stephanie piscou. Por que eu...? Pôs-se de pé. Os dois mortos vivos já estavam a três passos e retaguarda dela.
— Vamos, não incomode esse guarda - o samurai.
Outro homem chegou pela mesma via que o elfo.
— Está fugindo deles? - o... guarda? A armadura dele era um peitoral de aço desgastado, cota de malha e calças com placas de couro reforçadas. Mas não há o símbolo de cabeça de lobo e elos partidos que representa Semiramis... é provavelmente um aventureiro.
Stephanie fitava-o os olhos, então desviou o encarar. ''Não, continue sua ronda'', ''não, está tudo bem'' e ''não'' na ponta da língua. Três, dois e um segundos. Os lábios parados e a cabeça intocada por um acenar. Vamos, termine isso, salve a vida desses dois, faça algo que importa.
— Entendi - ele, então a puxou para trás de si. - Aeolus, leve-a daqui.
— Quer mesmo fazer isso? Não estou de bom humor agora - o humano.
— Chame reforços assim que a deixar a salvo - o elfo para o companheiro enquanto puxava bainha a fora uma espada longa e com marcas horizontais que faziam a lâmina parecer uma junção de três pesadas placas.
A vampira não disse uma palavra. O punho do outro aventureiro a encontrou o pulso, começou a puxar e a boca chamou-a gentilmente. Ela não moveu-se. Eu não posso deixá-lo morrer por nada. Respirou fundo e soltou-se do agarro.
— Eu posso lutar por mim mesma - falou o mais alto e firme que pôde. Mas ainda trêmulo, hesitante, assustado, triste, com tanto medo que o elfo provavelmente pensa que se olhar para trás verá uma garotinha de dez anos escondida debaixo da cama e com um urso de pelúcia apertado entre braços e tronco. Fechou os punhos, ajeitou a postura e deu um passo a frente. - Vá embora.
— Então lute - o elfo. - Há dois deles. Igualarei os números.
Uma veia pulsou na têmpora da vampira. Só vá e me deixe pelo menos salvar uma vida... deixe que eu faça algo que importe ao menos uma vez.
— Eu odeio elfos. Não quero sua ajuda - disse e andou. Lancelote foi na direção dela.
Então aço cruzou o ar como uma cobra, passando rente ao ombro da vampira e seguindo ao elmo do cavaleiro. Ele desviou com um pender de tronco para direita, o humano fitou a vampira com as sobrancelhas pressionando os olhos. ''Esta morte será culpa sua'' quase pôde ouvir. A armadura de Stephanie se materializou e os punhos cerraram. Foi aí que notou o cheiro. A lâmina que estendera-se com fios paralelos e unidos ligando suas três placas ainda retornando ao elfo, o humano pondo energia mágica sobre si e Lancelote voltando do movimento de esquiva.
Fitou o trio de restaurante, bar e loja de roupas no outro lado da rua, as silhuetas surgindo sobre o telhado, nos espaços entre as construções e atravessando a esquina. E foi puxada para trás por uma mão enquanto a de Lancelote a errava por milímetros. Um, dois e três segundos. Os olhos foram as bestas disparando rumo a eles. As passsadas eram suaves como as de um gato, os rostos caveiras caninas esbranquiçadas com um osso de antebraço atado a um de mão pendendo de cada lado da cabeça, o torso era coberto por pelo cor de breu e os membros superiores pairavam exageradamente largos. Stephanie puxou o pulso do elfo, ele a fitou pelo canto do olho.
— Corra - disseram em uníssono. Piscaram, semicerraram os olhos e então correram.
O cavaleiro do lago agarrou o braço do elfo, a vampira parou, espada apertada mais firmemente entre dedos, e um... wendigo, isso é o que essas coisas são. A fera caiu sobre o morto vivo, Stephanie puxou o elfo instantes antes de outra descer onde ele estivera e Aeolus cortou a cabeça de uma terceira antes de começaram a se afastar o mais rapidamente que as pernas permitiam. O som de carne sendo cortada e sangue esguichando soou. Com um virar de cabeça para o lado e fitar de soslaio viu o humano seguindo no encalço e quatro wendigos mortos em suas retaguardas.
Vamos ter que lutar. Fitou a via à frente. E se lutarmos, perderemos... ou não. Puxou o ar mais vigorosamente e de novo. O odor dela está razoavelmente longe. Olhou para o elfo à esquerda e o na direita de si. Preciso de tempo, se eu chegar até ela, podemos...
Não, ''nós'' não.
Eu.
Eles morrem.
E talvez sem conseguir me dar tempo o bastante. E para quê? Que motivo você tem para querer viver? Respirar pelo respirar?
Faça um favor a todo mundo e só pare de correr.
— Para a esquerda - o elfo, puxando-a pelo ombro. Pode haver mais pessoas ali. Stephanie mordeu e fez sangrar o canto da boca. Mais vítimas. Ela fez a curva no edifício com uma placa na parede que dizia ''Novidade do dia, o seu jornal de fatos atuais''. - Dois sujeito habilidosos e mais uma dúzia de monstros um tanto mais atrás nos seguindo.
O sujeito andou a frente e foi ultrapassado pelo trio, as pálpebras da vampira subiram ao limite. Ele é um esqueleto em pé. As mãos dele se ergueram e duas dezenas de círculos mágicos surgiram. E então um ruidoso som. Quase uma explosão. Stephanie virou para ver pedaços de calçamento, edifícios comerciais e os dois mortos vivos serem lançados por uma lufada de ar até... não conseguir vê-los no horizonte. O elfo esguio, com pele rente aos músculos ínfimos, fedia. Um odor pesado, asfixiante e fresco ao ponto de pôr o nariz sob a sensação de queimação. Teria o notado se ele não estivesse a favor do vento e... tido esperança. O cheiro dele é quase como o da bêbada. Menos denso, sem a terrível perversidade que vinha a mente sobre ele ao senti-lo... mas ainda absurdamente forte.
— Augustus, lide com os que eu errar, ainda não reganhei completamente minha noção espacial - ele, com círculos mágicos surgindo a frente de si formados pela palavra ''thunder''.
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