Capítulo 1
Antonella
— San Francesco d'Assisi...
Eu corria e rezava ao padroeiro pedindo ajuda. Meus pulmões queimavam, mas eu continuava correndo. Passei pela cerca de arame e me arranhei toda, mas precisava aproveitar a oportunidade, foi a segunda em muito tempo.
Carlo tinha se tornado tão tóxico quanto agressivo com o passar dos anos e eu me perguntava em que momento eu não notei a mudança e aceitei me tornar a casca da mulher que sempre fui. Era quase como uma escrava ou um animal de estimação maltratado.
Corri em meio ao parreiral e eu sabia que o território que eu me encontrava era inimigo de Carlo, mas era o único jeito de eu conseguir ficar a salva sem ele me encontrar e me matar.
O monstro que havia escolhido para me salvar tinha sido minha ruína e já havia dito que se me pegasse fugindo de novo, seria a última vez e o meu final seria o inferno.
Ele foi a escolha que me pareceu mais fácil depois que me vi sozinha no mundo, minha mãe morreu me deixou sem saída e eu precisava de ajuda. Então, me apoiar no rapaz que me desejava na adolescência e tinha um pouco para me oferecer foi o que me pareceu mais certo, mal sabia eu que era o mais errado.
Eu não o amava, mas tinha apenas dezoito anos e o dono do meu coração vivia longe demais para me ajudar quando eu precisei.
Domenico de Luca tinha sido meu primeiro homem e a quem eu entreguei meu corpo e coração de forma tão intensa quanto podia, mas ele tinha a posição social melhor que a minha, muito melhor. Era herdeiro de um império do vinho, estudava no melhor colégio da Itália e tinha tanto dinheiro quanto beleza.
Só nos víamos nos verões e foi nele que dei o primeiro beijo, tive a minha primeira vez e ele foi meu primeiro e único amor.
Enquanto corria, com os olhos cheios de lágrimas me lembrei do verão em que tudo terminou. Foi quando fiquei órfã e decidi que não queria ser apenas a mulher que Domenico encontrava quando estava de férias ou a garota patética que ele teria que carregar como um fardo por eu não ter mais ninguém na vida, então quando ele chegou em Piemonte, comecei um namoro com Carlo, justamente Carlo que ele odiava.
Nunca esqueci o olhar de Dom ao me ver com o seu desafeto. Os dois nunca se deram bem e sempre que se encontravam nos verões que Domenico voltava para Piemonte, brigavam por qual motivo fosse, mas na maioria das vezes o motivo era eu.
Talvez por isso Carlo me pareceu o alvo certo para fazer Dom me esquecer e com ele recomeçar a minha vida, mas só acabei com ela.
A família de Carlo era dona da propriedade vizinha e minha mãe trabalhava para os seus pais, já os pais de Domenico eram donos das terras ao lado das de Carlo, muitos e muitos hectares de parreirais e a maior vinícola de Piemonte.
Os pais de Carlo não eram, nem de perto, tão ricos quanto os De Luca, mas tinham posses e pensei ser uma opção para não ficar na rua. Se eu soubesse que era a pior escolha que eu fazia, preferia ter virado uma sem teto.
Com o tempo pensei que podia gostar de Carlo, mas desgostei conforme me prendeu, me bateu e me fez de escrava até chegarmos àquele momento.
Vivi assim por dez anos e enquanto meus pulmões queimavam com a corrida para me manter viva, eu pensava que precisava esquecer o passado e focar no futuro, mesmo que eu tivesse na propriedade do homem que sempre amei.
Eu olhava para trás e o desespero me tomava por completo, medo de estar sendo seguida por um dos homens de Carlo, mas quando não aguentava mais correr e pensei me ver longe o suficiente para andar mais devagar, deixei meu corpo cansado cair em meio às ruas do parreiral dos De Luca e puxei o ar algumas vezes.
Dio mio! Eu consegui.
Chorei tentando me consolar, sozinha e me sentindo uma merda. O que fiz com a minha vida?
Quando Carlo chegasse e notasse que esqueceu a porta aberta por causa da bebedeira, sairia atrás de mim.
Olhei em volta em desespero.
Claro que os De Lucca não me aceitariam ali, na realidade, eu não sabia se moravam na propriedade, a última coisa que eu soube ouvindo por alto conversas de Carlo, foi que a família tinha saído de Turim.
Não sabia se Domenico tinha assumido os negócios, não soube notícias dele nos últimos anos, a única foi que havia se formado em Agronomia e até senti uma pontada de esperança que tivesse retornado e tomado conta da famosa vinícola.
Stupida! Como se isso mudasse algo caso fosse ele a estar na fazenda e não seus pais. Provavelmente me odiava e me restava me esconder até poder ir para longe de Turim, capital de Piemonte e cidade onde morávamos, depois Piemonte e quem sabe até da Itália.
Como? Com que dinheiro?
Carlo me encontraria no primeiro minuto fora da propriedade do De Luca.
Olhei para o alto e o sol ia se pôr em breve, ao longe eu conseguia ver a mansão gigantesca que o meu amor do passado era dono. Provavelmente se eu chegasse lá naquele momento seria vista por câmeras ou funcionários, então me restava esperar até escurecer e aí tentar a sorte.
