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Abaixei o arco, a flecha ainda entre meus dedos calejados, enquanto minha atenção se fixava na figura diante de mim. Algo desconhecido borbulhava dentro de mim, uma sensação nova. Pelo menos aquela criança tinha coragem, apesar de sua postura desajeitada.
— E-eu... quero o sa-saco de moedas... — Ela gaguejou, os olhos fixos no chão, o material trêmulo em suas pequenas mãos.
O arco que segurava era rudimentar, mais um pedaço improvisado da floresta do que uma verdadeira arma. A lâmina parecia mais uma pedra lascada, inútil, sem qualquer ameaça real. A garotinha, com bochechas rosadas e um semblante assustado, era semelhante ao menino atrás de mim — ambos com a mesma pele e os mesmos traços delicados. O cabelo castanho escuro caía bagunçado sobre seu rosto, e seus olhos, misturados com o dourado do mel e o profundo do chocolate, refletiam a mesma expressão de choque e medo que seu irmão.
Mas sua aparência delicada não era o que chamava minha atenção, não quando as palavras que saíam de sua boca eram tolas e impensadas.
— O que disse? — minha voz saiu lenta, quase um sussurro calculado.
A garotinha engoliu em seco e olhou por cima do meu ombro, fixando os olhos no irmão ainda paralisado diante do sangue, tão imóvel quanto o corpo dos homens caídos na neve. Ela respirou fundo e, ao notar a incerteza dele, voltou a atenção para mim.
— Eu disse. — A jovem deu um passo hesitante para frente, a voz mais firme agora, embora o tremor ainda fosse claro. — Que eu quero... o saco de moedas.
Minha cabeça se balançou lentamente enquanto uma gargalhada oscilante escapava de meus lábios, perversa e divertida. No entanto, antes que pudesse continuar, senti um peso considerável em minhas costas. A dor em minha perna estalou, fazendo-a falhar e dobrar, e braços curtos se agarraram ao meu pescoço. Pequenas pernas chutavam qualquer parte livre de meu corpo. Grunhi como uma fera enfurecida quando percebi mãos pequenas tentando alcançar meu cinto. Me balancei o suficiente para fazer o garoto chutar sua própria irmã.
Com um movimento rápido, levantei os braços e agarrei o casaco em farrapos do garoto, puxando-o como se fosse um carrapato nojento. Lançando seu corpo atrevido por cima de minha cabeça, ele caiu pesadamente na neve. Deimos relinchou alto ao se aproximar da jovem valente, levantando as patas traseiras. Em segundos, ela estava com o rosto afundado no chão, e sua arma, aquela que tentara usar para me roubar, estava quebrada e espalhada pela neve.
Meu rosto se contorceu em uma careta de dor quando reformulei minha postura, sentindo o lado esquerdo das costelas queimando. A dor do meu quadril irradiava por todo o meu corpo.
— Vocês... Malditas pestinhas do inferno! — grunhi com raiva. — Tentaram me roubar.
O garoto arregalou os olhos, se ajoelhando e apontando para sua irmã com um gesto desesperado.
— A ideia foi dela! — Gritou com sua voz aguda e trêmula. — Não me mate, por favor!
— Não pretendo matar você... — Murmurei, a carranca ainda no rosto.
Ele suspirou aliviado, limpando a testa com a mão, como se o suor que corria ali fosse real. O olhar dele se voltou para sua irmã, que ainda se encontrava deitada no chão, agora com as costas voltadas para o céu. O fôlego dela estava preso, e Deimos, com certeza, a machucara. Um coice daquele cavalo imenso em uma criança... balancei a cabeça, espantando o pensamento. A garota havia tentado me roubar, e apesar de tudo o que fiz para ajudá-los, ela ainda insistiu.
Mas, ao olhar o semblante apagado dela, vi algo que me parecia familiar; fome, tristeza, e uma sensação de decepção. Uma lembrança de algo que conhecia bem.
— Demônios com rosto de anjos — murmurei, aproximando-me de Deimos.
Puxei da bolsa de viagem o que restava da carne seca que preparei para o caminho, sabendo que seria difícil encontrar mais alimento mais adiante na floresta, ainda mais com o inverno tão rigoroso. Peguei também o cantil de água e duas maçãs, que Deimos não iria querer, dado que ele se interessava mais pela grama que surgia por entre a neve.
Me controlando para não estapear as crianças e evitar mancar, fui até o garoto. Ele me olhou com um brilho de culpa, e eu não alterei a expressão. Entreguei-lhe a comida e ele abaixou os olhos para o chão, envergonhado. Joguei a mesma quantidade ao lado da menina, a garota que ainda não se mexia, o olhar perdido para o céu. No fundo, me sentia mal por não ter mais a oferecer, mas sabia que, se pegasse mais do que aquilo, eu passaria fome também.
Ambos começaram a comer a carne seca com fervor. Eu fiquei em pé, segurando o cantil, e o estendi para a menina. Ela o pegou com um aceno tímido.
— Por que? — Perguntei, minha voz mais baixa.
Ela passou o cantil para o irmão e se virou, encarando-me com os olhos.
— Estávamos com fome — sussurrou, limpando o canto dos lábios.
— E por isso tiveram a brilhante ideia de se aproximar de homens bêbados e loucos? — Perguntei, minha raiva transparecendo.
O garoto olhou para a irmã, os olhos arregalados de medo.
— Tínhamos tudo sob controle.
Assenti lentamente, meus olhos atentos como os de um predador que sabia farejar mentiras, mas naquele momento, eu realmente não percebia nada demais. Talvez fosse o cansaço, ou talvez, apenas a frieza do que havia se passado.
— Qual é o nome de vocês? — Perguntei, tentando desviar o olhar para algo mais simples.
— Gregory — o menino respondeu rápido.
— Sou Greta — a menina disse, parecendo não ter opções. Ela hesitou por um momento e depois perguntou: — E o seu?
Virei as costas, indo até Deimos, sem dar uma resposta. Peguei mais um pouco do que havia preparado para a viagem. Eu sabia que poderia sobreviver algum tempo com fome, mas aquelas crianças talvez não.
— Não importa. — Respondi secamente, entregando mais comida para ambos. — Fiquem com isso. Espero que seja o suficiente para não se meterem em mais confusão.
Não dei oportunidade para resposta. Sem mais palavras, montei nas costas de Deimos e me preparei para partir. Mas antes de ir, uma rajada de vento cortante atravessou as frestas de minha capa. Olhei para as crianças. Elas estavam apenas com roupas de inverno, e a visão delas, frágeis e mal protegidas, me fez franzir os lábios.
Retirei minha capa e a entreguei a Greta, sem hesitar.
— Se cuidem — disse, a voz mais suave que o normal.
Ela acenou timidamente, e eu então parti, sentindo o peso da decisão nos meus ombros. Não esperava vê-los novamente. Não queria vê-los.
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Gostaria de convidá-los a ler minha história original que estou publicando aos poucos aqui na plataforma wattpad, significaria muito para mim que a obra O Amuleto de Neva pudesse receber o mesmo amor das minhas outras fanfics. Obrigada !
𝗰ontınuα...
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