♤ ONZE ♤
E é chegada a hora de pôr todos os segredos sobre a mesa e contar a verdade…
Certa vez ocorreu um baile no Palácio, minha irmã e eu fomos convidadas para o evento e não pensamos duas vezes antes de aceitar o convite. Recordo-me que usava um vestido lilás com sobreposição de guipir. As mangas eram longas, o forro da parte inferior era uma saia justa, revelada através de uma fenda, que partia desde a cintura. Era meu vestido favorito, diferente daqueles repletos de anáguas e tules.
Quando soube que havia sido convidada enviei uma correspondência para Derek, marcando o local para nos encontrarmos. A resposta foi positiva e eu simplesmente rodopiava de felicidade, aguardando o momento de, enfim, nos encontrarmos. Dancei com vários rapazes naquela noite e bebi diversos sabores de ponche, porém em nenhum momento vi o príncipe que tanto aguardava. Havia completado dezesseis a pouco tempo e temia que não pudesse seguir com meu plano de fuga, pois tinha decido que não era minha obrigação aceitar ser uma Promessa e que fugiria do meu destino. Derek também não se sentia satisfeito com a sua posição de herdeiro e responsabilidades futuras, julgava decente a ideia de fugir para as terras distantes que são contadas nos livros. Havia deixado um barco no porto há dois meses, aguardando o momento ideal para a concretização do nosso plano.
Quando olhei para o relógio e vi que passava da meia-noite, segui para o jardim, no qual me encontraria com Derek e seguiríamos com nosso planejamento. Chegando a meados do jardim não o avistei, ouvia risinhos e sons que não agradavam meus ouvidos. Cogitei em ir para o outro lado e deixá-los a sós, até ouvir a voz de Ângelo e saber quem estava com ele; não quis envolver minha irmã na fuga, ela sempre esteve feliz com a ideia de ser princesa e acreditei ser justo deixá-la seguir com seus desejos. Vi minha irmã, tão nova, aos beijos com ele de uma maneira que apenas mulheres casadas se portavam com seus esposos. A fiz se recompor, a briga que tivemos fora horrível e me joguei nos braços de Ângelo no momento que ouvi passos afoitos em nossa direção. Sue foi quem nos achou e descobriu da tentativa de fuga, através de uma carta que Derek me enviara, e ela imaginou que nós quatro fugiríamos e, para evitar, contou a rainha. Essa, sabendo do que aconteceria, proibiu o príncipe de visitar outros reinos e, por conta disso, ele nem havia aparecido no baile.
Eu e minha irmã não seríamos uma grande perda, mas os príncipes de sangue são valiosos demais para serem perdidos tão facilmente. Esconderam os indícios da fuga, abafaram o caso, porém fizeram questão de contar sobre mim e Ângelo. Sue criou suposições absurdas ao meu respeito. A rainha Stella Maris proibiu qualquer vínculo entre nós e os outros príncipes, o que inclui o Lucas. Eu, por vergonha, preferi me encasular, me livrando dos olhares maldosos e piadinhas que eram ditas por maldosos. Mamãe não me deixou de castigo ou me bateu, como fazia das outras vezes, apenas disse que se antes já não me considerava tanto, naquele momento menos ainda. Papai não permitiu que me enviassem para a avaliação daquele ano, foi o único que não me olhara feio, apenas me pediu que lhe contasse a verdade, pois sabia que Ângelo sempre fora como um irmão para mim. Contei-lhe tudo, ele queria que Cefeida confessasse seu erro para todos, no entanto mamãe disse que não poderia colocar em dúvida a honra de sua filha preferida.
Acordo com um estresse insuportável e sei que preciso descontar em algo para não atacar alguém. Coloco minhas roupas de treino na bolsa, sigo para a sala de treinamento com a minha vestimenta habitual e lá darei um jeito de me trocar. Ouço o canto dos bem-te-vis e ainda assim não consigo identificar a hora que estamos. No meu novo quarto não há relógios, provavelmente o tic tac incomodaria os frágeis ouvidos reais. Olho para as imensas janelas espalhadas por toda parte e vejo que o sol nascera a pouco tempo. Deixei as persianas do meu aposento fechada para que Zedara não acordasse no primeiro raio de sol e assim ela descansará um pouco mais. Chego à porta da sala de treinamento e avisto meu instrutor arrumando alguns equipamentos.
