Capítulo 1° - Rápido demais
Stephanie Fearblood, vampira
Tudo aconteceu rápido demais.
Jaime Fearblood deixou o castelo trajando uma armadura alva duas horas depois que o sol nasceu.
— Volto logo - disse quando passou por ela no pátio semi-circular. Ficava a céu aberto, cercado por colunas e com quatro bonecos de couro marrons e marcados por golpes.
— Certo - respondeu, do chão, fazia flexões. Braços, peitoral e barriga queimando. Suor escorria do rosto e torso ao piso.
Depois levantou, ele há muito ido.
Correu, fez abdominais, moveu a espada. Deu aos soldados de couro novos hematomas com uma lâmina sem fio. O exercício matinal terminou em quatro horas. Respiração regular, fios de cabelo colados a face. Estava pronta para aumentar a carga há duas semanas.
— Conserve parte da energia para os estudos - seu pai dissera, então permaneceu sem alterá-la.
Flores.
Nos jarros a esquerda e direita do armeiro ao fundo e as costas dos bonecos. Próximas as colunas dos corredores do pátio. Rosas, lilases e sombras noturnas.
Virou. Largou a arma de torneios no chão. Banheiro, lavar-se. Trocar a camisa azul puída, o short desgastado e as roupas íntimas.
O fez como viera fazendo há cinco anos.
Depois de trocar-se para trajes vermelhos andou. Pelos corredores à cozinha, então uma garrafa de sangue congelado que aqueceu e bebeu.
Depois aos degraus da torre.
O castelo do lorde da Cruz do Primeiro possuía quatro. Uma de pé ao norte com vista para a muralha, outra erguida no sul à feira principal. Da do leste olhava-se de cima a praça de Faustos. No Oeste, aguardando a partida do sol e austero diante da guilda de aventureiros, uma última.
Encontrou o aposento de uma delas.
A norte. Onde armários de madeira rosa e rabiscada com simplórias silhuetas de raposas cobriam metade da sala. Sobre elas, e dentro das gavetas, livros, jornais e mapas. Eram móveis posicionados em linhas verticais do meio, e treze passos à frente da entrada, até a extremidade direita, a cada três eram espaçadas pela distância de duas.
No outro lado, próximo a janela da torre, do aposento, uma mesa de ferro clara adornada com vinhas de metal pretas em cima e escarlates na estrutura abaixo. Livros e um suporte para pedra de mana, item substituto para a iluminação de velas, a ocupavam, além de ser acompanhada por uma poltrona.
Stephanie entregou mais um manuscrito à mesa clara. Capa branca, bordas douradas, gema alva no centro. O encarou ali. Tirou-o dali.
Pesado, famoso e assustador. Livro dos reis, portador de profecias e arauto do caos, ele não deveria estar na Cruz do Primeiro.
Das seis grandes metrópoles, as nortenhas eram Sangue Branco dos elfos, Musashi dos humanos, Torre de Ivan dos anões, e a dela, Cruz do Primeiro dos vampiros. Semiramis vinha abaixo dotada de licantropos e mestiços sem fim, mais ao inferior do mapa ainda a Bélica com onis e seus pequenos chifres e portes robustos.
Aquele livro pertencia às terras élficas. Ao Grande Templo onde eles cultuavam o deus Branco, onde tomavam suas decisões governamentais e realizavam cerimônias de condecoração. Era considerado a caixa de mensagens da divindade que cultuavam e previra com êxito a aparição de doze eventos com potencial apocalíptico.
Stephanie Fearblood o abriu na janela.
Falso? A coisa real... significava roubo e guerra. O revirou. Papel tocado por letras de um preto intenso, como se fresco. Deslizou os dedos sobre. Só o odor e aparência. Estava seca.
Era vazio a partir da décima quarta página. As íris passearam pelas letras da que antecedia o vácuo. ''...às mãos de vivos, a queda das espadas virá'' as últimas palavras. Se real, é artefato religioso de extrema estima. De outro povo.
Se real, o ligeiro e péssimo poema na décima terceira página... promessa, profecia. Releu, divagou e devaneou.
Fiapo cinza. O odor veio, entrou janela e narinas a dentro e tirou o rubro do olhar dela das páginas agourentas.
Cortando rumo ao céu a treze quilômetros de distância... chamas. Carmesim e laranja e cinza e negro subindo em uma dança agitada aos céus.
Tum-tum-tum-tumtututum. O coração. Pele empalidecendo, dedos fechando na pedra do batente da janela e fios de repentino e inexplicável terror se esgueirando base da coluna acima e abaixo.
