𝐎𝟗 ; 𝗰αpítulo 𝗻ove
Como previsto, logo estava sendo feito. Eu me preparava para partir.
Sentada na cama, meus dedos encontraram a cicatriz avermelhada e retorcida, que se estendia da costela até metade da coxa. Olhei para ela, tocando a pele marcada, e não pude evitar pensar na cicatriz daquela mercenária. Nunca imaginei que teria algo semelhante. Mas agora, ali estava eu, com aquela marca horrenda, fruto da falsa cura da besta. Talvez, antes, o machucado tivesse ficado com apenas as marcas das mordidas, mas agora, eu carregava algo permanente. As veias negras serpenteavam pelo meu corpo, como raízes de uma árvore macabra, arranhando minha costela e se abraçando ao redor do quadril, descendo até minha coxa. Respirei fundo ao sentir uma pontada de dor. Era doloroso, mas suportável, uma lembrança constante do que eu havia enfrentado, do que ainda enfrentaria.
Sentada, passei a camiseta branca por minha cabeça, sentindo o tecido macio deslizar sobre minha pele. Em seguida, subi a calça e prendi o cinto apertado ao redor da cintura, ajustando-o com cuidado. Puxei o casaco, envolvendo meu corpo com seu peso e aconchego, e logo calcei as botas robustas, sentindo o couro firme contra minha pele. Aquela era a melhor roupa que já tive, a riqueza que tocava cada ponto da costura e cada fibra do tecido. Flexível e maleável, permitindo-me mover com liberdade, mas quente e resistente o suficiente para enfrentar a dureza da floresta. Era a armadura que me preparava para o que estava por vir, e, de algum modo, me fazia sentir mais próxima de quem eu era, de quem eu tinha sido.
Levantei-me com esforço, sentindo a solidez do chão sob meus pés, o ar entrando nos pulmões como uma promessa de movimento. Uma semana havia se passado desde minha recuperação, e embora o médico tivesse me guiado com exercícios, sabia que minha perna ainda seria incerta, vacilante. Mas a decisão estava tomada, e eu finalmente podia partir, seguir em direção à muralha.
Abri a porta, sentindo o ar fresco me envolver, e ao olhar para o que se estendia diante de mim, percebi o quão grandiosa era nossa nova casa. Cada detalhe refletia a mudança que havíamos experimentado. Caminhei pelo piso polido. Eu me esforçava para não mancar tanto, mas o peso da caminhada ainda me desafiava. Desci as escadas lentamente, degrau por degrau, meu corpo ainda vacilante, e segurei o corrimão com a mesma intensidade que seguraria a própria vida.
Nestha e Elain me aguardavam na sala principal, ambas paradas ao pé da escada. Elain me olhou com um sorriso tão doce e iluminado que, por um momento, me perdi nos pensamentos das razões que sempre me levavam a caçar; era por ela, por Feyre, por Nestha. Esses sorrisos, embora raramente direcionados a mim, eram os motivos que me impulsionavam, a força que me fazia seguir em frente.
— É tão bom ver você andando — disse Elain, seus olhos cheios de alívio. — Foi horrível vê-la tão pálida e debilitada na cama.
— Sinto muito pelo infortúnio — respondi, esboçando um sorriso. — Mas como pode ver, nada facilmente me derruba.
Ela assentiu, um brilho de aprovação no olhar, pronta para falar mais, mas foi interrompida por Nestha.
— Podemos conversar? — perguntou ela, sua voz mais suave, mas carregada de uma intensidade que imediatamente chamou minha atenção.
Desviei os olhos de Elain, que em poucos minutos estava ao meu lado, e voltei a encarar Nestha. Algo nos seus olhos parecia diferente, mais frio e distante, uma mensagem não dita, um segredo que ela não conseguia compartilhar. Eu queria entender.
— Claro, Nestha — respondi, minha voz calma.
Sem se incomodar com a situação, Elain se retirou da sala. Caminhei ao lado de Nestha pelo corredor da casa, ambas compartilhando uma postura quieta e orgulhosa. Era uma sensação de semelhança, mas também de diferenças sutis, que nos definia, embora de maneiras distintas. Quando ela abriu a porta do escritório, eu esperava encontrar Vittório lá, mas a sala estava vazia, assim como havia acontecido nos dias em que estive desacordada.
— Onde ele está? — Perguntei, observando o ambiente em busca de alguma pista.
— Encontraram os quatro navios. Ele foi em busca deles para verificar as riquezas que ainda devem ter. — A resposta de Nestha foi direta, sem rodeios.
