Capítulo 14° - Eles Já Sabiam
Stephanie Fearblood, vampira
O que essas pessoas pensam do que estão vendo? Stephanie corria sobre calçada, rua, subindo e então descendo residências, a trilha do odor demoníaco a frente e se afastando. O que você acha? Uma casa caiu sobre uma família. Vento deslizava-a pele ferozmente. A silhueta da oni pairava negra, da vestimenta e cabelos, a trezentos metros. Você sentiu o fedor. Virou a esquerda e logo a direita ao lado de um poste de madeira quebrado. Medo e raiva.
O demônio parou sobre uma casa verde de topo e base redondas.
— Eles se separaram - suspirou. - Bom, eu já imaginei que seria bobo esperar que me levassem ao seu líder. Ah, devo ter bebido demais ontem.
Bocejou. Virou a cabeça de lado e olhou a vampira por sobre o ombro sujo de sangue frio.
— Vamos voltar com o amargo gosto da derrota nos lábios - a oni. - Dessa vez vai ter que me contar sua história, sim? Preciso de algum conforto.
Stephanie desviou o fitar. Não quero.
— Demônios como nós deviam ser mais unidos, ponha uma cara mais animada, há pouco na vida que valha a pena o mau humor. Se está te movendo a frente é útil, caso contrário é apenas peso morto. O choro te fez relaxar, sim? Mas essa sua postura tensa só está te atrasando.
Stephanie fitou o chão. Vai se foder, não fale como se soubesse alguma coisa sobre mim.
O demônio girou, a nudez sob a película dos fluídos negros atravessando a visão da garota, e começou a correr. Stephanie ruborizou e a seguiu.
— ⚔ —
— Então, como foi? - o licantropo.
Os punhos da vampira cerraram. Ele não está do meu lado, Semiramis não é um aliado.
— Entediante... sabia que Ícaro é um necromante? Isso é um crime, certo? - a oni, então sorriu, os fios negros balançando sob a brisa fresca. - Deveria condená-lo a morte, eu alegremente faria o serviço de carrasco.
— Talvez precise fazê-lo a si mesma se estamos falando em punir
crimes - Jurandir, da janela no segundo andar do edifício governamental, uma xícara de café entre os dedos e apoiada na borda. - E eu ficaria grato se pagasse pelos danos causados a essa propriedade.
A cabeça do demônio pendeu a esquerda e um assobio a deixou os lábios por três segundos. O roupão fora fechado e manchas do sangue escuro ainda a marcavam de cima a baixo.
É uma bandida. Os olhos de Stephanie semicerraram. Com um cheiro desses não podia mesmo ser coisa boa.
— Posso pagar com serviços sexuais?
A vampira piscou e a boca abriu curtamente. É uma vadia também.
— Sou casado.
— Isso soa diferente de uma recusa.
— Então, ''não, não pode'', soa melhor? - e sorriu.
— Chato - fazendo uma careta teatral.
— Eu prefiro o termo ''leal''.
— Haha, dúvido que tenha tido alguma diversão com sua esposa nos últimos dias.
— Estive ocupado, mas nos divertimos muito nas folgas - bebeu um gole do café.
— Claro, com uma pirralha nos pés, imagino que sim - e riu brevemente.
— Nunca ouviu falar em deixar com os avós?
— Enzo? Precisa de coragem para deixar uma criança nas mãos de um saco de ossos senil. Que belos pais.
— Ele não é senil. E falando dele, vejo que está com o roupão que te deu de aniversário - apontou com a mão livre.
— Poucas opções no quarto que me ofereceu - esticando as bordas do decote a frente.
— Sei. O velhote age mais como seu avô do que meu.
— Ciúmes? Sou simplesmente mais charmosa - o sorriso deixou um canino à mostra.
— E mais necessitada de um banho. Tava brincando na lama ou algo assim?
— Ei, vocês duas! - uma terceira voz.
Stephanie a fitou. Quatro sujeitos trajando placa de peito com o símbolo de Semiramis talhado na direção do coração vinham rapidamente da borda da rua.
— Corre! - a oni, seguido de risada e de disparar na direção contrária a eles.
Quê? A vampira encarou as costas sob tecido negro se afastando, então os guardas a segundos de sua posição. Ah, nós estávamos envolvidas no desabar daquela casa.
— Não se movam, ei! - o soldado de Semiramis.
Stephanie disparou.
— ⚔ —
Pararam a frente de uma igreja. Por que ela correu? Os olhos rubros encaravam a mulher dentro da fonte. Aqueles guardas tinham um fedor de mana mediano. Não eram uma ameaça. Ela esfregava o corpo, submergia e emergia. O roupão estendido na borda de pedra.