Olhei para as minhas pernas e estavam cheias de arranhões, alguns escorriam sangue... mas eu estava viva e era o que importava.
Por enquanto.
A noite caiu, esperei as luzes diminuírem ao longe e andei por entre o enorme parreiral, me esgueirando para não ser vista.
Eu usava uma blusa bege, tão velha quanto era possível e uma calça manchada que me deixava parecendo uma moradora de rua. Era o jeito que Carlo usava para me intimidar.
Analisei a cor clara da peça e eu me tornaria mais visível na escuridão.
Olhei em volta tentando bolar um plano e vi uma poça de lama. Sem pensar duas vezes tirei a blusa que me aquecia do frio que estava congelante naquela noite e esfreguei na lama, depois voltei a vesti-la.
Minha pele se arrepiou e fechei os olhos. Era preciso para me manter camuflada e viva. Podia facilmente levar um tiro naquela escuridão.
Quando não ouvia mais barulho nenhum a não ser do meu queixo batendo de frio, juntei a pouca coragem que me restava e segui para casa. Eu me lembrava bem como era, ainda que tivesse passado anos desde a última vez que estive ali.
Era uma enorme casa marrom, com muitos cômodos e janelas para todos os lados, seria fácil alguém me ver, mas como uma rata eu ia me esgueirar pelos cantos até encontrar um lugar seguro para me esconder.
Passei pela área da piscina enorme, cheia de espreguiçadeiras e após subir alguns lances de escada segui pelos fundos e cheguei à uma porta lateral, forcei-a e, para a minha sorte, ela abriu. Respirei fundo e agradeci meu pequeno presente.
Entrei no cômodo calmamente e pé com pé, com medo de encontrar pelo caminho alguém que me desse um tiro, mas de novo como um pequeno presente do destino, não vi ninguém e percebi que ali era uma espécie de despensa, em que a porta para a área externa era usada para abastecê-la.
Dei graças aos céus por isso, ao menos conseguiria comer alguma coisa, já que eu me via cheia de fome.
Tinham várias prateleiras abarrotadas de comida e eu me perguntava se a casa estava cheia de gente. Perguntei-me se Domenico tinha se casado, já tinha trinta anos, provavelmente sim.
Uma pontada de ciúme me tomou como se eu ainda fosse a jovem inocente que se entregou para ele.
Engoli em seco e afastei as lembranças. Eu não tinha mais tempo para contos de fadas, minha vida era uma grande bagunça para pensar em amor.
Tirei a blusa molhada e encontrei um saco de lixo que usei para me cobrir, peguei um pacote de biscoito de coco e como uma morta de fome comi, fechando os olhos com a sensação boa que era forrar o estômago cheio de fome.
Por ora eu ficaria ali e no dia seguinte veria o que fazer da minha vida.
Acabei pegando no sono num canto escondido e me via tão cansada que não foi difícil me entregar a ele e praticamente desmaiar ao adormecer.
Algum tempo depois, acordei assustada, ouvindo barulho do lado de fora e com o coração batendo acelerado. Levantei-me em um pulo e juntei tudo que pudesse entregar a minha passagem pelo lugar, rapidamente limpei algumas marcas de lama e me escondi em um canto, entre uma das prateleiras pesadas de madeira e a parede.
Meu coração batia acelerado, mas me acalmava pensando que provavelmente ninguém permanecia muito tempo naquele cômodo, era um espaço onde as pessoas pegavam comida e saíam, então se eu me mantivesse quieta e imóvel, escondida no canto não me veriam ali.
Ouvi o barulho da porta de madeira se abrindo e em seguida vi uma mulher com cabelos brancos entrando. Eu a conhecia, era empregada da vinícola De Luca desde a época em que estive na grande casa a primeira vez.
Ela pegou alguns enlatados e ia sair, mas olhou para o chão e juntou as sobrancelhas, como se analisasse algo. E analisava, tinha uma mancha de barro.
Meu coração acelerou e eu me encolhi ainda mais, pedindo a Dio que me protegesse.
— Che palle! Dio Mio! Quem entrou com os pés sujos de barro na despensa. Io, mato o maledetto! Questa casa enorme para as empregadas limparem e ainda sujam de propósito!
Com as mãos para o alto a mulher saiu xingando e eu me mantive no mesmo lugar, mal respirando. Minutos depois ela voltou com um pano, analisou a mancha de barro e xingou sem parar dizendo que quella sujeira não tinha formato e só podia ser de rato.
Quando tudo ficou em silêncio respirei. Aquela casa tinha muitos empregados e eu teria que me resguardar se não quisesse ser pega.
Passei muito tempo, sem comer, beber ou me levantar de tanto medo de ser pega, posta para fora e entregue a Carlo. Nem sabia que horas eram ou quanto tempo se passou. Lutei o quanto pude contra o sono, mas acabei adormecendo tomada pelo medo e cansaço.
Quando acordei, dei um pulo ao encontrar duas pessoas me olhando, uma delas era o meu amor do passado, tão lindo quanto sempre foi e me encarava como se eu fosse um bicho acuado.
O que eu era.
Meu Deus
Que merda! Meu Deus!
Eu mato o maldito.
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