♤ VINTE E DOIS ♤
Não é todos os dias que se pode ver a luz da aurora, às vezes é preciso acostumar-se com os dias de chuva…
— Minha estrela, venha me ajudar aqui! — Chamo a minha irmã que não se encontra muito distante.
A recuperação de Belle tem seguido de maneira lenta, embora, aos poucos, ela tenha progredido de forma que tem conseguindo falar e se alimentar sozinha. No entanto, outras funções essenciais de seu corpo ainda estão prejudicadas.
Cefeida tem sido muito importante para ela, à noite ela vem treinar a coordenação motora e busca fazer algumas brincadeiras com Belle para entretê-la. Valentin passou a nos visitar diariamente, às vezes traz doces e fica de olho em Belle enquanto vou realizar alguns serviços e tarefas que sou obrigada: como estudar e participar de reuniões avaliativas. Diante disso, ultimamente, minha vida tem sido exclusivamente dedicada a tentar fazer com que a garota melhore e sua recuperação seja menos dolorosa possível. É o mínimo, visto que me encarreguei dos seus cuidados.
— O que devo fazer? — Cefeida questiona após eu terminar de lavar Belle, que ainda não consegue banhar-se sozinha.
— Penteie os cabelos de Belle enquanto lhe ponho uma roupa — oriento.
Enquanto a agasalho, às vezes, observo que ela muda a direção da face com vergonha de outra pessoa a ver despida. Antes era somente nós duas, mas com o passar dos dias o cansaço foi se tornando maior que a força de vontade de não constrangê-la; uma vez que somente Cefeida permanece no aposento enquanto a troco. Belle tem dezesseis anos e é tão quieta que temo estar diante de uma boneca minimamente falante. Monitoro o processo que Cefeida executa: secar com a toalha os fios encaracolados e penteá-los com um pouco de creme, para deixá-los modelados como ela sempre aparentava gostar.
— Belle, deseja que eu vá buscar seu almoço? — questiona minha irmã após terminar o seu serviço.
— Sim, se não for incômodo.
Cefeida sorri para a moça que retribui sem jeito e a minha sai rapidamente, nós deixando sozinhas.
— Quer ver como está? — indago, desejando que ela se veja e perceba o quanto melhorou.
A vejo assentir com a cabeça e ponho o espelho de frente para ela. Alguns dias atrás, busquei os seus vestidos em seu aposento para que se sentisse o mais confortável possível. Com os dias que passou desacordada, ela perdera peso e os seus fios de cabelo se tornaram quebradiços, tive que aparar as pontas e o comprimento longo, agora, está com alguns centímetros a menos de diferença. A vislumbro observar o vestido creme de seda com pequenas pedrinhas opacas, semelhantes ao tom do tecido. Ela sorri satisfeita com a sua aparência e me sinto aliviada, felizem vê-la bem disposta.
— Deseja conversar comigo? — pergunto ao vê-la remexer os dedos inquieta. Belle permanece calada por um instante e volta o seu corpo para ficar de frente a mim.
— Obrigada por cuidar de mim, não sei o que teria acontecido se não fosse a senhorita. — Sua voz é um tanto baixa, seus olhos marejados me indicam que o seu agradecimento é verdadeiro e busco gentilmente as suas mãos para confortá-la.
— A partir daquele dia você se tornou minha irmã, Belle, e assim como faria com Cefeida não poderia deixar que padecesse — digo e a observo limpar uma lágrima com o dorso de sua mão. — Jamais permitiria que lhe machucassem outra vez.
— Eu conseguia ouvir tudo, mesmo desacordada. Ouvi meus pais falarem que me levaria para casa e entrei em desespero internamente, ainda não tinha tido a motivação para lutar até aquele momento. Imaginei que você deixaria que eu fosse com eles, que me mandaria embora… — Ela faz uma pausa e engole em seco. — Estaria morta agora, meus pais são inquisidores e fazem de tudo por sua rainha, muitas das coisas que fiz não foi vontade própria e sim porque eles me obrigaram a fazê-lo. Não quero voltar para casa e só por esse motivo fiquei com raiva de Cefeida, por ela ter conquistado o príncipe Ângelo e, com isso, eu teria que regressar para Limbell. Ele era a oportunidade que tinha de sair da guarda da minha família, daquele lar doentio.
Sinto um tremor invadir o meu corpo, a simples menção de alguém dizer que sentiu raiva de Cefeida parece errado, estranho e sem sentido. Ela nunca fizera nada de errado e o fato de amar Ângelo também não foi por maldade. Penso que pessoas em situações de risco podem tomar decisões precipitadas e não levarei o que dissera para o lado pessoal.
Respiro fundo.
— Belle, acredite em mim. Ninguém te levará a força, não precisa voltar para a sua casa se não quiser e, se não for seu desejo, não precisa se casar para ser livre, como anseia. Agora, preciso saber o porquê de tentarem lhe matar.
Percebo a sua inquietação e o seu peito subir e descer em um novo ritmo acelerado. Ela engole em seco, provavelmente se questionando sobre algo que não posso ter ideia, embora suspeite.
— Eu neguei fazer um serviço a um determinado alguém, ela disse que acharia outra pessoa e que estava tudo bem. Eu não iria falar nada para ninguém, no entanto, ela preferiu me tirar a vida — confessa e, apesar de não citar nomes, o ela foi constante em suas poucas palavras.
— Seja verdadeira, não irei contar a ninguém o que me disser agora. Se trata da rainha Stella Maris? — A indagação se esvai de meus lábios rapidamente.
Belle volta às vistas para a janela, observando o dia claro e fresco que ela não poderá aproveitar. Eu sinto falta de estar fora do quarto junto aos outros, todavia imagino ela que está aqui há dias e sem previsão de quanto sentirá o sol em sua face outra vez.