Queimava além da muralha cercando a cidade.
O réquiem da cidade vampira começou com um primeiro grito e o primeiro impacto de alguém contra o chão. Pioneiro choro de criança. E segundos, quartos e décimos. Embaixo, nas vias ao lado da parede do jardim do castelo.
Arrepio. Frio. Podia sentir-se prestes a adicionar alguns décimos primeiros a melodia. Do fundo dos ossos à superfície da pele, seu corpo gritou ''fuja''.
Fechou os olhos por um momento. Fechou o livro, o artefato religioso, o rabiscado com promessas perversas por algum deus.
''O grande mau se ergue'' no texto da décima terceira página. Atravessou a mão pela abertura da torre. O punho cerrou-se e pálpebras desceram com vigor. Quis o chão. Quis a cama. Quis chorar.
Partiu.
Escadas da torre abaixo, o livro sob o braço.
Os blocos negros, e os vermelhos entre estes, em um flash espiral. As janelas como quadros do fogo além das muralhas, retratos em movimento da próspera cidade composta majoritariamente por vampiros e mestiços destes. Casas largas, com varandas e sem lascas na pintura, marrons, brancas e carmesins, canteiros tomados por árvores e flores, lado a lado e a frente de ruas calçadas por pedras de um tom vermelho pálido. Pisado por pés agitados, acertados por bundas e sufocados sob baques de corpos.
Stephanie Fearblood percorria cinco degraus torre a baixo de cada vez. O suor frio se misturando ao quente. A respiração ruidosa quase abafando o som do coração, ''Tum-tum-tum'' numa pancada oca.
''Fuja''.
Vampira, dezesseis anos, filha e única herdeira do lorde da Cruz do Primeiro. Tremendo acima das escadas. Rubras íris, cabelos amarelos e orelhas levemente pontudas. Vampira. Dentes pressionando-se, pálpebras semicerrando sobre olhos úmidos. Tinha caninos afiados e era movida a sangue. A camisa vermelha de mangas curtas, e cordões dourados fechando o tênue decote abaixo do pescoço, tremulava sob o vento.
Entre as coisas que eram ditas a Stephanie a sentença que menos dera atenção foi: ''sempre que eu sair, uma barreira manterá você incapaz de deixar o castelo, assim como outros de entrar. Se ela sumir sem que eu tenha voltado, assuma que morri''.
As sandálias de couro marrom pararam de frente à entrada do armazém de armas, no pátio semi-circular de onde seu pai saíra mais cedo.
Odor doce das flores suprimia o de suor.
Os lábios tremeram, dedos apertando a capa dura do livro. A barriga afundava para dentro com vigor. Doía. Amargo. Amargo em demasia.
As portas duplas de aço escuro abriram sob o impacto do seu pé. Jaime Fearblood, pai dela, morreu? ́ ́Assuma que morri''. Quando ainda estava no topo da torre, o livro apoiado na borda da estrutura retangular com topo oval da janela, esticara a mão para fora.
Nada impediu-a.
''Assuma que morri''.
Calor de regurgito subiu do estômago até o pescoço, o tronco foi para frente num espasmo e mão tapou a boca. Livre-me das entranhas, do sangue, do coração. Quase podia ouvir o corpo pedir. Dos ossos, dos órgãos, dos músculos.
''Estão impregnados com terror, não os quero'' quase que em palavras.
Atravessou o piso de obsidiana marcado por veios escarlates do armeiro. Lágrimas borrando a imagem das bancadas, sete. Largas e dispostas em duas fileiras. Elevações de rocha preta dotadas de uma cruz escarlate na frente. Ocupadas por espadas, machados, adagas, escudos e mais.
''Treinar exaustivamente o corpo, ler bastante e comer bem'' repetira esse mantra durante cinco anos. Era péssima socializando. A voz afinava sem sua permissão, palavras saiam entrecortadas ou recusavam-se a surgir. Não havia nada que soasse certo dizer, não havia resposta que não a deixasse ansiosa.
Focou em força. Se fosse forte como os heróis dos livros, gostariam dela.
Jaime Fearblood não era de muitas palavras. Ainda menos amigos. Suas tentativas de achar companhias a ela poucas vezes terminaram diferente de crianças chamando sua filha de assustadora, louca ou com risadas sobre suas falas trêmulas e olhos que evitavam o olhar do outro. Havia entregado ao pai períodos de silêncio por isso.
