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O sol já havia se posto quando finalmente saímos da floresta, e o silêncio que envolvia o caminho parecia pesar ainda mais em nossos ombros. Os joelhos de Feyre, pouco acostumados ao esforço, tremiam a cada passo, e suas mãos estavam rígidas e vermelhas, a dor latente que ela tentava esconder se tornando visível em cada movimento. As mãos dela deviam estar dormentes há horas, e eu sentia o peso da preocupação aumentando dentro de mim. Respirei fundo, tentando sufocar a dor na minha própria coxa esquerda, que pulsava com mais força, mas engoli qualquer gemido. Feyre não precisava saber o quanto eu estava quebrada.
— Vá um pouco devagar, Feyre — disse, a voz mais calma do que eu realmente me sentia.
Ela baixou a cabeça, negando com um movimento quase imperceptível. Quando olhou por cima dos ombros, seus olhos passaram por todo o meu corpo, analisando-me de maneira que não deixava espaço para mentiras. A jovem sabia. Sabia o quanto eu estava destruída, o quanto a dor me consumia, mas ela também sabia que andar mais devagar não faria diferença. A neve estava fria e densa, o ar cortante, e qualquer lentidão não traria alívio algum.
— Eu consigo — respondeu, tentando me tranquilizar, enquanto parava ao meu lado.
Meus olhos subiram por seu corpo, observando suas pernas trêmulas e a fina bruma de fumaça que escapava pelos lábios rachados. Apertei minha mão, deslizando o dedo pelas cicatrizes que sempre marcaram minha pele, lembranças antigas e constantes. A dor era uma velha companheira, e eu desejava poder carregar não apenas o maldito cervo, mas também Feyre nas minhas costas, poupando-a de tudo o que carregávamos em silêncio.
Eu assenti, soltando uma respiração cansada, e juntos voltamos a caminhar, nossos passos pesados na neve que parecia engolir qualquer som. O mundo ao nosso redor estava coberto por matizes de azul escuro, as sombras se alongando enquanto a noite se arrastava sobre nós. As únicas interrupções na escuridão eram os raios de luz amanteigada que escapavam pelas janelas fechadas do chalé em ruínas, como lembranças de um calor que parecia já distante demais.
— Eles não precisam saber o que aconteceu hoje — murmurei, mais para mim mesma do que para ela, uma tentativa de encontrar algum tipo de paz em meio ao caos.
Feyre bufou, o som rouco e cansado escapando de sua garganta enquanto ela olhava para frente, focada no caminho à nossa frente.
— Está fazendo isso para me proteger do deboche frio de Nestha?
Estávamos nos arrastando pelo caminho, cada passo um esforço, apenas impulsionado pela dor constante e pela fome que parecia dilacerar nossas forças. Quando nos aproximamos da porta arruinada, os entalhes da madeira projetando sombras tortuosas, as vozes de Nestha e Elain começaram a flutuar no ar, atingindo o vazio escuro da minha mente como uma lembrança desconfortável.
— Nestha nunca sairia até a floresta — falei em um tom baixo, tentando ocultar a frustração e a exaustão que pesavam sobre minha voz. — Mas, sabe que ela se acharia no direito de julgar você por ter feito... Isso. Então, ela não saberá o que passamos hoje, nem Elain, muito menos Vittório.
Feyre apertou os lábios, uma linha fina de tensão se formando, seus olhos piscando repetidamente como se tentasse afastar a exaustão. Minha mão encontrou seu ombro, subindo suavemente até seus fios castanho-dourados. Me aproximei mais, encostando minha bochecha na sua, sentindo o calor de sua pele fria, ainda que a distância entre nós já fosse física o suficiente para tornar tudo mais pesado. Como eu poderia me irritar verdadeiramente com qualquer uma delas?
— Vamos entrar, falaremos sobre isso mais tarde.
Não precisei de muito para perceber o que se passava na sala. As duas mulheres ali, sem dúvida, conversavam sobre algum rapaz da aldeia ou sobre os boatos que correram nas últimas semanas, enquanto deveriam estar cortando lenha, mas, mesmo assim, vi o leve brilho de um sorriso curvando os lábios de Feyre.
Estamos em casa. Foi isso que aquele sorriso debochado parecia dizer.
Eu sorri de volta. Sim, estamos em casa. Mesmo que a casa estivesse em ruínas, ainda era o nosso lugar, o único que nos restava.