Era uma rua circular e uma das janelas da catedral estava aberta e ocupada por um rapaz.
— Venha também garota, banho ao ar livre é revigorante!
De jeito nenhum. Virou o rosto para o lado. A brisa era morna e o calçamento vago nas proximidades, um grupo vinha do norte e outro do leste, mais odores se afastavam com circulação sanguínea ainda lenta do recém despertar, e a janela da direita do septo fora aberta. Essa bêbada idiota não tem vergonha? Logo esse lugar estará cheio. ''...em serviços sexuais?'', Stephanie a fitou. É uma vadia, claro que não tem e... apesar dos peitos pequenos... ela tem um corpo lindo. A vampira encarou o próprio busto. Acho que os meus são um pouco maiores. Um curto sorriso a tomou os lábios. Apalpou o esquerdo, o canto da boca desceu. Talvez não...
— A chefinha é uma figura, não é?
Stephanie fitou a recém chegada de soslaio. Uma elfa negra, íris azul, esguia sob roupas de couro escuro com adagas atadas ao cinto. Ficou tensa. Ela é bonita. E jovem. Provavelmente temos a mesma idade. Não faça nada estranho. Estou fedendo.
— Como tem sido a companhia dela? Além do fato de ser um colírio aos olhos, aposto que já deve ter te dado nos nervos uma meia dúzia de vezes - a elfa e riu. - Mas, em algum nível, em algum canto daquele poço de perversidade, a um fraco por crianças em apuros como você.
Stephanie fitou a exibicionista na fonte, aquela que a provocara com a conversa sobre serem ambas ''monstros horrendos'', que falou sobre matá-la e de como isso seria agradável. De jeito nenhum que ela tem.
— Pirralha, você demorou! - a oni, fitando a elfa negra a esquerda e sendo dez centímetros mais alta que a vampira. - Tenho um trabalho para você!
— ⚔ —
— Hum? Ok, mas aconteceu alguma coisa? Da última vez vocês...
— Jason foi morto.
Silêncio. Estavam na última, a sétima da esquerda, fileira de bancos do septo. Luz entrava pelos vitrais laterais ligeiramente contorcidas em verde, roxo, azul e amarelo. Pessoas ocupavam das quintas as primeiras linhas de assento. Sussurros sobre a oni em um roupão úmido soando. O pastor falava sobre como o Branco era a completude, a união de todas as coisas e que não pode ser compreendido pela mente perene.
— Por qu... - a garota com cabelos negros penteados para trás e presos num rabo de cavalo.
— Pouco importa, Ícaro morrerá e eu irei escrever sobre essa ocasião - a oni. - Algo contra?
— Não, é só... - a íris do demônio encarava a elfa negra. Ela desviou o olhar e soltou o ar pela boca. - Só foi bem inesperado. Mas um trabalho é um trabalho... falando nisso ainda me deve pelo último.
A oni virou o rosto para o outro lado e assobiou por três segundos.
— E o que vai fazer com a bonitinha? - a elfa.
Hum? Stephanie a olhou de canto. De quem ela está falando?
— É uma isca por enquanto, depois... bom, vou deixar a Fearblood com Jurandir, ele deve arranjar um lugar para ela ficar.
Eu. Ruborizou.
— Eu posso ficar com ela.
O demônio riu.
— É seu tipo?
— Definitivamente - girou a vampira à sua direita no banco de pedra fria e alva. - O que acha? Entrar para uma gangue, sair por aí em aventuras, soa bem, não é?
Stephanie olhou para o outro canto. Deu de ombros, rosto avermelhado.
— Viu, ela está de acordo, isso! - a elfa negra.
— Longe de mim me pôr no caminho do romance entre duas jovens... nossa, estou mesmo ficando velha - e riu.
Deixaram o septo.
— Até mais - a elfa negra se despediu.
Stephanie a observou até que sumisse em uma curva à esquerda. Ela era esguia, com um busto e nádegas medianas ligeiramente marcadas pelo tecido. Andava a passos largos e firmes, as mãos com os dedos semidobrados e os polegares tocando seus respectivos indicadores.
— Interessada, pirralha?
Andou na direção contrária e o demônio gargalhou.
— Isso é bom, tem algo que a interessa, nem tudo que o mundo pode lhe oferecer como alívio é a morte. Sorria e encare seu objetivo - a oni, pondo passadas paralelas a dela. - É assim que demônios devem ser. Movendo-se sob a força do desejo e ignorando todo resto. Se quer chorar, chore, se quer rir, ria, e o que mundo torça o nariz ou zombe se assim desejar. No fim só tem a si mesma, saco de piolhos.