— Sim, foi ela! — revela e solto um suspiro que não senti prender.
— Obrigada! — agradeci por sua confiança, uma vez que já tinha certeza de quem seria, só precisava ouvir de seus lábios e saber se ela falaria a verdade.
— Já sabia, não é? — Deseja saber. Seus olhos são mais questionadores que suas palavras e não penso em mentir, jamais mentiria para ela.
— Sim, as vi conversando outro dia.
— Também suspeitava disso. Notei uma aproximação estranha, entretanto, não comentei nada com Stella, não cabia a mim prejudicar mais alguém. — Sorrio para ela, talvez eu esteja acostumada a pensar que Belle precisa de gestos de conforto como um simples sorriso.
— Para mim não interessa as ações de outrora, o que importa é o que fará daqui por diante e de qual lado estará nessa batalha.
— Não anseio ser envenenada novamente — diz ela com uma feição tristonha, a pele pálida e sua preocupação aparente.
— E não permitirei que isso aconteça! — garanto.
Com o estresse dos dias, preciso ocupar minha mente de alguma maneira. Como o treinamento das meninas iniciam depois do toque de recolher, estou ciente que posso treinar às cinco da manhã que ninguém estará lá para tirar minha atenção do saco de pancadas. Dara está no quarto com a Belle e sei que ela não deixará ninguém entrar nele, a menos que haja uma tentativa de arrombamento.
Os falatórios sobre quem poderia ter feito a atrocidade com Belle diminuiu, contudo, as investigações prosseguirão até encontrarem um culpado; o que será impossível, já que sabemos quem é a culpada e o que ela pode tentar novamente.
Deixo tudo pronto para iniciar o treinamento quando ouço a porta sendo aberta, termino de me trocar e, ao sair, vejo Valentin sentado sobre o tapete.
— Vi quando saiu de seu aposento — explica, ao notar que o observo com o cenho franzido.
— E o que veio fazer aqui? — questiono assistindo à confusão em seu olhar.
Ultimamente Valentin tem tentado de todas as maneiras se fazer presente, comparando-se com meu parceiro, o que não me agrada. O que eu e Derek temos são assuntos mal resolvidos, porém que ainda pretendo resolver.
— Preciso te ver, longe de tudo e de todos — assevera.
Desejo lhe dizer que pare de galanteios, que não é o momento para isso.
— Valentin… — Inicio, porém, sou interrompida.
— Jade, não tente disfarçar, por favor. Percebo que você e Derek já não estão tão próximos desde o dia que se prontificou a salvar a vida de Belle. Ele não sente o mesmo orgulho que eu, nem a mesma vontade de te fazer maior do que já é.
Não posso negar, com minha proteção à Belle posso observar um lado que não sabia existir em Derek. Ele em nenhum momento se prontificou a nos ajudar em algo, mas não é por isso que deixarei de gostar dele, talvez isso remeta ao seu passado, um bloqueio que não consigo quebrar. Há tanto a saber... mas os problemas vêm surgindo rapidamente e não consigo acompanhar tantos acontecimentos de uma só vez.
— Por favor, não se meta na minha vida. Não quero deixar de ser sua amiga e, caso o faça, terei que me afastar de você — aviso. O acompanho com os meus olhos enquanto ele se aproxima, ficando a poucos centímetros de distância.
— Por que? Só quero que me diga o porquê de sua relutância!
Busco as palavras certas para explicar o que está óbvio. Se eu ainda desejo um futuro ao lado de Derek, não posso permitir que Valentin tenha a mim como alguém em quem pode investir. Creio que possa falar a verdade distorcendo os fatos, uma vez que não desejo magoá-lo.
— Porque, de certa forma, você torna minha vida mais bagunçada do que já é… Não sou capaz de mudar o passado, Valentin, mas posso tentar decidir, a minha maneira, o que desejo para o meu futuro.
O vejo partir sem nada dizer e compreendo que é melhor seguir assim: sem confundir ainda mais a nossa amizade.
Então, as imagens do nosso encontro surgem em minha memória e penso que se, no momento em que o vi sentado no café, soubesse que não seria mais a mesma após conhecê-lo, talvez, somente talvez, não mudasse nem um pouco daquele dia…
Sonhos são apenas os desejos que temos em nosso subconsciente, visões daquilo que desejamos como algo a ser realizável. Eu tinha um sonho, contudo ele não poderia ser realizado no momento ou nunca mais.
Quando fui convocada para o jantar desta noite pensei em quebrar todas as paredes do palácio, me desfazer de tudo e partir para bem longe, um lugar em que estivesse segura. Ninguém entende a minha irritação, a minha súbita mudança de humor, meu estranho descontentamento. Seria fácil confirmar que não foi nada, que está tudo bem, se o meu pai não houvesse me mandado uma carta codificada em línguas oficiais Ulyerianas — impossível de ser lida por outra pessoa além da rainha Mallory Engel. Nela está claramente pontilhada os canais de fuga de Prylea e Limbell, toda a rota por um túnel subterrâneo.
Sinto as lágrimas caírem de meus olhos incessantemente, era como se tudo que eu havia imaginado estivesse prestes a iniciar, não era apenas uma criação da minha imaginação, era o fim da calmaria em seu primeiro percurso. Só queria que tudo tivesse sido em vão; o treinamento das meninas, a minha investigação, o ferimento que fizeram em meu pai, entretanto, no momento em que sentei à mesa e ouvi da rainha de Limbell o pronunciamento oficial do baile em seu reino, soube que não estava errada, que não existia mais tempo para que eu pudesse me preparar.
A guerra se aproxima e é chegada a hora de pôr as armas sobre a mesa e a armadura junto a alma.
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