Me encostei na parede do chalé, o peso do dia finalmente caindo sobre mim, e o sorriso se desvanecendo como se nunca tivesse existido. A adrenalina, que por tantas horas me sustentou, já se foi, e a dor que tomava meu corpo agora era mais nítida e cruel do que nunca. Cada músculo protestava, cada respiração sentia-se como um lembrete de que ainda estava viva, embora eu preferisse o contrário naquele momento.
Feyre chutou suas botas contra a batente da porta, tentando tirar a neve que se acumulava nos solados, o som abafado do impacto quebrando o silêncio sombrio do chalé. Pedaços de gelo caíam das pedras cinzas da construção, revelando as marcas de proteção que, embora desbotadas e quase apagadas, ainda estavam ali, como uma lembrança de tempos melhores, de esperanças que, agora, se perdiam no vento.
Vittório, em sua tolice, foi estúpido o suficiente para ceder ao charme de um charlatão que, com palavras doces e promessas vazias, o convenceu a substituir os entalhes de proteção contra feéricos por uma de suas próprias esculturas de madeira. Ele, que sempre demonstrara tão pouco respeito ou apreço pelas antigas tradições, pensou que entalhes rudimentares e sem valor algum seriam uma obra grandiosa, algo digno de adoração. Eu, claro, não hesitei em expressar minha opinião, deixando escapar, com veneno e desprezo, que ele era um tolo por acreditar naquilo — uma ilusão que, sem dúvida alguma, estava longe de ser real.
Mortais não possuíam magia; não possuíam a força, a velocidade, nem a vitalidade superior dos feéricos ou dos Grão-Feéricos. O homem que se dizia descendente de uma linhagem Grão-Feérica, com uma arrogância que só os tolos podem ter, simplesmente entalhou espirais, redemoinhos e runas falsas ao redor das portas e janelas, murmurou algumas palavras sem qualquer sentido e seguiu seu caminho. Toda vez que eu via aquelas runas ridículas, eu não podia deixar de esboçar um sorriso sarcástico. Era patético.
Feyre empurrou a porta de madeira com um gesto cansado, mas a maçaneta de ferro congelada a fez reagir com um suspiro abafado, como se fosse uma mordida de serpente, cravando o frio direto em sua pele. A luz quente que emanava de dentro do chalé foi como um golpe em meus olhos, cegando-me por um breve momento enquanto entrávamos, ambos exaustas e imundas.
— Elle! Feyre! — a voz de Elain ecoou, suave e preocupada, um arquejo baixo de surpresa.
Fechei os olhos para me ajustar ao calor do fogo, o brilho incandescente que queimava a visão. Quando os reabri, encontrei a segunda mais velha das irmãs em pé diante de nós. Nestha estava enroscada em um cobertor grosso, mas mesmo assim, seus cabelos castanho-dourados estavam impecavelmente presos em um coque perfeito. Oito anos de vida de pobreza e dificuldades não haviam destruído o desejo obstinado de ela se manter linda, como se a elegância fosse uma armadura contra o mundo cruel.
— Onde conseguiu isso? — sua voz soou afiada, carregada de uma fome implícita, que tornou as palavras mais cortantes.
Ela nem sequer reparou no sangue que cobria minha pele. Se o fez, sabia perfeitamente como esconder o olhar.
O cheiro de sangue e a sensação de dor se tornaram algo visceral, algo que agora parecia me consumir por dentro. Eu balancei a cabeça, tentando afastar a sensação de que a própria cor vermelha começava a dominar minha visão. Os tremores do meu estômago eram um reflexo do que meu corpo tentava processar enquanto eu começava a cuidar dos meus ferimentos. A agulha e a linha pareciam se mover sozinhas em minhas mãos trêmulas, entrando na carne e saindo com um puxão doloroso. O sangue seco grudava na minha pele exposta, e o som da agulha passando por ela me fazia apertar os dentes com força, em um esforço para não gritar.
A ferida estava fechando aos poucos, os pontos desleixados e irregulares, mas pelo menos estavam fazendo alguma coisa. A dor era excruciante, mas a sensação de estar tentando consertar, de manter alguma forma de controle, me dava um propósito momentâneo. Mas, ao mesmo tempo, tudo o que via era vermelho.
Nunca havia reparado tanto no sangue, na cor, na tonalidade... Antes, o sangue era apenas uma parte do que era necessário, uma substância que fazia parte do ciclo de vida e morte, mas naquele dia, depois que matei dois coelhos, tudo mudou. Agora, eu via. Meu sangue, o quanto ele sujava minhas mãos, o quanto ele impregnava minha alma, tornando-a fria e podre. Era como se cada gota fosse um lembrete de que eu não era mais a mesma.