— Bom dia!— cumprimento Dárcio que sorri ao me ver.
— Bom dia, senhorita Jade! O que faz de pé tão cedo?— questiona enquanto vou em direção a cabine para tocar minhas roupas. Como cresci junto ao meu pai, nunca passou por minha cabeça que alguém pudesse tentar algo errado contra mim. Todos sabem que sou treinada assim como os meninos.
— Estresse, preciso libertá-lo antes que me consuma até a alma.— explico e inicio a troca de roupa. Ponho uma calça folgada de malha e uma camiseta, roupa usual de quando ia treinar com papai. Ao sair vejo os sacos erguidos e ajustados a minha pequena altura.
— Sabe, hoje também preciso liberar alguns fantasmas que estão dentro de mim e o estresse acumulado de dias. Pode escolher entre o saco de pancadas ou uma luta livre.— propõe e mexo meus ombros para trás tentando aliviar a tensão.
— Bem, não seria uma má ideia, uma mão lava a outra.— respondo. O vejo coçar a nuca e tirar uma toalhinha que está sobre seu ombro.
— Regras que deveremos cumprir.— começa e dou um olhar de cumplicidade, sei que uma marca errada e estaríamos em maus lençóis. — Golpes fortes apenas em locais não aparentes, nada de mordidas, chutes na face, ou aquele velho truque de bater nas partes baixas.— expõe e dou uma gargalhada sabendo que não faria isso.
— Acordo fechado!— aceito e ficamos de frente um para o outro enquanto realizávamos uma pequena reverência.
Sabemos que é errado e mesmo assim não colocamos nenhum equipamento de proteção, no entanto estou ciente que no mundo real nem sempre temos tempo para tais regulamentações. Dárcio defere o primeiro golpe e desvio, seguimos deferindo golpes e desviando como podemos, certa vez ou outra atingimos um ao outro e por pouco não levo um soco na face. Em quarenta minutos de treinamento estamos suados e exauridos o suficiente para decidirmos que já basta.
— Tenho certeza que seria mais vantajoso se estivesse em combate do que fazendo parte dessa avaliação. Seus pais ficariam orgulhosos de ver a filha mais velha seguindo o mesmo ofício que eles.— diz o instrutor. Busco uma garrafinha com água e me jogo sobre o tapete sintético.
— Creio que sim. Diferente de minha irmã, Cefeida, passei maior parte da minha vida em treinamento. Penso que em pouco tempo eu já estaria apta para iniciar o pedido de admissão no quadro de interventores.— explico e ele assente fazendo, em seguida, um movimento similar ao meu.
— Sei que seria facilmente aceita, seus pais são os melhores e sabemos dos feitos de seu pai para com a senhorita. A Majestade Stella Maris a tempos está nos observando e a você também.— arrisca. Franzo o cenho e passo a mão sobre a têmpora.
— Princesas ou Promessas Iniciais não podem seguir uma profissão.— afirmo com convicção.
— A menos que ela decida ser a chefe da guarda real ao lado de seu príncipe e estivesse a par de todos os planos de combate.— pondera e recordo que não há uma necessidade para guardas reais desde o acordo de paz.
— Limbell não sofre ataque há décadas.— digo, no momento que levanto do chão e faço um pequeno alongamento.
— Talvez não seja Limbell a ser atacada, o amigo de hoje pode ser o inimigo de amanhã. Converse com seu pai na próxima visita e cuidado com as cartas, são confiscadas antes de serem enviadas.— avisa de modo sugestivo. Faço que sim, meneando a cabeça em positiva, e saio do recinto para me preparar para o dia de hoje.
— Majestade, peço permissão para ir a Ulyere.— adentro o aposento real e a rainha se volta em minha direção.
Seu aposento é amplo, todo detalhado com características de nosso reino. As almofadas costuradas com fios escuros, a cama acolchoada com o bordado de uma calla lily, os detalhes arredondados, as mesas de madeira macia e o característico aroma amadeirado da essência atrás da porta.
— Sabe que nenhuma promessa é permitida a sair de Prylea. Pode circular por todo reino desde que não se aproxime das cinco fronteiras.— explica e sinto que a ansiedade não me deixará quieta em meu lugar. Depois que me recompus do treinamento, decidi vir ao aposento da rainha e pedir permissão para voltar para casa.
