♤ VINTE ♤
Porque foi olhando em direção ao céu que ela pôde ver as estrelas…
Sei qual o antídoto certo para anular o efeito do veneno e vou usá-lo para salvá-la.
Ordeno que vão buscar cápsulas vitamínicas e retiro Belle dos braços de Ângelo, a colocando sentada com seu corpo apoiado em mim. Ergo a cabeça dela e vejo os seus olhos revirados, seu corpo perdendo vida e também a coloração rosada de duas bochechas. Em poucos instantes, trazem água e as cápsulas que solicitei. Sem qualquer delicadeza, introduzo várias em sua garganta e a faço engolir tudo inconscientemente; meu vestido antes limpo agora está completamente manchado por seu sangue, que se esvai de boa parte dos seus orifícios visíveis. Ouço o choro de algumas meninas e reconheço a curiosidade de muitas, embora ninguém tenha preparo para seguir com o protocolo de primeiros socorros.
— Ângelo, por favor, me ajude a levá-la para meu quarto! — Ângelo a segura e põe em seus braços, seguindo junto a mim em direção ao meu aposento. Dara, assim que vê o estado da garota, fica perplexa e com os olhos esbugalhados, visto que a visão não é das mais belas.
— Dara, preciso que me ajude a tirar todas essas camadas de roupa. Ângelo, vá em busca de um médico o mais rápido que conseguir. Não tenho ciência se o que fiz irá resolver o problema em sua totalidade, mas sei que ajudará a cortar o efeito do “veneno”. — Ambos fazem o que peço e ponho uma pilha de travesseiros para apoiar a cabeça de Belle, enquanto a ajeito sobre a cama.
— O que aconteceu com a menina? — questiona Dara preocupa com o estado da garota, quando nem mesmo eu considerei em qualquer instante que tentariam isso contra ela.
— Doses exacerbadas de anticoagulantes — explico de maneira sucinta. Dara encontra-se ainda mais exasperada após saber a verdade, a aflição estampada em sua face e na tremedeira visível em suas mãos.
— Ela está desacordada? — indaga minha amiga. Verifico os olhos de Belle e vejo apenas a parte embranquecida, as íris distantes.
— Provavelmente. Busque algodão, água limpa, uma bacia, toalhas e uma camisola. Não devemos deixá-la com roupas tão quentes. O sangue precisa circular — solicito, agradecendo aos céus por papai sempre me ensinar sobre golpes de estado e as maneiras mais sutis de se fazê-lo, além de me auxiliar em questões de socorro iminente. Contudo, penso que poderia ter sido eu ou Cefeida, caso não houvesse desconfiado a tempo e sem alguém preparado, nós não teríamos a mesma sorte de Belle.
Enquanto Zedara busca o que solicitei, abro as janelas e termino de despi-la. O corpo de Belle está tão instável quanto um corpo de um recém-nascido, a dose ministrada foi em quantidade fatal, para que em casos de socorro tardio não houvesse a possibilidade de sobrevivência.
Warfarina em excesso pode causar hemorragia interna, o que vimos não é nem o início do que ocorre dentro dela. Por sorte, mamãe também me ensinou que alguns medicamentos podem ter efeitos diferentes, mais antídotos comuns. Observo Cefeida entrar no quarto ajudando Dara com algumas coisas, proibi a entrada das demais pessoas, a agitação só atrapalha nesses instantes. Prossegui com o processo de limpeza, por sorte apenas houve erupção através dos seus ouvidos, nariz e boca e apenas poucas partes foram afetadas, caso sangrasse pelos olhos ela poderia ficar sem enxergar por um tempo ou para sempre.
Após limpá-la, sinto sua pulsação ainda frágil e lenta, o seu corpo estremesse como se ela estivesse no lugar mais frio do mundo. Apanho um cobertor e a cubro apenas nas pernas, para que o restante da pele termine de expulsar o medicamento. Em seu delírio, a vejo balbuciar, uma reação aos espasmos intensos e involuntários que assisto por conta da lesão sofrida.
Depois de uma hora ouço batidas em minha porta, Dara inspeciona temerosa e em alerta. Ângelo surge com o doutor e, com a entrada permitida, ele prontamente vem em nossa direção para examiná-la. Os próximos minutos são angustiantes, visto não sabermos se fizemos tudo o que era necessário no primeiro momento.
Com todos os procedimentos realizados, o doutor me agradece pelo feito e diz o quanto a nossa ajuda fora de suma importância para que Belle estivesse viva. Ele receita alguns medicamentos e aplica injeções que a farão sentir menos dor enquanto permanece inconsciente, embora estável. Temo deixá-la no quarto sozinha e, por isso, não saio do seu lado em momento algum.
Com todo acontecimento, permaneci uma semana de vigília em meu quarto e aos poucos fui permitindo que as meninas viessem visitá-la; muitas ainda estão assustadas por presenciar a cena de horror e seguem temerosas pela vida da garota, que ainda não despertou. Não participei dos treinamentos iniciais, no entanto, estou ciente de que algumas possuem grande potencial para as forças armadas e outras para o combate físico. Cefeida vem todos os dias me contar o seu progresso e das demais, o que me fortalece a prosseguir em minha posição.
Dara está ingressando gradualmente, visto ser ela quem mais me auxilia nesse momento fatigante. Como Belle ainda está inconsciente, não é fácil alimentá-la e limpá-la, às vezes me preocupo se ela ficará assim por muito tempo e temo não saber o que fazer ou como mudar a sua situação.
Todavia, detenho a certeza de que se enviarem ela de volta para casa, como muitos aconselham às rainhas, ela não ficará viva por muito mais tempo. Por alguma razão que desconheço, sinto que sua vida, agora, é minha responsabilidade; não importa o que fez ou o que deixou de fazer, a vida deu a ela uma nova oportunidade para fazer as coisas diferentes e lutar do lado correto, basta somente que ela a agarre com todas as suas forças.
Somente hoje a rainha Stella autorizou a visita dos pais de Belle e preciso convencê-los que o melhor e mais seguro é que ela permaneça comigo. Ponho uma roupa apresentável e admirando a minha feição no espelho vejo meu reflexo pálido, cansado, aos farrapos e rogo todos os dias que não escolham esse momento para iniciar um confronto ou eu estarei mais perdida e despreparada que nunca. Desde que Belle foi envenenada, pouco tenho contato com meus pais e raramente me chega alguma nova informação a respeito de nossa segurança.
Quando a família Roriz se apresenta em Prylea sinto-me nervosa, noto o suor em minhas mãos e o incessante balançar de pernas. Eles são corteses e diferentes de alguns Limbellianos que conheço. Os deixo a sós, para que de certa forma fiquem com a filha de um modo mais reservado, no entanto, não garanto que sairei da soleira da porta, no qual ficarei a espreita. Ainda no aguardo, Derek surge para ficar ao meu lado, enquanto espero ansiosamente a vinda deles ao meu encontro, para que tenhamos a conversa decisiva.
— Senhorita Haas! — ouço a mãe de Bella me convocar e adentro o cômodo deixando Derek no encosto da porta, estático, tão desprovido de certeza quanto eu.
— Sim, em que posso ajudá-la? — indago, sentindo um frio incessante em minhas entranhas. O medo.
A mãe de Belle, assim como a ela, é jovem e bonita. Os cabelos loiros e encaracolados vão até à cintura modelada, os olhos são de um tom castanho-claro e a pele tão alva quanto os flocos de neve do inverno. Vejo que para informar a decisão ela segura com firmeza a mão de seu esposo e volta o seu olhar em direção ao meu.
— Não temos mais motivos para deixar nossa menina em Prylea, essa avaliação foi longe demais e olhe o que fizeram com minha Belle? Levarei minha filha para casa, ela ficará segura em nosso lar — assegura e respiro profundamente, compreendendo que os meus pais fariam o mesmo. Me direciono para a janela e fico ao lado de Belle, na cabeceira de seu leito, imaginando se ela nos ouve.
— Entendo perfeitamente que querem ela ao lado da família, no entanto, peço que a deixe. Cuidarei dela com todo zelo e carinho, como tenho feito na última semana. Respeito a decisão de vocês, mas não podem escolher por ela, não nesse estado em que ela se encontra.
A senhora Roriz me encara aturdida e seu semblante me informa que não será fácil mudar a sua decisão e não posso jogar as minhas suspeitas sobre a sua majestade, que ficará ainda mais próxima da menina para findar com o serviço.
— Não pode querer ser melhor que os pais dela! Acha justo que, depois de todo esse infortúnio, minha filha fique ao lado de pessoas que tentaram machucá-la? Eu não posso per… — A sua fala é interrompida por algo que aguardava ansiosamente nesses últimos dias, percebo um leve toque em meus dedos e volto minha atenção para Belle que está com seus olhos abertos, tão vívidos que poderia jurar que nada lhe houvera acontecido. Sorrio para ela e seus pais iniciam um choro contido, ao tempo que a jovem grunhe, possibilidade sentindo qualquer desconforto.
— Minha filha! — diz o senhor Roriz com os olhos cobertos de lágrimas. — Voltaremos todos para casa hoje mesmo! — completa imerso em um mar de lágrimas.
Feito uma criança, Belle gruda-se a mim e meneia a cabeça em negativa. Um vinco se forma na face de sua mãe e seu pai passa as mãos sobre os cabelos grisalhos, o bigode espesso erguendo-se com o seu choro, provavelmente sem entender o que de fato está acontecendo na consciência da jovem. Belle tenta ter forças para continuar a me manter ao seu lado e garanto, calmamente, para ela que não a deixarei, mesmo que tentem me obrigar a fazê-lo. Ainda assim, os pais da garota vêm ao seu encontro e sinto, que apesar de tudo, eles aceitarão a sua escolha.
— Será que podemos conversar… todos juntos? — inicia a senhora Roriz e faço que sim, dando mais espaço para que se acheguem mais a filha.
Com muito tempo de conversa, entre os pais de Belle e eu, decidiu-se que será feita a vontade da garota e não de seus pais. Belle não falou nada todo o tempo, apenas passava o olhar de um lado para outro, dando as suas respostas com acenos curtos e um balançar de cabeça, embora deixasse aparente em seu olhar que era aqui que ela desejava permanecer. A família Roriz regressou para o reino no fim da tarde, garantindo que a visitaria assim que possível, já que não poderiam se ausentar das funções do Conselho Real por dias; principalmente com rainha Stella tão inconstante em suas decisões.
Nesse instante, estamos apenas Belle e eu em meu aposento, e por instinto fraternal a abraço, agradecendo aos céus por essa graça que nos foi dada. Eu a vi desfalecer em meus braços, com a feição moribunda de alguém que poderia perder a vida.
— Sabe quem fez isso com você? — questiono para uma moça pálida, com as roupas grudadas no corpo, por conta da febre e do suor constante, e olheiras profundas abaixo dos olhos. Belle faz que sim com a cabeça, me encorajando a prosseguir com minhas indagações. — Quer conversar sobre isso agora? — prossigo, mesmo que saiba internamente quem possa tê-lo feito.
Ela faz que sim novamente, no entanto, creio que não é o momento ideal para esse diálogo; ela a pouco despertou, após dias imersa no escuro, e não seria o mais apropriado enchê-la de perguntas que poderiam ser respondidas em outro dia.
— Não se preocupe, Belle, não sairei daqui, ficarei ao seu lado até o tempo que for necessário. Aqui estará segura, garanto, ninguém tentará nada contra você, pois terá que passar por cima de mim e não sou um alvo tão fácil de abater…
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