E, naquele momento, me dei conta de algo ainda mais doloroso. Minhas irmãs, Nestha e Elain, nunca de fato repararam em mim, não de verdade. Elas apenas me viam de longe, como um reflexo da vida delas, e o sangue era algo que as dividia. Não se importavam com o meu sangue, com as minhas feridas, não até que ficassem com fome novamente. Elas só viam o que lhes convinha. E, naqueles olhos indiferentes, percebi que minha solidão era mais profunda do que eu imaginava.
Respirei fundo, tentando acalmar os músculos tensos, enquanto limpava a linha fina com a água gelada, que parecia congelar meus dedos e fazia meus dentes trincarem com tanta força que quase podia ouvi-los ranger. Feyre soltou a corça de seus ombros, e o animal bateu contra a mesa com um estampido, fazendo uma xícara de cerâmica tremer do outro lado. Ela se levantou, ajustando a postura, pegando o balde de metal com a água congelante, que fazia minha pele ficar ainda mais vermelha e dolorida, antes de levá-lo até perto do fogo.
— Onde acha que conseguimos isso? — Minha voz saiu rouca, sem querer soar resmungona, mas a paciência já estava se esgotando, e não havia muito espaço para suavidade agora.
Biquei os lábios, abaixando a cabeça para cortar a linha e dar o nó, sentindo a tensão em cada movimento. Respirei fundo outra vez e, com um esforço, comecei a trabalhar no ferimento do quadril.
— Vai demorar muito para você limpar? — A pergunta, vinda de Elain, me pegou de surpresa.
Minha respiração se prendeu por um momento, junto da agulha que ainda estava enterrada na minha pele. Frustração já era algo constante, mas até nesse momento? Elain não via? Não podia ver o que acontecia? Eu estava me costurando, como um pano velho, e, por cima disso tudo, sua prioridade parecia ser a corça. Como se isso fosse o mais importante agora.
Um som baixo escapou da minha boca, algo entre um suspiro e um riso amargo. Nunca vi sangue nas mãos delas, nunca vi o tipo de sujeira que se acumula ao fazer as coisas sozinho, de verdade. Nada de sangue grudado, sujo, nojento. Nestha sequer me olhou quando Feyre deixou a água quente ao meu lado, como se eu fosse invisível, assim como quando ignorava Vittório, o pai delas.
Elain continuou a encarar a carcaça, a mão pressionada contra a barriga, talvez tão vazia e dolorida quanto a minha. Não que Elain fosse cruel, eu nunca pensei assim. Ela não era como Nestha, que parecia ter o desprezo no rosto desde o nascimento. Elain, às vezes, simplesmente não compreendia. Não era maldade o que a impedia de oferecer ajuda; ela apenas não considerava que pudesse sujar as mãos. Não quando eu sempre estive aqui, fazendo isso por ela, sem que fosse necessário que ela soubesse ou precisasse.
Nunca conseguia decidir se ela realmente não entendia que éramos pobres de verdade, ou se simplesmente se recusava a aceitar isso. De qualquer forma, isso não me impedia de comprar sementes para o jardim de flores que Elain cultivava nos meses mais amenos, sempre que conseguia juntar o suficiente. E também não impediu Elain quando me pediu moedas para comprar três pequenas latas de tinta — vermelha, amarela e azul — para presentear Feyre.
Foi naquele mesmo verão, quando eu precisei apertar ainda mais as finanças, para ter o suficiente para comprar a flecha de freixo.
— Elle — a voz profunda e rouca de Vittório cortou o silêncio, vindo da lareira. Sua barba escura estava impecavelmente aparada, e o rosto, tão meticulosamente cuidado quanto o das minhas irmãs. — Que sorte você teve hoje de nos trazer tal banquete.
Ao lado dele, Nestha soltou uma risada sarcástica. Não era surpresa. Qualquer mínimo elogio, seja para Elain, Feyre, outros aldeões ou até mesmo para mim, sempre era seguido de desprezo. Principalmente para mim, qualquer palavra direcionada à mulher que os sustentava era ridicularizada.
Mas pelo menos Nestha não ficava enchendo minha cabeça com discursos inúteis sobre restaurar a riqueza, como Vittório fazia. Não, ela preferia gastar todo o dinheiro que eu não conseguia esconder e raramente se dava o trabalho de reconhecer a presença manca do pai. Havia dias em que eu realmente não sabia dizer qual deles era o mais desprezível e amargo.
