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Capítulo 14.5° - Acelerem a Marcha!


Augustus, elfo - Vinte dias após a queda da Cruz do Primeiro



Estava cansado. As pernas moviam-se sobre terra firme, bambeavam ao pisar em pedras e lançavam-no numa inclinação súbita a frente ao encontrar desníveis. As pálpebras pesavam e a nutrição vinha de poções preparadas por Helena e divididas para cento e treze elfos.

Vegetação e animais nos arredores haviam desaparecido. Se uma daquelas coisas se afastou... ainda tremia sob a perspectiva. Uma praga da gula em meio a um mar de civis. As pessoas começariam a achar que o que fizemos na Cruz do Primeiro foi leve. O corpo pendeu para baixo e esquerda, um frio o subiu a espinha. Um buraco. Soltou o ar pela boca. O sol estava no meio do caminho ao nascer da noite.

— Ele não acordou ainda, parece que perdemos nosso líder militar - Helena, tom frio, olhos no horizonte, nos chapiscos de verde, os primeiros em um dois dias e meio, a provavelmente sete quilômetros deles. - Como vamos lidar com o que está por vir sem aquele monstro? Que vontade de rir.

Os olhos de Augustus foram a esquerda, a Aeolos e Carlixto segurando a maca onde Zéfiro pairava com pele rente aos ossos, olheiras profundas e cadavérica palidez. Mas o peito subia. Meio milímetro, mas sobe.

— Eu... nós...

Fechou os olhos. Houve uma profecia mais fácil ao rei Arthur. O dragão vermelho e o branco, a batalha às bordas do rio das crianças de Avalon e o fantasma de algo a muito perdido que apareceria ao final do conflito. Simples, o dragão vermelho era Arthur e a facção rebelde que o opunha trajava seus símbolos de branco em homenagem a divindade. A filha de Arthur tinha íris prateadas de acordo com alguns relatos. Fácil, ele lutaria contra sua semente. O fantasma, que ficou marcado em lendas como sendo o Lancelot, podia ser um tanto mais trabalhoso de se entender, mas ainda não chegava a vaticinar um grande mau.

Lutar contra a própria criança... ser morto por ela, deixá-la a beira da morte... não consigo dizer que preferiria esse caminho.

— Vamos pensar em algo... - completou. ''A gula devorará um quarto do mundo''. Não um "poderia", não um "talvez"... ''devorará''. Mais um longo arrepio o percorreu.

Heracles teve uma pior. Deu mais um passo. As doze criaturas, o deus estrangeiro, o fim de sua descendência por suas próprias mãos ensandecidas. Ele teve uma muito mais dura.

No lugar dele teria me matado bem mais cedo.

— Como está se sentindo? - Helena para um elfo a direita, Argo, filho da dona da terceira maior produtora de cevada de Sangue Branco. E depois a outro, uma terceira e aquele ali até ter checado todos.

A noite subia quando já pisavam em grama a algumas horas.

— Preparar! - Augustus.

Eles vinham a noite. Fitou os arredores enquanto Gerion fazia o solo sob os pés da tropa élfica subir a sete metros de altura, magos se posicionaram as bordas espaçadas entre si por dois metros e um guerreiro. Atrás os arqueiros, treze, se puseram a postos. Aeolos deitou a maca no centro da coluna.

As sombras consumiam os arredores e o vento soprava ligeiramente frio em um uivo constante. As primeiras esferas azuladas surgiam. O núcleo de mana dessas feras é maior que as de ontem.

As passadas soaram. Quadrúpedes. O arfar animalesco e o som de ossos chacoalhando alcançou os ouvidos. Augustus soltou a respiração que prendera. Não são a praga da gula. Deu um passo rumo a borda. A silhueta das feras eram lupinas e rabiscos da luz noturna eram refletidas em suas cabeças e garras.

Porcaria. Wendigos. São muitos para ser o do tipo inteligente. Cerrou o punho no cabo da espada. Mas quem sabe?

— Iluminem! - ordenou. Chamas foram lançados pelos magos no perímetro. A luz iluminou o corpo de torso magro, peludo e de membros longos, com um crânio exposto de onde dois antebraços com mão pendiam balançando. - Arqueiros acertem!