Assenti, sem dizer nada, e parei em frente à mesa longa de madeira escura. Fiquei esperando que ela se sentasse na cadeira grande e imponente que normalmente seria ocupada por Vittório, mas ela não fez isso. Em vez disso, ela parou ao meu lado e retirou algo embrulhado de uma gaveta.
— O que é isso? — Perguntei, curiosa, ao ver que ela me entregava o pacote.
— Apenas veja. — A resposta de Nestha foi simples. — Algo que lhe foi tirado.
Sem hesitar, comecei a desatar o cordão que envolvia o pano, revelando o objeto escondido. A primeira coisa que percebi foi o brilho metálico, coberto por intrincadas linhas de ouro. O cabo estava adornado com pedras vermelhas, e assim que a lâmina cortou o ar, senti um arrepio. Ela estava tão afiada quanto eu lembrava, como se o tempo não tivesse passado.
— Como conseguiu isso? — Minha voz saiu baixa, quase um sussurro, e tremia com a emoção.
— O ferreiro a comprou. — Nestha deu de ombros, a expressão impassível. — Ele me vendeu por um bom preço, agora que tinha ouro suficiente para pagar.
O peso das palavras dela caiu sobre mim, misturado com a surpresa e a gratidão que cresciam em meu peito. Eu tinha minha lâmina de volta, algo que pensava ter perdido para sempre.
A espada parecia intocada, sem marcas de uso ou de desgaste. Frederick, o ferreiro da aldeia, me conhecia bem — afinal, foi ele quem forjou essa lâmina para mim. O velho realmente a guardou... Guardou meu tesouro esperando por mim, para quando eu me reerguesse. A sensação de ver a espada novamente me preencheu de uma emoção profunda, algo que eu não conseguia articular em palavras.
Olhei para Nestha, sentindo uma onda de gratidão e alívio, e quis esmagá-la em um abraço. Mas, ao me aproximar, fui recebida com um afastamento bruto. Ela disfarçou os olhos arregalados e a respiração arfante, tentando manter o controle sobre o que quer que estivesse sentindo. Eu a observava, confusa, mas sabia que havia algo ali, algo que ela não queria revelar.
— O que foi? — Perguntei suave, tentando não pressionar, mesmo que algo gritasse dentro de mim. Resolva isso, uma voz dizia.
— Nada demais. — Nestha se afastou, alisando o vestido como se procurasse apagar qualquer vestígio de impurezas, tentando preservar a perfeição do tecido.
Engoli em seco, observando sua postura e apertando a espada com mais força. Havia algo ali, algo que ela não queria revelar, mas que eu sabia estar prestes a explodir.
— Apenas me confirme se é o que estou pensando. — Inclinei a cabeça, os olhos fixos nos dela. — As palavras certas não precisam sair da sua boca, nada precisa ser dito, apenas confirme minhas suspeitas, Nestha.
Seus olhos azuis acinzentados se fecharam, e eu vi a dor se formando ali, uma mágoa profunda que ela não queria admitir. Quando os abriu novamente, percebi que estava diante de um reflexo de mim mesma, de anos atrás — a raiva, o vazio, a sensação de impotência. E então ela disse, com dor, com ira, e vazia por admitir:
— Você tinha razão.
As palavras, que ecoaram em minha mente, vieram com uma intensidade brutal. "Você será a esposa submissa, a boazinha que ele vai dobrar até se tornar só um objeto para ele. Todas as noites, ele voltará para casa e seu único serviço será... ser usada por ele."
A dor se instalou, como uma lâmina afiada cortando, e a verdade de suas palavras pesava mais do que eu queria admitir. Me afastei, os passos lentos como se a gravidade me puxasse para trás, me segurando no lugar.
— Não sei quando volto. — A voz saiu baixa, quase irreconhecível, como se cada palavra tivesse sido arrancada de mim. — E nem sei se voltarei. Então, não espere por mim.
A porta se fechou atrás de mim, mas o vazio de tudo o que deixei para trás ficou, pesado e insuportável.
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Três batidas ecoaram na madeira, mas não foram suficientes. Meu aborrecimento crescia com o frio cortante enquanto eu esmurrava a porta mais uma vez, puxando o capuz para cobrir o rosto gelado. Levantei a mão para bater de novo, mas parei ao ouvir passos apressados do outro lado.
— Já vou! Já vou! Esses senhores nunca têm paciência! — uma voz grave resmungou, abafada pela porta.