— É que nunca fiquei tanto tempo longe de casa, preciso ver meu pai.— replicou e volto meu olhar para o piso, ainda sinto um certo receio em ficar próximo a ela, mesmo após tanto tempo ao seu lado.
— Posso fazer melhor. Hoje teremos uma reunião no Palácio e o convoquei para se juntar ao conselho, posso pedir que venha lhe visitar.— propõe gentilmente. Sorrio e a vejo fazer o mesmo. Observo seu vestido preto com adornos dourados e o espartilho modelando a sua cintura. Mallory parece estar preocupada, porém, não me sinto no direto de me meter em seus problemas.
— Agradeço imensamente se fizer isso, Majestade.— falo e dou a volta para sair do seu quarto quando a ouço me chamar.
— Jade!— chama e volto a olhá-la. — Sua rainha tem grande admiração por você. Cresceu conosco, junto com meus filhos e não acredito no que foi dito por aquelas pessoas. Tanto que o resultado foi demonstrado no momento que Ângelo escolheu Cefeida ao invés da senhorita. Só peço que seja cuidadosa com o príncipe Derek, não sabemos o homem que ele se tornou depois de tudo.— roga e, por um momento de gratidão, a abraço, sinto a fragrância das macadâmias e da infância que passei ao seu lado. Eu a amava… Onde nos perdemos?
— Obrigada, Majestade que Reina Serena. Serei eternamente grata por sua atenção e zelo.— me desapego dela e saio de seu cômodo temendo ainda mais por suas palavras, existe algo de errado, uma peça que não se encaixa nesse jogo de tabuleiro e eu preciso descobrir.
Passo o dia pensando na melhor maneira de investigar tudo o que está acontecendo, pois não pode ser apenas uma má interpretação de meus ouvidos. Senti cada entonação e intensidade das palavras, não sei porque, mas tenho para mim que uma única pessoa poderia me dar as respostas que preciso. Dou leves batidas na porta de seu quarto e o vejo surpreso com a minha presença.
— Pensei que demoraria para lhe ver.— diz com sua voz em uma entonação um pouco rouca.
— Somos vizinhos, não é difícil nos esbarrarmos nos corredores.— pondero e ele abre a porta para que eu adentre o cômodo. Observo que, como sempre, ele deixa tudo impecavelmente organizado, desde os objetos em seu criado mudo aos livros da sua estante.
— O que devo a honra?— indaga ao mesmo tempo que passo a mão por meus cabelos soltos e puxo um pouco do vestido para limpar as mãos suadas.
— Derek, precisamos conversar. Não como no outro dia, mas de verdade, como fazíamos antigamente.— digo e o vejo ajeitar os óculos. Miro as prateleiras e os exemplares que estão disponíveis nelas, um livro mais belo que o outro.
— Não sei se a macieira ainda existe, mas podemos escalar uma outra árvore se quiser.— propõe e sorrio com o convite.
Vamos para o jardim e encontramos nossa velha macieira. Escalamos, como antigamente, eu depois dele, e sentamos nos velhos troncos retorcidos.
— O que quer saber?— ouvi-lo tão próximo, da mesma maneira que antes, é como estar de volta em um passado não tão distante. Seu questionamento é aguardado, já que eu lhe disse que precisávamos conversar.
— O que aconteceu durante esse tempo que passamos longe um do outro?— minha voz tem uma entonação mais suave do que esperado, sinto que qualquer alteração poderia me fazer mudar a intensão dessa conversa.
— Jade, por que disso agora?— indaga apreensivo. Seus olhos flamejantes me enviam sinais de que estou entrando em uma situação perigosa, sua pupila está dilatada e o maxilar trincado. Consigo decifrá-lo aos poucos.
— Não suporto quando me responde com outra pergunta. Não entendo seus motivos para se esquivar desse questionamento simples.— provoco e suas mãos vão de encontro às minhas, ele as pega e põe sobre a face, um costume nosso que ainda se recorda.
— Para o seu bem, prefiro que não saiba. Confie em mim, pelo menos dessa vez.— solicita ele enquanto continua com a ação, como se minhas mãos pudessem lhe salvar de qualquer mal.
— Não poderei confiar em você dessa maneira. Como saber o que se tornou?
— E não confiaria em mim se lhe contasse metade do que ocorreu nesse período. Só peço que confie em mim, jamais faria algo para magoá-la, mesmo que me marquem com ferro em brasas, mesmo que tenha que criar outro reino para protegê-la.— garante. Derek solta minhas mãos e põe um fio de cabelo, que voava sobre minha face, atrás da orelha.