— Podemos comer metade da carne esta semana — falei, levantando-me e deixando a agulha de lado para olhar a corça. O animal ocupava toda a mesa, que, além de servir como nossa mesa de jantar, também era usada para o trabalho e para a cozinha. — Podemos secar a outra metade — continuei, ignorando a dor, sabendo que, por mais delicada que fosse minha fala, ainda assim faria a maior parte do trabalho. — E amanhã vou ao mercado ver quanto consigo pelas peles.
Eu dizia isso mais para mim mesma do que para eles, mas quando percebi, vi Feyre ouvindo atentamente. Escondi o apreço que senti por isso e, logo, meus olhos caíram sobre a perna machucada de Vittório, que estava esticada na frente dele, o mais perto da fogueira que conseguia chegar. O frio, a chuva ou qualquer mudança de temperatura sempre pioravam os ferimentos horríveis e deformados ao redor de seu joelho. Sua bengala estava apoiada contra a cadeira, uma bengala que Nestha e eu às vezes disputávamos para manter longe de seu alcance.
Ele poderia encontrar trabalho, se não fosse o peso da vergonha. Nestha dizia isso quase sempre, e eu nunca retrucava. Pensava o mesmo.
Eu não o odiava apenas pela sua inutilidade, ou pelo ferimento que o tornava cada vez mais fraco, nem mesmo pelo que ele me fez. Meu ódio cresceu com os anos, tornando-se cruel e irreversível. Foi quando aquele credor e seus brutamontes invadiram o chalé, batendo repetidamente no joelho dele. Nestha e Elain fugiram para o quarto, trancando a porta. Feyre e eu ficamos, e sinceramente, eu teria deixado que os homens quebrassem todos os ossos dele. Mas então, Feyre vomitou na frente da lareira, chorou e implorou. Foi só então que os homens foram embora. Nunca mais os vi.
A maior parte do dinheiro que restou foi usada para pagar o curandeiro. Vittório precisou de seis meses para sequer se levantar, e um ano inteiro antes de conseguir andar uma distância de 1,5 quilômetro. As moedas que ele trazia, compradas com o pouco que ganhava esculpindo madeira, nunca eram suficientes para manter as filhas alimentadas, muito menos satisfeitas. Ele nunca se importou quando saía para caçar, e nunca disse nada quando, cinco anos atrás, comecei uma rotina de caça por conta própria. O dinheiro tinha acabado, ele não conseguia, ou não queria se mover, e quando anunciei que eu iria caçar e me arriscar na floresta, ele não discutiu.
Eu não me importava, não de verdade. Tudo o que vinha dele eu tratava com desprezo —qualquer olhar, palavra ou atitude. Se ele havia mudado ou não, pouco importava. O passado estava ali, inalterado. Lembrei-me do acordo que fizemos há muitos anos: eu supriria suas necessidades, e ele jamais olharia para as filhas. Então, lembrei do seu orgulho ferido, daquele dia em que o encontrei no porão decadente e comecei a tirar minhas roupas. Quando percebi que ele não se animou, apenas se encolheu de vergonha. Eu não ri naquele momento, apenas o olhei, com um olhar tão frio e morto que ele demorou meses para ousar sussurrar algo na minha direção novamente.
— Eu adoraria um manto novo — disse Elain, suspirando, enquanto Nestha se levantava e declarou:
— Preciso de um novo par de botas.
Fiquei quieta, sabendo que não deveria me envolver em mais uma de suas discussões. Mas não consegui evitar olhar para as botas reluzentes de Nestha à porta, enquanto as botas que estavam ao lado delas, pequenas demais para mim, se desfaziam nas costuras, unidas apenas por cadarços puídos.
— Mas estou congelando com meu manto velho e em frangalhos — implorou Elain. — Vou tremer até a morte. — Seus olhos estavam arregalados, e sua voz tinha um tom desesperado. — Por favor, Elle.
A súplica dela era como um choro angustiado, tão forte que fez o ambiente se tornar abafado por um momento. Nesse instante, Nestha emitiu um estalo alto com a língua, antes de mandar Elain se calar.
Ignorei as duas, como se fossem apenas uma dupla de esquilos, pequenas e insignificantes, que normalmente via nas árvores lá fora. Sempre discutiam sobre quem ficaria com o dinheiro, mesmo sem tê-lo de fato.
Por um segundo, percebi Vittório agora de pé à mesa, uma das mãos apoiada contra o móvel para aliviar o peso enquanto inspecionava a corça. Meu corpo se tencionou imediatamente quando sua atenção se voltou para a enorme pele de lobo. Os dedos dele, ainda macios como os de um cavalheiro, viraram a pele e traçaram uma linha pela parte inferior ensanguentada. Seus olhos escuros se voltaram para mim, e algo em seu olhar me fez prender a respiração.
— Elle — murmurou ele, e a boca se contraiu em uma linha tensa. — Onde conseguiu isto?
— No mesmo lugar onde consegui a corça — respondi, secamente, com uma voz igualmente baixa, palavras afiadas como lâminas.
O olhar de Vittório percorreu todo o meu corpo, parando nos ferimentos recém-costurados, ainda evidentes pelo tecido rasgado da minha roupa.
— Elle... o risco... — Ele hesitou, os olhos se estreitando enquanto falava, claramente preocupado.
Ele parou, piscou, quando recebeu outro olhar de minha parte; frio, morto, tão vazio que parecia um abismo. Vi-o estremecer, o corpo encolhendo ligeiramente, quando ele baixou os olhos para o sangue que estava preso sob minhas unhas. Meu dedo se apertou em torno da protuberância na minha mão, as pequenas cicatrizes visíveis.
Ergui o queixo, um gesto firme, e disse:
— Simplesmente não é da sua conta.
Eu poderia ter dito mais. Queria ter falado palavras cruéis, coisas que talvez o fizessem sentir algo, como: Você sequer se dá o trabalho de tentar sair de casa. Se não fosse por mim, ou pela escolha de Feyre, já estariam mortos de fome. Mas eu não disse. A opinião estava evidente em meu rosto. Só apertei minha mão esquerda mais forte, e ele, finalmente, desistiu.
— Feyre — ele se virou para ela, fechando os olhos como se tentasse se conter.
Feyre o ignorou, apenas me seguiu quando olhamos para nossas irmãs, que estavam agora em silêncio. No momento em que vimos Nestha enrugar o nariz e fungar, Elain pegou o manto de Feyre. Então, a voz cortante de Nestha preencheu a sala.
— Você fede a porco coberto pelos próprios excrementos. Igual a Elle, ou até pior. Não consegue, ao menos, fingir que não é uma camponesa ignorante? Tire essas roupas nojentas.
Prevendo a discussão que se seguiria, decidi interromper antes que a tensão se espalhasse ainda mais.
— Pode colocar uma panela de água no fogo e lenha na lareira? — Perguntei, mas ao olhar para a pilha de madeira, percebi que restava apenas um pedaço de lenha. — Achei que iriam cortar lenha hoje.
Nestha limpou as longas unhas cuidadosamente, sem sequer olhar para mim.
— Odeio cortar lenha. Sempre fico com farpas. — Ela me lançou um olhar por baixo dos cílios, aquele olhar que sempre me fazia lembrar da mulher que eu chamava de mãe. — Além do mais, Elle — disse ela, fazendo um biquinho — você é muito melhor nisso! Leva metade do tempo que eu levo. Suas mãos são melhores para isso... já são tão ásperas.
A raiva borbulhou dentro de mim, mas me contive.
— Tudo bem — respondi calmamente, sabendo que isso seria o suficiente para irritá-la. — Se você não se levantar ao amanhecer para cortar a lenha... — Eu tirei a parte superior da túnica, sem pressa. — Comeremos o café da manhã frio.
As sobrancelhas de Nestha se uniram com frustração.
— Não vou fazer tal coisa!
Mas eu já estava me dirigindo para o segundo quarto, o pequeno onde todas nós dormíamos. Elain murmurou uma súplica baixa para Nestha, que a respondeu com um sibilo. Antes de entrar no quarto, parei e apoiei a mão na parede velha, olhando por cima do ombro para ela. O olhar de Nestha era gelado, implacável. Uma tempestade de amargura, ameaçando destruir tudo em seu caminho... Mas não eu. Não a minha muralha.
— Melhor dizendo, corte a maldita lenha ou você vai comer o café da manhã frio — falei sem qualquer intenção de ser agradável. — Preparem as facas, vou sair logo.
Eu sabia que a provocação estava no limite, mas algo me dizia que ela não ousaria ir até o fim. Ela nunca ia longe o suficiente para isso.
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