Quando a madeira rangeu e a porta finalmente se abriu, ergui o rosto e encarei o único homem nessa vila decadente capaz de vender cavalos decentes. Animais potentes, de raças nobres. Ele tinha tanto dinheiro acumulado que podia viver sem preocupações, mesmo em um lugar miserável como aquele.
— Preciso de um cavalo — declarei, seca, sem rodeios.
O homem, de olhos sagazes e sorriso carregado de soberba, assentiu de imediato. Eu podia ver o brilho de ambição nos olhos dele, a excitação de ganhar mais moedas, mesmo que fosse desnecessário. Ele ajeitou o casaco pesado ao redor de si e saiu, gesticulando animado enquanto falava incessantemente sobre suas preciosas novas raças.
— Ah, tenho um puro-sangue que acabou de atingir a idade certa, excelente para longas viagens. Ou talvez prefira algo mais ágil, ideal para uma dama em passeios elegantes... — continuava, os elogios desfiando como uma ladainha.
Eu o segui em silêncio, ignorando o falatório desnecessário. Tudo o que importava era conseguir o cavalo e partir.
Ele me levou para a parte de trás da casa, onde ficava um estábulo feito para proteger os animais do frio cortante. Assim que entrei, percebi que aqueles cavalos eram tratados melhor do que eu jamais fora. O cheiro de feno fresco e couro limpo impregnava o ar, e os animais relinchavam baixinho, bem alimentados e perfeitamente cuidados.
— Esta é Penélope — anunciou o homem com um tom orgulhoso, parando em frente a uma das baias. Ele sorriu, como se tivesse acabado de me apresentar uma joia rara. — É tão mansa que tenho certeza de que a senhorita não terá problemas em seus passeios.
Meus olhos caíram sobre o animal. Não era especialmente alto, nem robusto, mas seus olhos pretos brilhavam com um brilho calmo, e o pelo cinzento reluzia como prata polida. A crina branca estava habilidosamente trançada, uma clara demonstração do cuidado que recebia. Enquanto mordiscava o feno, parecia tranquila, quase indiferente à minha presença.
Deveria ser o suficiente...
Um som bruto cortou o ar, o relinchar feroz de um cavalo seguido pelo estrondo de um casco contra a madeira. Meu olhar foi imediatamente atraído para a origem do barulho, uma baia afastada, maior que as outras, como se tivesse sido feita para conter algo que não podia ser domado.
No fundo daquela baia, um cavalo solitário se agitava, sua presença preenchendo o espaço com uma aura quase ameaçadora. De onde eu estava, a pelagem escura parecia absorver a luz, um contraste com a crina completamente branca que descia em ondas caóticas e incomuns. Seus olhos, apesar de castanhos, pareciam brilhar em um vermelho profundo, hipnotizantes e intensos.
Sem pensar, me aproximei. Cada passo revelava mais detalhes da criatura: o porte gigantesco, os músculos definidos que se moviam sob a pele lustrosa, a força palpável que emanava dele. Era tão imponente que, mesmo em pé, minha cabeça não chegava perto do nível da sua. Fiquei ali, imóvel, sentindo a respiração pesada do animal, como se estivesse diante de uma força da natureza.
— Quem é esse? — perguntei, meus olhos fixos no cavalo que parecia me observar com a mesma intensidade, quase desafiando-me a me aproximar.
O homem hesitou, seus ombros encolhendo ao perceber meu interesse na montaria colossal e selvagem.
— Ele é arredio, muito selvagem. — A voz dele carregava frustração e temor. — Infelizmente, não está à venda.
As palavras dele não me dissuadiram. Dei um passo à frente, ignorando qualquer ideia de segurança. A criatura me acompanhava com olhos escurecidos, cada movimento meu parecia gravado em sua mente, cada respiração minha era seguida com atenção, como se esperasse algo.
Levantei minha mão esquerda, a palma voltada para baixo e os dedos relaxados, um gesto de aproximação cuidadosa. Cruzei o limite da baia sem me importar com as advertências. Minha mão parou a poucos centímetros do portão, mas meu braço avançou mais um pouco, ultrapassando a barreira.
— Por que ele é tão diferente dos outros? — Minha voz era baixa, quase um sussurro. Eu não tirava os olhos dele.
O homem pareceu se encolher ainda mais, o desconforto evidente em cada gesto. Ele roeu uma unha antes de responder.
— Ele... Ele foi o resultado de uma experiência. — Sua voz falhou momentaneamente. — Misturaram duas raças diferentes. O parto foi complicado, quase impossível, e ele nasceu muito maior do que esperavam. Pelo tamanho e temperamento, não são muitos os que se arriscaram a se aproximar... e saíram com a mão inteira.
Havia agonia em suas palavras, mas também uma sombra de respeito, talvez até medo. Não o culpei.
Ergui o queixo, fechando levemente os olhos para encarar o orgulho daquele cavalo. Não havia pressa em meus movimentos, apenas uma calma calculada enquanto nossos olhares permaneciam fixos, estudando um ao outro. Minutos pareceram se arrastar enquanto eu permanecia ali, imóvel, quase desafiando-o. Algo nos olhos dele parecia ecoar dentro de mim, um reconhecimento mútuo. Eu quero esse.
Como se pudesse ouvir meus pensamentos, ele relinchou, batendo os cascos no chão com força, sua energia vibrando pelo ambiente. Não me afastei. Não baixei minha mão, nem desviei o olhar. Sua cabeça poderosa balançou antes de, finalmente, dar um passo em minha direção.
O ar quente de suas narinas tocou meus dedos frios e calejados, como se estivesse me testando uma última vez. Eu sabia que o vendedor logo tentaria intervir, tomado pelo medo de que o animal pudesse causar algum dano. Mas não dei espaço para dúvidas. Este seria meu cavalo.
Outro passo, e a distância entre nós desapareceu. Minha mão tocou por completo seu rosto, o polegar deslizando pela pelagem escura, quente e macia. Como se reconhecesse algo em mim, ele fechou os olhos e avançou ainda mais, até que sua cabeça emergisse para fora do portão, ficando a apenas centímetros dos meus olhos.
Com a mão livre, peguei as moedas de ouro no bolso, estendendo-as ao vendedor sem desviar meu olhar do cavalo.
— Ele tem um nome? — perguntei.
— Não. — A resposta veio sem entusiasmo, enquanto ele inspecionava o pagamento. — Nunca achei que precisaria de um.
Assenti, voltando minha atenção completamente para o animal. Seus olhos estavam abertos agora, cravados nos meus, tão intensos quanto antes.
— Deimos — murmurei, o nome fluindo de meus lábios como se já tivesse sido dele desde sempre.
Abri o trinco da baia, movendo-me com cuidado. Encostei minha testa em seu focinho poderoso, sentindo o calor da respiração dele contra minha pele. Naquele momento, algo se firmou. Uma criatura viva, poderosa, que parecia capaz de abraçar a escuridão, de se alimentar dela, como se fosse parte de seu ser. Ele dependia de mim, mas, ao contrário de outras, não adicionava um peso às minhas costas.
— Você é meu — declarei, com firmeza e uma estranha ternura. Ele não se afastou, não demonstrou resistência, apenas permaneceu ali, como se aceitasse. — Meu, de agora até que a escuridão nos reivindique.
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Ignorei os ruídos abafados e entrecortados que escapavam de sua boca, focada em finalizar o trabalho. A corda deslizou entre meus dedos, áspera e firme, enquanto eu a amarrava ao redor de seus tornozelos. Ele grunhiu, um som desesperado que desapareceu assim que puxei o nó com força. Não olhei para o rosto contorcido; não precisava.
Levantei-me com calma, sacudindo a neve que grudava nas minhas roupas, e puxei a outra ponta da corda até Deimos. O cavalo permanecia imóvel, como uma sombra paciente na tempestade. Seu olhar observador parecia quase entender o que estava prestes a acontecer. Tomas Mandrey levaria tempo para morrer, e a ideia me trouxe um prazer que se espalhou como calor em meio ao frio.
Eu sorri.
Abaixei-me ao lado dele, deixando o gelo morder meus joelhos enquanto estudava sua expressão. Lágrimas quentes escorriam por suas bochechas e congelavam antes de atingir o chão. Com os dedos, segui o rastro úmido, tocando sua pele trêmula. Ele balançou a cabeça freneticamente, olhos arregalados, suplicando por misericórdia que nunca viria.
— Não, Tomas — murmurei, a voz saindo como uma melodia cruel. Estalei os lábios, negando como quem repreende uma criança.
Ele tentou se debater, mas a corda o mantinha preso como uma marionete quebrada. Antes que pudesse se mover mais, desferi um soco em seu maxilar. O som do impacto foi abafado pela neve, mas a dor foi evidente no grito que ele soltou, sufocado pelo pano encharcado em sua boca.
Por um momento, observei-o, sentindo o vazio do vento ao redor e o silêncio que se instalava entre os gritos. Minha atenção desceu lentamente para suas mãos amarradas. As mesmas mãos que antes se moviam com uma confiança desprezível, como se o mundo inteiro existisse apenas para servi-lo.
Não foi difícil pegá-lo.
Ele estava entregue aos próprios vícios, tão confortável em sua decadência que não percebeu quando entrei. Dormia como uma criança mimada, os braços preguiçosamente enlaçados ao redor de uma prostituta cujo único calor vinha da lareira ao lado. Agora, estava aqui: na neve fria, exposto e impotente. O contraste era tão grotesco que quase me fez rir. Ele sempre acreditou que escaparia das consequências, que seria intocável.
— Você nunca acreditou, não é? — sussurrei, inclinando-me mais perto de seu rosto. — Que um dia alguém apareceria para acertar as contas.
Tomas fechou os olhos, as lágrimas escorrendo mais rápido. Eu toquei sua testa com o polegar, um gesto quase terno.
— Não desista ainda. Temos uma longa viagem pela frente.
Os momentos de captura retornaram a minha mente; a prostituta estava acordada, o semblante carregado por uma expressão fria e miserável quando entrei. O cheiro de tabaco barato e suor impregnava o ar. Quando meus olhos a encontraram, sua pele perdeu toda cor, ficando pálida como a própria morte. Eu não disse nada. Apenas me aproximei de Tomas, ignorando o silêncio pesado que tomou conta do quarto.
Sem cerimônia, agarrei o cabelo curto dele e o puxei com força, arrancando-o de seu repouso desconfortável. Um grito de surpresa escapou de sua garganta, abafado pelo choque. Chutei a parte de trás de seus joelhos, e ele caiu como um peso morto no chão, os ossos colidindo com as tábuas envelhecidas.
A mulher, uma prostituta cuja presença ele comprara como um prêmio para sua arrogância, não reagiu. Mas o medo estava em seus olhos, mesmo que seu corpo permanecesse imóvel, quase como uma estátua. Ela me assistia em silêncio, paralisada, enquanto eu espancava Tomas sem piedade. Os golpes reverberavam na pequena sala, o som da carne e do osso misturando-se aos grunhidos de dor dele.
Antes de sair, me voltei para ela. Meu olhar vagou por seu corpo, analisando sua postura frágil, seu rosto marcado pela exaustão de uma vida amarga. Estendi a mão, jogando algumas moedas de ouro na mesa ao lado da cama. Um gesto simples que, para mim, era insignificante. Para ela, talvez fosse um mês de sustento.
Sem uma palavra, arrastei Tomas pela perna até a porta.
Parei no batente, a espada em mãos, sua lâmina refletindo a luz fraca da lamparina no canto do quarto.
— Você viu algo aqui hoje? — minha voz cortou o silêncio como a lâmina ameaçando o pescoço dela.
Ela hesitou por um breve segundo, mas um sorriso ensaiado logo tomou seus lábios. Começou a vestir o vestido, como se a cena grotesca que acabara de presenciar fosse apenas mais um episódio cotidiano de sua existência.
— Não vi nada, meu senhor — respondeu com a voz controlada, enquanto puxava o tecido sobre os ombros. Eu sorri, um sorriso sombrio que não alcançou os olhos. Joguei mais algumas moedas em sua direção, o som do metal ecoando ao tocar o chão de madeira, e voltei a arrastar Tomas para fora.
O prostíbulo era um lugar barato e esquecido, afastado do mundo que se importava com moralidade ou justiça. Ali, ninguém dava atenção aos gritos abafados que ecoavam.
Principalmente não os de Tomas.
Minha respiração estava pesada enquanto segurava suas mãos, os dedos frios e trêmulos se encolhendo inutilmente contra os meus. Ele chorou mais alto, um som desesperado e gutural, quando apliquei força e ouvi o estalo seco de ossos quebrando.
Abaixei o olhar, coçando o queixo com fingida curiosidade enquanto observava o volume insignificante em sua calça.
— É isso aí? — murmurei, minha voz carregada de desdém. — Esse é o seu... amiguinho, hum? Aposto que o usou bastante hoje, não é?
Tomas soluçava agora, o rosto vermelho de humilhação e dor, mas continuei, inclinando a cabeça com um sorriso cruel.
— Espero que tenha aproveitado, porque eu odiaria ter um cunhado frouxo.