— Derek, está me deixando preocupada. O que te tão ruim ela pode ter feito? Não consigo imaginar, por pior que possa parecer. Stella é a sua mãe…— considero enquanto ponho minha cabeça em seu peito. Sinto seu coração bater e o calor que emana do tecido atravessar a pele da minha face. É uma sensação reconfortante e, apesar de tudo, me sinto segura estando com ele.
— Só espere o momento certo que prometo lhe contar tudo, minha joia, só posso dizer que não desejaria o meu destino a ninguém.— expõe e resolvo encerrar o assunto, por enquanto.
— Derek?— ergo meu rosto para observá-lo. Antes um pequeno intelectual, agora um homem de mesmo modo.
— Sim?— diz olhando para baixo e encarando meus olhos.
— O que houve com a sua destinada?— procuro saber e sinto seus lábios em meus cabelos, seguindo para minha têmpora.
— Alguns problemas que não deveriam acontecer a moças na sua idade.— responde de modo sugestivo. Tento não reclamar com suas respostas vagas, no entanto, sou extremamente curiosa e movida a informações.
— Posso saber quais problemas?— volto a questionar e ele sorri com minha impaciência. Seus braços se encaixam sobre meus ombros e suas mãos fazem círculos sobre a parte pulsante do meu punho.
— Estar grávida e de um rei.— responde sedendo aos meus pedidos.
Pelo que Derek me contou, a Destinada foi retirada às pressas após uma correspondência indevida que foi lida. O rei de Haffínit, pai do herdeiro Liam, tem um caso com a moça que é filha de um inquisidor. Para abafar o caso apenas disseram que havia um problema, entretanto não informaram o qual.
Descobri que Diana é filha dos maiores produtores agrícolas de Dorinlea, mas que por não ter vínculo direto com o rei Élan, com seus dezessete anos, ainda não havia sido chamada para a avaliação. Ele disse que ela é uma boa moça, porém possui um temperamento difícil e olhou para mim, comparando ao meu. Depois disso, o assunto partiu para meu antigo parceiro e sobre o nosso envolvimento. Derek sabe desde cedo sobre minha aversão a casamentos por obrigação e, por isso, não imaginou que eu tivesse algo a mais com Valentin, porém alegou que sentiu ciúmes do olhar dele sobre mim e que isso não lhe agrada em nada.
Falta pouco para o toque de recolher e nada do meu pai. Fico aflita por ter que fugir, caso ele não apareça, pois o farei se for necessário. Ouço o barulho da porta sendo aberta e penso ser Dara vindo me avisar sobre alguma urgência.
— Dara alguma notícia do meu pai?— questiono e ouço o silêncio como resposta. Me viro, deixando o vão que estou a observar a noite, e volto meu olhar para a porta.
— Talvez eu mesmo posso lhe dar a resposta.
— Papai! Pensei que não viria. — afirmo. Ando apressadamente ao seu encontro e o vejo fechar a porta atrás de si.
— Acha mesmo que deixaria minha menina sem a minha presença?— replica e o abraço forte, descontando todos os dias que passamos longe.— Qual o problema, Jade? Não é que eu não queira ver minha menina, no entanto sei que não mandaria um recado por Mallory sem um motivo plausível.— assegura e ofereço uma das poltronas para que sente.
— Só quero que me tranquilize, diga que tudo está bem em nosso reino.— respondo e um vinco se forma em sua fronte.
— De onde tirou isso?— quer saber com um cenho franzido. A inquietação dentro do meu peito se torna crescente desde a minha conversa com Derek.
— Insinuações, somente insinuações.— arrisco. Eu e meu pai possuímos uma maneira própria de nos comunicar, com poucas palavras conseguíamos passar nossos sentimentos.
— Jade, sei que sua mãe me mataria se soubesse que estamos tendo essa conversa, principalmente agora que sabe que ambas as filhas estão sendo avaliadas para serem princesas herdeiras. Rogo que fique alerta, sinto algo estranho, um certo descontentamento desde que Mallory aceitou a união dos dois reinos, Dorinlea e Haffínit. Talvez, o acordo de paz seja quebrado e, por essa razão, peço que continue o treinamento, não falte um só dia.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro