𝐎𝟕 ; 𝗰αpítulo 𝘀ete
Eu não sabia como o cabo de madeira da minha faca de caça havia chegado às minhas mãos tão rapidamente. Tudo ao meu redor parecia um borrão: os grunhidos de uma besta gigantesca com pele dourada, os gritinhos esganiçados das minhas irmãs, o frio cortante que invadia a sala e o rosto aterrorizado de Vittório. Mas logo percebi que não era um martax, e o alívio foi breve. A criatura à nossa frente era tão grande quanto um cavalo, e, embora seu corpo fosse em grande parte felino, sua cabeça tinha um formato inconfundivelmente lupino. O que me deixou ainda mais perplexa foram os chifres curvados, semelhantes aos de um cervo, que brotavam de sua cabeça. Mas, independentemente de ser leão, cão ou cervo, uma coisa era certa: as garras negras como adagas e as presas amareladas podiam causar danos devastadores.
Se estivesse sozinha no bosque, talvez eu me deixasse consumir pelo medo, talvez caísse de joelhos e implorasse por uma morte rápida e sem dor. Mas ali, no chalé, com minhas irmãs aterrorizadas pela presença da criatura feérica, eu não poderia me permitir sucumbir. Não diante delas. Não para o medo. Eu teria que controlar esse sentimento, dobrá-lo sob minha vontade.
Nunca tive tempo para sucumbir ao terror. Em todas as situações perigosas em que estive, sempre minimizei o medo até ele se tornar irrelevante. Mesmo com o coração batendo descontrolado e a sensação de náusea invadindo, eu conseguia encontrar uma forma de acalmá-lo.
A criatura se ergueu sobre as pernas traseiras e gritou com a boca cheia de presas:
- ASSASSINOS!
Por mais nauseante que fosse, o som que ecoou em minha mente não foi "assassinos", mas "feérico". As runas tolas no portal não faziam diferença contra ele, como teias de aranha inúteis diante de uma fera. Talvez eu devesse ter perguntado à mercenária como ela havia matado aquela besta feérica, mas sabia que o conhecimento dela não me ajudaria muito. O pescoço imenso da criatura... ali estava o alvo perfeito para minha faca.
Ousei olhar por cima do ombro. Feyre estava de pé, um pouco atrás de mim, enquanto Nestha e Elain se agarravam uma à outra, ajoelhadas contra a parede da lareira. Vittório se agachava diante delas, mais um corpo a ser defendido. Estupidamente, dei outro passo na direção do feérico, mantendo a mesa entre nós dois, lutando contra a dor lancinante na minha perna, que provavelmente já havia perdido os ridículos pontos que eu mesma havia feito.
- ASSASSINOS! - rugiu a besta novamente, os pelos eriçados, sua voz cheia de ódio.
- P-por favor - balbuciou Vittório, ajoelhado diante das meninas, incapaz de reunir forças para se levantar e ficar ao meu lado para protegê-las. - O que quer que tenhamos feito, foi sem saber, e...
- N-n-nós não matamos ninguém! - acrescentou Nestha, soluçando entre as palavras, o braço erguido sobre a cabeça, como se aquele minúsculo bracelete de ferro pudesse de alguma forma protegê-la da criatura.
Silenciosamente, peguei outra faca da mesa, o peso da lâmina fria na minha mão era tudo o que eu poderia usar no momento, a não ser que conseguisse alcançar a aljava.
- Saia - ordenei à criatura, brandindo as facas diante de mim, tentando manter minha voz firme apesar do turbilhão de emoções.
Não havia ferro à vista que eu pudesse usar como arma, a não ser que atirasse os braceletes contra ele, mas, se isso funcionasse, jamais seria suficiente.
- Saia e não volte. - Minha voz soou ríspida, mas meus joelhos tremiam, e a dor se alastrava como fogo, uma cobra apertando minha perna esquerda. As linhas da costura haviam se rompido, deixando a carne exposta, enquanto a ferida era pressionada contra o tecido, com o sangue vermelho ameaçando escorrer a qualquer momento.
A besta gritou em resposta, e o chalé inteiro estremeceu, os pratos e xícaras batendo uns contra os outros. Com o rugido, o enorme pescoço da criatura se expôs. Eu era boa no arremesso, em qualquer coisa que exigisse precisão ou destreza, e atirei com força.
A faca voou, quase alcançando a besta, e eu pude ver pelos dourados caindo no chão. Se minha mão não estivesse tão fraca, teria acertado o alvo. Mas a criatura foi rápida demais. Antes que eu pudesse reagir, sua enorme pata golpeou o ar, lançando a faca para longe, e logo disparou em minha direção, seus dentes à mostra, prontos para se cravar em mim.
Dei um passo para trás, quase tropeçando na própria perna, que se recusava a se mover. O medo era um peso pesado, mas a besta não me atacou de imediato. Podia ter me ferido gravemente, ou até matado, mas o golpe foi apenas um aviso. As garras afiadas cortaram o ar com um estrondo, mas não se cravaram em mim.
Nestha e Elain estavam chorando, abraçadas uma à outra, enquanto Feyre permanecia em silêncio, alerta, os olhos fixos na criatura, culpada. O medo era evidente, e eu podia ver que, no fundo, elas estavam rezando para deuses que já haviam sido há muito esquecidos por todos.
- QUEM O MATOU? - A criatura se aproximou, sua presença imensa dominando o ambiente. Ele apoiou uma pata pesada sobre a mesa, fazendo o móvel ranger, enquanto suas garras afiadas se cravavam com um som seco na madeira.
Eu me recusei a ceder, ousando dar mais um passo à frente, apesar do medo apertando meu peito. A besta inclinou o focinho, farejando a superfície da mesa, e seus olhos, verdes com toques de âmbar, brilharam intensamente. Não eram olhos de simples animal. Aquela criatura carregava algo mais.
Minha voz saiu mais firme do que esperava, surpreendentemente tranquila diante de toda a tensão.
- Matou quem?
A besta grunhiu, um som baixo e profundo que fez os próprios ossos tremerem, e por um instante, o lobo da floresta parecia um filhote comparado àquilo.
- O lobo - respondeu, e minha mente congelou por um instante. O rugido havia desaparecido, mas a fúria permanecia, quase misturada a uma tristeza sombria. O choro de Elain aumentou, agudo e desesperado, mas eu mantive meu olhar, o queixo erguido.
- Um lobo? - Eu mal conseguia acreditar no que ouvia.
- Um enorme lobo, com pelagem cinza - grunhiu a besta, a sua resposta carregando um peso que ainda percorria o ar.
Me perguntei se ele tinha a capacidade de perceber minhas mentiras. Já ouvira rumores de que feéricos não podiam mentir, mas nunca soubera os detalhes disso. Agora, diante daquela criatura imensa, me questionava qual seria a verdade entre nós e se ele conseguia farejar as mentiras no ar. O que eu sabia com certeza era que não poderia fugir lutando, não com minha perna naquele estado. A sensação de incapacidade era esmagadora. Mas talvez houvesse outras formas de lidar com aquilo. Talvez eu pudesse usar algo mais do que apenas força.
- Caso ele tenha sido morto por engano - falei, tentando manter a voz o mais calma possível -, que pagamento poderíamos oferecer em troca?
A criatura soltou um latido, que mais parecia uma gargalhada amarga. Ele empurrou a mesa com facilidade e começou a caminhar em um pequeno círculo, parando em frente à porta destruída. O frio cortante fazia com que eu tivesse que me segurar para não tremer visivelmente.
- O pagamento que devem oferecer é o estipulado pelo Tratado entre nossos reinos.
- Por um lobo? - repliquei, sem conseguir esconder o ceticismo. Tinha algumas lembranças vagas do Tratado, quando o escutava ser lido durante as aulas na infância, mas nada relacionado a lobos. A besta se virou para mim, seus olhos de jade fixando os meus.
- Quem matou o lobo?