Eles disparam. Flechas assobiaram ao atravessar ar, cravaram-se em carne e foram repelidas por crânios.

— Magos, fogo - laberadas foram a todas as direções, aumentando o círculo flamejante os cobrindo a base da estrutura elevada. As bestas ganiram, reduziram a velocidade e continuaram em meio ao fogo. - Ataque livre!

São determinados demais para serem naturais. Uma pedra voou do solo ao elfos e foi repelida por Artenisia, que junto a Octavius e Augusta ficaram responsáveis por lidar com detritos aéreos. Também mantinham a fumaça afastada.

— Há trezentos deles, comandante - Artenisia.

Ela tem bons olhos e não cansa de demonstrar capacidades aritméticas. Augustus repetiu a quantidade de inimigos em um tom mais alto. É jovem, estava cursando matemática e pretendia seguir a engenharia. Tirou a espada da bainha e pôs-se entre dois magos. Não devia estar aqui. Cortou a cabeça de um wendigo que subia contra a parede de pedra. Nenhum deles deveria estar nesse inferno.

A maioria das bestas era abatida antes de cruzar o círculo de fogo incandescente. Augustus suava. Fios de fumaça escapavam ao controle do trio destacado a lidar com ela e chegava tênue ao nariz. Venceremos essa noite? Em meia hora os primeiros magos estariam cansados demais. Em uma apenas trinta e três seriam capazes de continuar. E as bestas estão resistindo em média a sete disparos. Se não fosse o fogo estaríamos lutando contra as que já teriam conseguido subir.

Quando o amanhecer chegou, cadáveres rodeavam a plataforma elevada dos elfos, trinta e três pairavam acima dela. Alguns elfos estavam no chão, pálidos e com talas enroladas nos ferimentos. Mas nenhum morto. Augustus sentou sobre tronco de um wendigo morto e largou a espada. Estava sujo com sangue novo. Já não via-se branco em sua armadura ou na roupa sob ela.

— Cansado? - Helena e se sentou no traseiro do monstro. - Não pode, precisa liderar. Quer um remédio?

Baixou as pálpebras.

— Economize. Estou bem.

Uma risada seca a escapou.

— Até a filha do Fearblood poderia matá-lo agora. Alguns desses lobos esquisitos quase o fizeram. Temo que se o tocar o terei caindo duro, vovôzinho.

Riu brevemente.

— Não sou tão velho assim e... - talvez eu devesse deixar a criança de Jaime Fearblood me matar. Cerrou os punhos. - Devíamos esquecer aquela menina.

Os olhos multicolores da elfa o fitaram, um sorriso curto subiu ao rosto.

— E esquecer o livro? Já consigo te ver tentar explicar isso aos velhotes do parlamento. Vão te jogar na fogueira e mandar o próximo adulto de meia idade à caça. Me pergunto se há o bastante desses.

Augustus virou a face a direção oposta a elfa e suspirou. Ela não está errada. Abriu os olhos a palidez dos momentos que precediam o crepusculo do amanhecer.

— Sangue Branco não vai deixá-la viver, ela foi oficialmente acusada de roubar o livro dos reis em cartas enviadas por Zéfiro e nosso parlamento de idosos não vai negar ou permitir que isto seja retirado. Só acaba quando a criminosa, por mais inocente que seja, for morta e o livro recuperado.

Sim, eu sei.

— Isso não termina com a garota viva. Eu não gosto disso também, mas é como é - Helena.

Sim, eu sei.

— Contanto que salvemos o continente, o que importa um vampiro a mais ou menos na nossa conta? - a elfa. - Se há um inferno, já preenchemos os requisitos para queimar nele com bastante sobra.

Segurou o antebraço de Augustus.

— Fique firme, faça valer a pena e que seus filhos possam andar de cabeça erguida como a descendência de um héroi.

O elfo não encarou, não moveu-se e o silêncio pairou por sete segundos.

Augustus assentiu positivamente. Sinto muito, menina e Jaime Fearblood.

Partiram após quatro horas de sono revezado. Semiramis estava a três dias dali.

— Acelerem a marcha! - ordenou, um "sim" sonoro ecoou em resposta junto a pesadas passadas. 

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