Esfregou a cabeça da vampira. Stephanie tensionou o rosto e pôs mais um passo lateral de distância da oni. Não me toque.
— Se quer ir com a outra pirralha, vá. Lute contra mim, me mate e faça o que bem quer. É assim que deve ser, pirralha - o demônio. - Provavelmente morreria se tentasse, mas isso é parte da coisa. Nada importa tanto quanto algo pelo qual morreria, sim? O que deseja mais, o que deseja menos. Escolher adequadamente qual é qual é o mais perto de ser livre que qualquer um pode chegar.
O caminho até o edifício governamental foi recheado com perguntas sobre a jornada de Stephanie até Semiramis.
Merda.
Na entrada para o prédio abriu a boca.
— Preciso avisar da profecia...
— Oh... - a oni piscou, a mão estava na porta, o tronco virara rumo a vampira. - Vamos, ele ainda deve estar aqui.
Atravessaram o batente, passaram pelo caminho entre os sofás e subiram a escadaria. O corredor foi percorrido até a porta antes da primeira rachadura, da parede derrubada a esquerda e da a direita e das lascas caídas do teto por onde uma brisa entrava. A oni empurrou a porta da sala de Jurandir.
— Trazemos uma novidade, imagino que será bastante do seu interesse ouvir.
O licantropo ergueu os olhos do documento a elas.
— Se não for sobre pagamento de consertos ou dos empréstimos que fez, não sei se estou no clima - e suspirou. Gesticulou para que entrassem.
— Ainda teremos essa conversa prometo - adentrando o aposento. - De preferência sem roupas e em uma cama larga após umas boas horas de prazeroso exercício.
— Então parece que nunca verei aquele dinheiro de novo - soltou o ar pela boca.
— Há um ditado que diz para nunca se dizer ''nunca'' - descendo as mãos na madeira da mesa.
— Um ditado otimista, sempre fui mais um pessimista - baixando a folha e ajeitando os óculos.
— Por isso deveria desistir do casamento, é um acordo fadado ao fracasso - sorriu expondo o canino direito.
— Nah, eu estou bem.
Stephanie pairava rigida a esquerda do demônio, os olhos fixos num livro de capa dura marrom na mesa dele. ''Os caminhos ao ouro''.
— Minha pirralha tem algo a te dizer.
Uma veia pulsou na têmpora da vampira. Eu não sou sua. As pálpebras semicerraram. E nem pirralha, sua vadia bêbada.
— No livro... dos reis, tinha uma profecia - a garota.
— Sim, eu sei.
Stephanie paralisou. Quê? Encarou o rosto masculino, com cabeleira castanha e pele em um tom pálido de cobre. Mas...
— Sério? - a oni. - Bom, imaginei mesmo que Ícaro houvesse contado, aquele orelhudo miserável.
— Ele recebeu bem por essa informação. Temos uma divisão destacada para lidar com ela até.
Então por quê eu... por que eu sobrevivi a floresta dos Uivos? Por que não fui morta na estrada de Roma, ou morri de fome no caminho à vila não nomeada ou contra os zumbis de lá? Por que consegui atravessar a floresta Alice? Sobrevivi a criminosos e a quimera? A minha casa?
Por que lutei tanto, me esforcei tanto, engoli tanta dor? Qual a razão para me forçar a me mexer agora? Eu estou cansada. Fui inútil. Ninguém precisava de mim. Eles já sabiam sobre a profecia e já trabalhavam nela.
Lágrimas subiram aos olhos.
Por que meus parentes tiveram que morrer se minha participação nisso não fazia diferença? Mas que merda, eu... os matei, a culpa é minha. Se eu só houvesse... se pelo menos eu... Antony não teria...
Água a desceu o rosto quente.
— Oh, você fez a pobrezinha chorar, que péssimo adulto.
— Hã?! Ah, é, desculpa... não sei bem o que eu disse... mas foi sem querer, hum, eu juro, foi mal... ééé - o licantropo, tom agitado, o tronco esticado a frente e mãos caídas sobre a mesa. Então baixou a cabeça. - Desculpa.
— Sinto pena da pequena Laís por ter um pai assim - e colocou a palma sobre a nuca da vampira, a encarou o rosto. - Pode chorar, sim? O quanto quiser.
Stephanie soluçou. Eu... eu...
— Vem cá - a oni a puxou para si e os braços enrolaram-se nela. - Está tudo bem. Está tudo bem, ok? Tem sido difícil, sim? Mas está tudo bem agora, pode chorar.
Eu quero ir para casa... eu quero ir embora... eu quero meu pai.
A pequena mulher era quente, macia e, subitamente, começou a feder a chocolate. Stephanie a abraçou de volta e chorou.
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