♤ UM ♤
Enquanto ouvia o chilrear dos pássaros imaginava que eles cantavam para ela.
— Como está se sentindo, Cefeida? — questiono, enquanto analiso o olhar de minha irmãzinha. Reconheço sua angústia, presente em cada gesto, e tento não demonstrar a minha.
— Estou bem, apenas não imaginei ter que participar das avaliações tão cedo. — responde ela. Eu já aguardava a convocação desde os dezesseis anos, porém, meus pais não me surpreenderam com a anunciação, aguardaram um ano a mais do programado para informar que me enviaram para avaliação e não poderia haver qualquer objeção. Cefeida tem apenas quinze e pensara que tinha mais um ano para se preparar quando recebeu a notícia, presumo que para ela seja mais difícil.
— Não se preocupe, daremos um jeito nisso. Papai mudará de ideia quando cair em si, ele não entregará suas únicas filhas para o matrimônio. É fogo de palha, jogo de poderes e, além do mais, podemos voltar para casa. Nada é certo. — argumento. Seguro os dedos finos e gélidos de Cefeida, há uma semana aguardamos a visita real em nossa casa. Mamãe nos faz ficar apresentáveis diariamente regulando nossa refeição e modos. Nossa governanta prepara os melhores doces e chás da província. Não vamos à escola, sequer praticamos nossas artes, só sentamos no estofado negro e aguardamos a ilustríssima visita das “incríveis” pessoas reais.
— E se não gostarem de mim? — indaga minha irmã, segurando seus fios claros. Sorrio com sua preocupação e temo pelos próximos dias, pois, o meu anseio é o inverso do seu. Temo ter que casar-me com alguém que não sinto afeto, com alguém que apenas disse sim no fim de tudo.
— Não se preocupe com isso, serão loucos se não gostarem e estarei ao seu lado todo o tempo. Todos se encantam com você, minha pequena estrela, não tenha dúvidas disso. — digo, buscando uma calma interior que não costumo ter e constato não surtir efeito.
— Senhoritas, o senhor e a senhora Haas estão aguardando-as junto a Sua Majestade que Reina Serena, Mallory Engel. — diz nossa governanta ao adentrar o cômodo abruptamente, fico enjoada só de aguardar o nome de nossa rainha ser dito com todas as pompas que Amélia não deixa escapar.
— Somente a rainha veio, Amélia? — questiono, já sentindo a preocupação aparente na face de Cefeida, por ter que encontrar um certo príncipe nesse primeiro momento.
— Somente a rainha, senhorita Haas. — assinto e vejo Amélia retirar-se da sala.
— E agora, o que faremos? — questiona Cefeida ao mesmo tempo, que me inspeciona, com seus lindos e grandes olhos verdes-azulados, e como uma boa irmã mais velha, que procuro ser, tento tranquilizá-la.
— Não faremos nada por agora, papai e mamãe ficarão encrencados se fizermos algo de errado. Agora vamos, pois quanto mais cedo tudo isso acabar será melhor.— asseguro enquanto saímos do quarto e fomos de mãos dadas para a sala de visitas.
Tento olhar para os detalhes da casa, as paredes de tom creme decoradas com entalhes em gesso, o piso de porcelanato amadeirado, as cortinas negras e bordadas com ouro negro e as portas escuras de tom similar ao céu enegrecido. Essa é minha maneira única de tentar ficar calma, desviando a atenção para algo que não seja o real problema. Ao chegar no local me atento a observar as feições de papai, ele está sorridente dando um sinal de que as coisas não estão tão bem como o programado. Papai sempre sorri quando está nervoso ou quando tenta enganar a mamãe em jogos de carta.
— Apresento-me, vossa Majestade Serena. — faço meus cumprimentos e observo a rainha sorrir para mim e retribuo, ela tem tranças enormes e louras, um pouco rechonchuda, confesso, no entanto, bela ao seu modo. Seus trajes são de um tom verde-escuro, sua tiara com adornos em ouro negro e detalhes em calla lilies.
— Apresento-me, Vossa Majestade Serena. — cumprimenta Cefeida. Viro-me em sua direção, vendo-a corar ao perceber que todos olham em sua direção.
— Atento-me a dizer que tem duas joias em sua casa, Haas. Elas darão lindas princesas e belíssimos filhos. — afirma a Rainha Mallory, poréma menção de filhos me deixa agitada e com a vontade de sair do recinto o mais depressa possível.
— São belas as nossas filhas, sei que minha opinião não conta, mas ressalto que são as mais belas de nosso reino.— ao mesmo tempo que mamãe se vangloria ela sorri para nós e fico irritada com seu comercial barato. Ela é a mais interessada nessa união descabida, nos empurrou como se estivéssemos no topo de uma ladeira. Sei que por papai estaríamos trancadas em nossos aposentos até a rainha sair de nossa casa, mas por ela não. Mamãe sonha com esse momento desde o dia que soubera que teria uma filha.
— Creio que está ciente que nessa colheita temos mais filhas de interventores e nobres e poucas filhas da coroa, precisamos levá-las para uma melhor avaliação, não posso ficar aqui todos os dias para observá-las no dia a dia. Será como nos últimos anos e vamos todos para o palácio de Ulyere. — informa a rainha. Me assusto com o comunicado, faço que não com a cabeça para papai que fecha as mãos em punhos e engole em seco.
— Majestade, reconsidere. A mais velha tem apenas dezessete e a mais nova completou quinze a pouco tempo. — enquanto ele fala, a rainha levanta de seu assento e fica de frente para o meu pai que também sai do conforto do estofado.
— Sua rainha tem sido ruim para vocês? Tens um dos melhores cargos em Ulyere, suas filhas têm direitos iguais aos filhos reais e quando as peço é assim que me tratam! — noto a fúria em sua voz. Um interventor negar suas filhas equivale ao mesmo peso que roubar ouro do reino, um crime terrível que resulta a possibilidade de comparecer no tribunal de inquisição.
— Papai, não se preocupe conosco. Seremos bem tratados por Vossa Majestade Serena, ela sempre nos tratou bem em nossas visitas e sinto que ambas ficaremos bem uma apoiando a outra. — franzo o cenho ao observar Cefeida defender os interesses da rainha, mamãe demonstra orgulho pela interferência e papai apenas solta suas mãos em sinal de derrota.
— Alguém sensata nesta casa! Ao menos uma tem gratidão pelo que faço. Hoje deixarei que se despeçam de seus pais, no entanto, amanhã mandarei um motorista vim buscá-las na parte da tarde. — avisa Mallory Engel. Reparo que ninguém se move até a rainha sair de nossa casa, seus passos lentos e precisos. Atento-me a olhar para meu pai e ir abraçá-lo enquanto Cefeida ouve os elogios de mamãe para com sua conduta em resolver os problemas sobre nossa ida.
— Não importa o que aconteça, sempre estarei ao seu lado. — diz papai comigo envolta de seus braços, sinto o aroma de amêndoas que exala de suas vestes e desejo que isso tenha sido apenas um pesadelo.
— Voltarei para casa, acredito que estarei de volta em breve. — garanto. Papai fica de frente para mim e segura meus ombros para que o olhe nos olhos.
— Sei que é corajosa, perspicaz e tem milhares de qualidades que qualquer reino precisa. Só peço que não faça nada que eu não faria, defendo o reino com minha vida e não quero que se torne um problema que eu tenha que resolver. Cuide de sua irmã, ela é jovem demais para entender algumas coisas que você já sabia na idade dela. Nunca desejei enviar vocês para um futuro incerto, entretanto, se ter as filhas como promessa é um dos desejos de sua mãe e se ainda está aqui, minha menina, é porque não deixei que ela lhe entregasse ano passado. — ouço a tentativa de conforto do meu pai, porém estou ciente que nada do que ele disse é novidade, sei desde criança quais são os sentimentos de mamãe para comigo e como eles jamais mudaram apesar dos anos.
— Estou ciente, meu pai. Ela nunca gostara de mim, sempre foi o senhor que me ensinou tudo e sou eternamente grata por isso. Aliás, o Palácio de Ulyere não é distante, chegará lá em um piscar de olhos e podemos nos ver sempre. — digo mais para convencer a mim mesma e o vejo sorrir, em um ato lúdico.
Papai toca seu dedo na ponta do meu nariz e acredito que das duas filhas sou a mais parecida com ele, tanto fisicamente quando no temperamento, e talvez seja por isso que somos tão próximos. Talvez seja por essa razão que ele me entenda tanto.
— Sempre, minha menina.
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