Meu coração acelerou, e, por um momento, pensei em mentir, mas sabia que não poderia. Se ele de fato fosse capaz de sentir qualquer mentira no ar, a farsa logo seria descoberta. Respirei fundo, tentando manter a compostura.
- Fui eu.
O animal piscou, antes de desviar o olhar para minhas irmãs, e depois voltar para mim, avaliando minha magreza, sem dúvida percebendo a fragilidade da forma como tentava me apoiar na perna não machucada. Mas, por um momento, notei algo em seu olhar, aquele verde intenso, como se estivesse me analisando de uma maneira que não conseguia entender. Ele dilatou as narinas enquanto me observava, demorando demais para falar a próxima frase. Seria possível que ele tivesse acreditado em mim?
- Está mentindo para salvá-las?
- Nós não matamos nada - balbuciou Elain, soluçando. - Por favor... por favor, poupe-nos! - Antes que eu pudesse dizer algo, Nestha silenciou Elain com um choro abafado, apertando-a contra si. Ela agarrou o braço de Feyre, puxando a irmã caçula mais perto, como se quisesse protegê-las de alguma forma.
As três irmãs, juntas pelo sangue, unidas na adversidade. Meu peito apertou ao ver aquela cena.
Vittório finalmente conseguiu se levantar, grunhindo pela dor na perna enquanto se equilibrava, mas antes que pudesse cambalear até mim, eu repeti com firmeza:
- Fui eu. - A besta, que ainda me observava atentamente, farejando cada movimento meu, avaliou meu corpo mais uma vez. Então, me endireitei, empurrando os ombros para trás com uma leve mentira disfarçada. - Vendi a pele no mercado hoje. Se soubesse que era um feérico, não teria sequer tocado nele.
- Mentirosa - disparou a besta com uma voz rouca. - Você sabia. Teria ficado mais tentada a matá-lo se soubesse que era um dos meus.
Verdade, verdade, verdade.
- Pode me culpar? - retruquei, sem nem tentar esconder a indiferença.
- Ele atacou você? Você foi provocada? - A besta perguntou, sua voz baixa, mas carregada de uma tensão crescente.
Abri a boca para responder, mas antes que eu pudesse emitir qualquer palavra...
- Sim - Feyre se levantou com um grunhido, o corpo tenso e pronto para o confronto. - Tentou atacar Elle. Ele a teria matado.
A luz da lareira dançava nas presas afiadas da criatura, e por um instante, uma imagem aterradora se formou em minha mente: as garras afundando em meu pescoço, o silêncio cortante, o grito das minhas irmãs... ou o silêncio absoluto após o fim de tudo. Mas, surpreendentemente, uma clareza se instalou dentro de mim, uma certeza amarga, mas firme: Nestha faria o impossível para proteger Elain. Ela sacrificaria qualquer um, menos Elain. Eu sabia disso com uma precisão assustadora. Nestha sempre vira o amor que nutríamos uma pela outra como uma fraqueza, uma divisão. Mas Elain... minha doce Elain, sempre tão pura e boa, sempre no centro do nosso pequeno universo. Ela seria a única a sobreviver. Nestha morreria lutando por ela.
Aquele pensamento cruel foi o que me deu força. Com um gesto firme, apontei a faca que ainda tinha em mãos para a fera diante de mim. O pensamento de que alguém deveria lutar por Feyre, por todas elas no fim.
- Qual é o pagamento que o Tratado requer?
Os olhos da besta brilharam intensamente, fixos em mim, enquanto ele respondeu:
- Uma vida por outra. Qualquer ataque não provocado contra feéricos, por humanos, só pode ser pago com uma vida humana em troca.
O ar se encheu de silêncio. As lágrimas de Elain cessaram de imediato. Minha mente, antes turva e cheia de medo, se tornou um campo de raciocínio claro. Eu me lembrei da mercenária na aldeia, que tinha matado um feérico, mas ele a atacara primeiro. O lobo não havia atacado Feyre, ele me atacara, e não tocou Feyre, mas tocou a mim. Ela estava longe, mas eu estava perto. Eu era a provocadora, a causadora. E agora, a dívida teria que ser paga.
- Eu não sabia - disse, minha voz fria e pesada com a verdade amarga. - Não sabia dessa parte do Tratado.
A besta riu com amargor, os olhos brilhando com uma crueldade sem remorso.
- A maioria de vocês mortais escolheu se esquecer dessa parte do Tratado - disse ele, a voz baixa e sinistra. - O que torna puni-los muito mais prazeroso.
Meus joelhos falharam sob o peso da dor, e pela primeira vez, um som involuntário escapou de meus lábios, um ruído de angústia quando caí sobre o joelho esquerdo. A mão foi instintivamente à minha coxa, pressionando a ferida, vendo como a calça que antes estava limpa agora estava encharcada de sangue, o vermelho escuro espalhando-se lentamente. Não havia mais saída. Não podia fugir disso. Não podia correr, o animal bloqueava a única possibilidade de fuga, a porta.
- Faça-o do lado de fora - sussurrei, minha voz quebrada, falhando, incapaz de esconder o desespero. - Não... aqui.
Não onde minhas irmãs teriam que lidar com o sangue, com os restos. Isso, claro, se a besta sequer as deixasse viver para fazê-lo. Ele se aproximou, e eu continuei ali, fixando os olhos nos seus, o verde profundo, como se tentando penetrar no fundo de mim. O ar quente das suas narinas atingia meu rosto enquanto ele me farejava, curioso, como se estivesse tentando ler uma verdade que eu não estava disposta a revelar.
Mas então, ele desviou o olhar para a flecha de freixo, repousada ao lado das de ferro, e fez uma pausa. Sentiu o cheiro, fechando os olhos com a intensidade da percepção. Quando os abriu novamente, sua atenção já não estava mais em mim.
- Você o matou? - Perguntou para algo atrás de mim.
- Matei. - Feyre tomou fôlego dando um passo a frente.
- E ele atacou você? - Perguntou novamente.
- Não - ela respondeu.
A dor pulsava como uma tempestade em meu corpo, um mar de fogo que consumia cada centímetro da minha carne. O mundo parecia se desintegrar ao meu redor, as palavras da besta soavam distantes, como se vivessem em outro plano. Minhas mãos, fracas e trêmulas, pressionavam a ferida em meu quadril, mas nada poderia conter a dor crescente. A pressão no meu peito parecia me sufocar, a respiração falhando a cada segundo.
Feyre, a idiota corajosa, estava na linha de fogo, oferecendo sua vida para nos salvar. Mas não era dela que eu me preocupava agora. Não era. Eu não conseguia mais ver nada além do vermelho da minha dor e do desespero que se infiltrava. A voz de Feyre, fraca e tremula, cortava o silêncio, mas parecia tão longe...
- Não... Feyre, não... - sussurrei com uma dor tão aguda que quase me fez perder os sentidos.
A besta estava ali, observando, seu olhar imperturbável, enquanto ela tentava entender sua escolha. E, em meio a tudo isso, o único pensamento claro que me restava era que não poderia perder Feyre. Não podia. A dor me arrastava cada vez mais para longe da realidade, como uma correnteza implacável, e então, de alguma forma, consegui apertar o quadril mais forte, tentar focar em qualquer coisa além do vazio e da dor, mas meu corpo estava à beira da exaustão. Minhas forças se esvaíam a cada segundo. Muito sangue. Era muito sangue.
Estou morrendo?
O tempo parecia se arrastar. Tudo estava em câmera lenta, e no fundo da minha mente, um grito desesperado ecoava, um grito que implorava para que Feyre não fizesse esse sacrifício, para que ela não fosse levada para aquele lugar. Eu não posso perder você, Feyre.
- Tem alguma maneira de diminuir a dor dela? - Feyre perguntou, ignorando minha voz. Houve uma pausa, e então ela sussurrou: - Faça isso, e eu irei sem questionamentos.
Minha cabeça estava baixa, os fios de cabelo caindo sobre meu rosto, quando a besta se aproximou. Sentia a dor em minha perna se espalhar, uma pressão insuportável, e antes que eu pudesse me manter em pé, meu corpo cedeu, caindo de costas. O chão frio foi o único alívio temporário, mas a dor se espalhou por todo o meu corpo, aguda e implacável, até que me curvei, pressionando minha mão contra o quadril para tentar conter o sofrimento.
A besta, imensa e cheia de poder, inclinou-se em minha direção, seu focinho quase tocando minha ferida. Ele farejou o sangue, o cheiro metálico preenchendo o ar, e seus olhos jade, como duas pedras preciosas, me analisaram novamente. Havia algo em seu olhar, uma percepção que ia além do físico, como se ele fosse capaz de perceber algo dentro de mim que nem eu mesma compreendia. Mas não havia arrependimento, apenas medo e resistência.
Eu não ia permitir que ele a levasse.
O ar saía de forma áspera por minhas narinas, em união a grunhidos de dor que escapavam antes que eu pudesse contê-los. Eu parecia uma besta, um monstro agonizando. Mas consegui, mesmo que quase sem som, sussurrar:
- Leve a mim... - Respirei fundo, sentindo o calor do sangue escorrer pelas minhas mãos trêmulas, pressionadas contra a coxa. - Eu me ofereço no lugar dela.
Ele me encarou. Por um minuto que pareceu uma eternidade, os olhos da criatura permaneceram fixos em mim. E se não fosse uma besta ali diante de mim, eu podia jurar que vi algo próximo ao sofrimento cruzar seu olhar. Um lampejo.
Mas então ele falou. Sua voz ecoou como um trovão nos cantos mais sombrios da minha mente, esmagando qualquer esperança de que ele poderia acatar o último pedido de uma irmã desesperada por salvar as outras.
- Você, ela... ambas inúteis vidas mortais. - Um sorriso cruel distorceu seus traços monstruosos. - Você já está quase morta, garota.
O gelo em suas palavras foi pior do que a dor que me consumia. Com um grunhido de raiva, consegui, com o que restava de forças, cuspir em seu rosto. A dor ainda me dilacerava, mas minha voz não vacilou, minha expressão de desdém clara.
- Não vai levá-la - murmurei, arrastando meu corpo para me posicionar na frente de Feyre, como um escudo entre ela e a fera.
Eu sabia que era uma ação desesperada, um suicídio iminente, mas era a única coisa que poderia fazer. Se fosse morrer, morreria defendendo Feyre.
A besta avançou rapidamente, seus olhos brilhando com uma fúria incontrolável. Antes que eu pudesse reagir, ele prensou minha perna contra o chão com uma de suas patas. A dor aumentou de forma insuportável, fazendo minha mente falhar, meu corpo se retorcer. Eu gritei, um som selvagem que surgiu de meu peito, mas ele não se importou. Eu me contorcia, sentindo como se minha carne estivesse sendo rasgada e curada ao mesmo tempo. Era uma dor indescritível, algo além de qualquer limite que eu já tivesse conhecido. Cada vez que a cura começava a tomar conta de mim, a ferida se abria novamente, como se o ciclo nunca fosse terminar.
Mas não cedi. Não deixei a dor me dominar. Lutando para não ficar inconsistente.
A besta, observando minha luta silenciosa, soltou um resmungo de insatisfação, mas não recuou. Seu olhar continuava fixo em mim, estudando-me, como se eu fosse uma coisa a ser despedaçada, algo que ele poderia destruir sem mais nem menos.
Eu ficarei aqui. Não deixarei você levar Feyre. Mesmo que isso me custasse a vida. Então ele se aproximou e soprou.
- O que fez com ela? - Alguém perguntou, mas a essa altura eu já não sabia quem era. Não conseguia me mover, apenas ouvia suas vozes, como se estivessem flutuando ao meu redor, distantes e distorcidas, e a dor irradiando por todo o meu corpo. Não, não, ele vai levá-la, NÃO!
- Está sendo curada. Apenas isso.
Já não conseguia mais distinguir o que estava acontecendo. As vozes se misturavam, a dor se tornava uma onda avassaladora, e eu não sabia se a sensação vinha dos meus ferimentos ou de cada célula do meu corpo. Estava quente? Estava frio? Sentia como se estivesse submersa, flutuando dentro de uma banheira cheia de água gelada e espessa.
Mesmo assim, eu ouvia tudo, mas não conseguia reagir. A dor era tamanha que sequer conseguia pensar em me mover, minha mente incapaz de se focar em outra coisa além do tormento. Eu queria fazer algo. Lutava contra a sensação aterradora de impotência, tentando forçar meu corpo a se levantar. Era essa a magia de um feérico? Não... não um feérico qualquer. Feéricos inferiores não poderiam fazer isso. Uma magia tão poderosa, tão exata.
Maldito Grão-Senhor.
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Ele levou Feyre, para longe de mim.
As horas pareciam ter se arrastado até que finalmente pude abrir os olhos. Ainda tremia, meu corpo fraco e dolorido. Me levantei, grunhindo como um animal ferido, dando um passo, depois outro, até alcançar a faca de caça no chão. Peguei o arco e a aljiva pendurados na porta, me apoiando na parede enquanto minha visão ainda se turvava pela dor.
Quando coloquei o pé para fora, uma par de mãos frias e esguias me puxou para trás, e uma voz sussurrou em meu ouvido.
- Deixe de ser tola! Deixe Feyre ir! Deixe-a ir!
Lutei contra aquele toque, tentando me soltar, e então gritei com toda a minha raiva:
- Não toque em mim, porra!
Empurrei Nestha com toda a força que restava, sem pensar nas consequências.
Não sabia quando comecei a chorar, mas agora sentia a pressão do ar não passando pelo meu nariz, meus lábios trêmulos lutando para se manter abertos. Quase não podia ver, as lágrimas turvavam minha visão, e tudo parecia se embaçar diante de mim.
- Ela é a caçula! É a nossa irmã e sua filha! - Cobri minha boca com a mão, balançando a cabeça, o desgosto tomando conta de mim. - E vocês deixaram ele levá-la.
- Não podíamos fazer nada. - Vittório mancou até mim, sua voz cheia de dor e impotência.
Dei um passo para trás, sentindo a dor ainda pulsando em meu corpo, a febre queimando minha pele. Ódio. Puro ódio. Raiva letal. Minha alma, vazia e consumida pela dor, se preencheu com esse sentimento cruel e impiedoso. Era tudo o que restava, além da dor, além da tristeza.
Corri para fora, mancando pela neve, ignorando o frio que cortava minha pele e as fisgadas de dor que percorriam meu corpo.
- Feyre! - Gritei seu nome, a voz carregada de desespero.
Ela estaria me ouvindo? Precisava me ouvir. Precisava saber que eu lutaria por ela.
Mas então, tropecei. Meu corpo despencou pesadamente na neve, a superfície branca e gelada me acolhendo com uma frieza implacável. Tentei me levantar, mas minhas forças me abandonaram. Tudo o que restava era a vontade. Com um esforço que parecia inútil, impulsionei o corpo para frente, me arrastando na neve que queimava minha pele como fogo lento. As lágrimas, agora inevitáveis, escorriam pelo meu rosto, se misturando ao frio cruel.
- Por favor... - A palavra saiu em um sussurro fraco, quase engolida pelo vazio ao meu redor. Minha voz, trêmula e quebrada, era tão frágil quanto o próprio apelo. - Que ela fique bem... até que eu possa trazê-la de volta para casa.
A neve não respondeu. O mundo parecia indiferente ao meu desespero. Deuses não existem, não para mim.
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Se você leu até aqui, muito obrigada!
Curta e comente se gostou, isso significa o mundo para mim ♡
Gostaria de convidá-los a ler minha história original que estou publicando aos poucos aqui na plataforma wattpad, significaria muito para mim que a obra O Amuleto de Neva pudesse receber o mesmo amor das minhas outras fanfics. Obrigada !
𝗰ontınuα...
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