Meu olhar voltou para o dele, intenso e frio como a neve ao nosso redor.
— Ah... mas você não é mais meu cunhado, não é? Ou estou errada?
Minhas mãos moveram-se com precisão, abrindo a braguilha enquanto ele se debatia inutilmente. Observei o que estava escondido ali com nojo e diversão, inclinando-me ligeiramente como se o visse sob uma lupa.
— Isso me parece mais com um verme mole.
Minha voz tornou-se ainda mais baixa, cada palavra um veneno carregado de promessa.
— Logo vai ficar azul... ou talvez roxo. Não sei. Nunca vi algo assim apodrecer na neve.
Tomas balançou a cabeça freneticamente, lágrimas escorrendo pelo rosto.
— Mas você vai saber. Vai sentir como se sua pele estivesse se separando da carne, e a carne escorregando dos ossos. Vai ser tão... horrível, Tomas, que esse pau pequeno e congelado vai ser o menor dos seus problemas.
Sorri, o som frio e desumano de minha satisfação se misturando com os gritos abafados dele. Ele ainda não entendia, mas não demoraria para perceber que sua agonia estava apenas começando.
Me aproximei de Deimos, passando a mão pela pelagem escura e sentindo a força tranquila do animal. Ele não protestou quando prendi a corda em sua sela, como se entendesse o propósito sombrio daquela noite. Ajustei o arco na aljava cheia de flechas e conferi as facas de caça no cinto, testando o peso familiar da espada presa na empunhadura.
Sob o capuz escuro, meu rosto estava rígido, frio como o vento cortante. Subi na sela com um esforço controlado, o movimento fluido, e puxei o capuz mais fundo, ocultando parte de minha expressão.
De costas para Tomas, escutei o som abafado de seus gritos que se mesclavam ao silêncio da neve. Quando olhei por cima do ombro, ele ainda se debatia, uma mistura de desespero e dor estampada em seu rosto ensanguentado.
Eu o estava matando.
A verdade bateu contra meu peito com um peso esmagador, mas não houve hesitação. Eu, Elle Archeron, arrastava Tomas Mandrey para a morte, lenta e calculada. Não era um acidente. Não era um desvio do destino. Era escolha. Minha escolha.
Inclinei-me um pouco para trás, minha voz baixa, porém afiada como lâmina, enquanto falava:
— Escute bem antes de morrer, Tomas.
A cabeça dele se ergueu ligeiramente, os olhos arregalados fixos em mim.
— Ninguém... — Minha voz saiu como um sussurro venenoso, carregado de promessa. — Ninguém mexe com uma Archeron e sai impune. Não enquanto eu ainda estiver viva.
Deimos relinchou, impaciente, como se concordasse com minhas palavras. Endireitei-me na sela, o vento cortando ao meu redor enquanto puxava as rédeas. A neve abaixo de nós seria testemunha muda do que eu havia feito.
E do que eu faria novamente, se necessário.
O galope de Deimos cortava o silêncio da floresta, a corrida intensa ecoando pela paisagem vazia. Eu mantinha as rédeas firmes, a sensação de liberdade do vento contra meu rosto se misturando com algo mais sombrio, algo que me consumia por dentro. A raiva ainda fervia, quente como o metal de uma lâmina recém-forjada. Cada batida das patas do cavalo contra o chão era uma batida no meu peito, a promessa de destruição mais próxima.
O caminho atrás de mim estava marcado por sangue, uma linha vermelha que seguia minha jornada. Como se o mundo tivesse sido riscado com um lembrete do que sou capaz. O cheiro metálico, pungente, ainda pairava no ar.
Vou matar todos. A frase repetia na minha mente, como um mantra. A imagem de Tomas se retorcendo no chão, os gritos silenciados pelo pano amarrado em sua boca, ainda estava fresca em meus olhos. Ele não mereceu a morte rápida. Ele mereceu ver o que era ser quebrado, esmagado, esmagado pelas mãos de alguém que não tinha mais paciência para misericórdia.
Ninguém toca os meus.
Eu falo sério.
Ninguém.
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Se você leu até aqui, muito obrigada!
Curta e comente se gostou, isso significa o mundo para mim ♡
Gostaria de convidá-los a ler minha história original que estou publicando aos poucos aqui na plataforma wattpad, significaria muito para mim que a obra O Amuleto de Neva pudesse receber o mesmo amor das minhas outras fanfics. Obrigada !
𝗰ontınuα...
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