Ele era eficiente em qualquer outro assunto em que fosse posto a cargo. Então... talvez eu só seja um caso perdido. Piscou longa e vigorosamente, matou as lágrimas. Chegou a armadura no canto direito do armeiro. Colocá-la, se afastar dali e correr para longe.
E Jaime Fearblood estava morto... a única pessoa que tinha consigo.
Água deslizou dos olhos às bochechas e ao queixo.
A armadura, a dianteira da vampira, possuía o mesmo branco da lua e todos os pedaços estavam delineados por um traço azul tênue. Fora feita por Semiramis que pôs o fim numa guerra envolvendo cinco das seis raças sencientes. Três séculos atrás, unindo-os contra os dragões. Stephanie deslizou os dedos da mão livre, velozmente, sobre a superfície alva, injetando energia mágica, ''mana''. Pequenos círculos azulados surgiram um após o outro no aço, a armadura tornou-se uma miríade de minúsculas partículas que dançaram ao redor da vampira antes de sumir.
Bastaria se esforçar um pouco e estaria a trajando.
Com o nariz parcialmente entupido voltou a correr sobre o assoalho escuro e maculado por um frio incomum do arsenal, rumou até uma espada pendurada em dois ganchos. A agarrou antes de sair do armeiro. Deixou-o com as portas escancaradas. Ajeitava o cinto de couro da bainha, que raspava no chão e logo nas paredes de bordas douradas do corredor, enquanto prosseguia.
Sem parar. As pernas eram água. Se não estivessem em movimento, estaria esparramada no chão. Chorando, chamando por seu pai. Os músculos de Stephanie tensionaram com maior vigor sob essa imagem. Asco.
Na cozinha pegou uma mochila, que levava ao cômodo para devanear uma preparação de aventura quando animada por um livro, e uma garrafa de sangue congelado. Quase a derrubou. Ajeitou o alimento e o livro dentro dela.
Saiu do castelo pela passagem sul. Terror e sangue nas veias.
Rua, casas com magras colunas de madeira na parede e posicionadas de modo a lembrar silhuetas de árvores e cruzes. Passou correndo, mochila a subir e descer nas costas, o recipiente de couro da espada acertando-lhe a coxa. Acompanhada. Pessoas e seu escarcéu de passos, gritos e choros. Compartilhavam do medo trazido pelo vento como uma doença. Baques de indivíduos contra o chão, cinco quando terminava de cruzar a segunda rua. Dez na terceira. A turba dirigia-se na direção contrária à muralha, menos numerosa a cada metro.
Então o mundo balançou. Calor e ruído estridente. E queda. Uma casa explodiu em um escarcéu de vermelho, laranja e cinza. Empurrando a turba, lançando-os contra casas do outro lado da rua, pondo Stephanie a deslizar sobre o assoalho. A íris moveu-se na direção daquilo. Sob a fumaça no local de impacto, um enorme bloco de pedra. Nos céus, pintando-o com uma chuva de falsos cometas com caudas de fogo, mais deles.
Empurrou o velho que voara sobre si, voltando a correr sob o som do despencar em pedra dele, do ganido animalesco de dor que soltou. Pulou sobre uma mulher caída, desviou de meia dúzia que se punham a levantar. Olhar rígido a frente, mas fitou, pondo o rosto a pender para o lado, aquilo a sua retaguarda. Aqueles que estiveram mais próximos da explosão... queimados, esburacados, com vigas atravessadas no peito e... baixou as pálpebras, ergueu, manteve passadas a ecoarem no calçamento.
Os meteoros eram pedaços das rochas lapidadas e empilhadas metodicamente que cercavam a metrópole dos vampiros, a muralha arquitetada pelo filho de Judas dois anos após este adoecer. Até cair no agora. Pés calçados sobre baratas. Juízo final sobre cidadãos e construções.
Tremeu, barriga girou e dedos extras de palidez ameaçaram manchar-lhe o tom da face. Fechou os olhos. Forte e brevemente. Os edifícios delineavam as vias que seguiam até o portão oeste. Casas vermelhas, brancas e marrons. Não observe nada mais.
Corria.
Mas olhara para trás, três outras curtas e breves vezes. Após ruas, praças e pedidos de ajuda. Rumo aos homens montados em cavalos, feras e a pé, irrompendo cidade adentro. Um rápido vislumbre do metal, da magia azulada, vermelha e branca cortando, mutilando e espremendo pessoas pelas quais passavam. Avançando.
Pensou, por mais perturbada que isso a fizesse, sobre o diminuir da distância dos invasores e si e de si e a morte.
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