♤ DEZESSETE ♤
Com o amanhecer do dia reconheço que estou feliz por meu pai estar bem e, ao mesmo tempo, preocupada com o ataque ocorrido. Não deveria, no entanto suspeito que Stella Maris esteja envolvida nisso, visto que ela é a única interessada no enfraquecimento das fronteiras de Ulyere.
Parto para Prylea com a certeza de que tenho que investigar à respeito, mesmo que isso me ponha em risco. Hoje, Lênin não deu um palavra, mal ouvi seu bom dia, porém não tento puxar assunto, merecemos nosso respectivo silêncio. Busco maneiras de ocultar o ocorrido de minha irmã, apesar de achar que deixá-la ciente é o certo. No entanto, mamãe me fez prometer na saída de casa que eu permaneceria em silêncio, diria que o motivo da visita foi apenas indigestão e que se nada disso funcionasse eu criasse uma outra mentira melhor.
O percurso foi lento, pensei que não chegaria a tempo de assistir a aula, mas por sorte consegui realizar o feito. Todos questionam o motivo da minha ausência e ouvi de Cefeida que eu não estava passando bem, sei que preciso conversar com ela depois. Não consegui prestar atenção na aula, nem nas milhares de perguntas sem sentido que algumas meninas fizeram, só pensava nas inúmeras maneiras de conseguir ajudar o meu povo a defender-se da tirania que está prestes a invadir nosso lar.
Finjo passar mal, abaixo a cabeça e ponho o dedo próximo à garganta. Como estou no fundo ninguém nota a minha façanha, mas escutam os engulhos do vômito. Cefeida vem até mim e pede autorização a professora para nos retirarmos.
— Você e Derek fizeram algo de errado? — questiona, minha irmã, após sairmos da sala.
— Claro que não, Cefeida! Sabe que não podemos ter relações íntimas com nossos pretendentes. — asseguro, um pouco contrariada.
Minha irmã me olha desconfiada, suspiro pesadamente por não desejar ter essa conversa agora. Dos males, esse é o menor que tenho para me preocupar.
— Só não me sinto bem, provavelmente algo que comi e não fez bem.— continuo e vou andando com ela ao lado, seus braços tão leves em minhas costas, como se eu fosse frágil a ponto de quebrar.
— Muita torta. Pensa que não sei das visitas furtivas de Valentin e das fatias de torta que leva todos os dias? Ontem ele levou, porém você não estava, para não perder o hábito ele me convidou para degustar com ele. É um bom rapaz e gosta de você. — informa e ergo uma de minhas sobrancelhas, Cefeida pode ser bem sugestiva quando quer.
— Cefeida... — inicio, mas antes que eu a repreenda ela põe o dedos nos lábios em forma de silêncio.
— Ainda prefiro Derek, somente para constar, mas caso ele erre com você fico feliz em saber que tem Valentin para lhe amparar. — confidencia e passo a mão por seus cabelos finos e meus dedos por sua bochecha rosada.
— Minha irmã, não sei ao certo o que quero para minha vida, não tenho a mesma certeza que você.
Cefeida tem os olhos mais encantadores que já vi, detêm aquele brilho de quem sempre vive feliz e, por esse motivo, compreendo porquê mamãe sempre a quer proteger de tudo.
— O que mudou?— questiona curiosa, a sobrancelha erguida e os lábios franzidos em espera.
Me recordo de todas às vezes que ouvi os meus suspiros por Derek. Vem uma retrospectiva de tudo que ocorreu nos últimos tempos, todos os motivos para mudar o meu modo de agir e pensar. Olho em seus olhos verdes e seguro suas pequenas mãos, ela é o meu único porto seguro, e digo a única verdade que tenho para lhe dar no momento.
— Eu mudei.
Antes de ir para meu aposento, tenho a ideia de procurar a rainha Mallory, talvez relembrar dos laços que tínhamos e partir do princípio de que possuímos interesses em comum. Ao bater em sua porta perco a coragem, sinto como se fosse quebrar uma barreira, um muro de ouro que pensei estar intocado.
— Jade, venha cá! — convida a rainha docemente ao me ver à sua porta, admiro seus cabelos soltos e seu semblante amável.
— Sim, Majestade que reina serena. — digo e me aproximo dela, no entanto longe o suficiente para que inspecione os seus movimentos.
— Nunca tive filhas, só meninos. Posso pentear seus cabelos? — indaga e permaneço quieta por um tempo, antes era tão comum que esses momentos passavam despercebidos.
— Se essa é sua vontade, Majestade…
Similar à criança que sempre a amava, fui de encontro a ela e me pus sentada entre suas pernas.
— É um prazer para mim. Desde que foi para sua casa, sempre pedi que uma das criadas sentassem no estofado para que eu escovasse seus cabelos.— declara em um sussurro. A observo através do reflexo do espelho, ajeitando os meus cabelos e pegando a escova de sua mesa de cabeceira. — Creio que está ciente de que lhe ofereci para a troca, sempre que a via possuía ideia do seu temperamento um tanto difícil. Todos não gostavam, embora eu e o seu pai sempre consideramos esse ser o seu maior talento, ninguém consegue lhe fazer mudar de ideia. Creio também que durante esses poucos dias que está na outra ala pôde ouvir algumas coisas interessantes.— sugere, discretamente, no fim.
Meus lábios formam uma linha reta, sinto em minhas veias uma adrenalina incomum, diferente de quando realizo alguma aventura. As mãos prosseguem suaves em seu pentear e os pares de olhos de nós duas se encontram em nossas cópias.
— Fomos atacados e seremos novamente até os interessados sentirem que estamos frágeis, prontos para o abate. Temo pelo meu povo, por pouco não perdemos um dos nossos melhores soldados. Então, estou aqui pedindo sua ajuda, para que possamos fortalecer nossa muralha e que de alguma maneira possa ajudar ao seu povo também. — conclui o seu pensamento e pedido.
Compreendo o seu questionamento, sua pergunta em forma codificada e tento responder do mesmo modo.
— Compreende que não posso desconfiar de uma majestade que reina serena, principalmente se ela estiver tão próxima de todos os reinos, no centro do mundo no qual pode observar todos os oponentes e em todas as rainhas que estão presentes. Seria uma injúria, falta de caráter maior, julgar alguém quando não se tem provas concretas. Entre as paredes dos reinos há segredos, neles o maior poder tem que prevalecer, aquele quem tem o maior valor para barganhar. Sei que me entende. — digo, enquanto engulo em seco.
Mallory cessa o constante escovar e sinto suas mãos sobre meus ombros, ainda assistindo o seu olhar que prossegue me avaliando através do reflexo do espelho.
— Sempre acreditei que poderia ser melhor em combate, tem o dom de seu pai, minha menina. Obrigada, não restam dúvidas de que temos o mesmo pensamento, o mesmo ser em mente.
Após o suspiro profundo, permaneço mais um tempo em seu aposento sentindo como é ter uma mãe, quando Ângelo adentra o cômodo dá uma sorriso feliz, sabendo que hoje a alegria reina no coração da sua rainha.
Quando, finalmente, volto para meu quarto observo que a porta do cômodo ao lado está entreaberta. Noto que Derek está irritantemente belo, quase me faz esquecer do que fizera ontem, no entanto tenho em mente que devo passar por ele e não dirigir-lhe a palavra, embora sinta a sua mão segurar meu braço no momento que passo próximo da entrada do meu quarto.
— Sinto muito se meus métodos de tentar lhe proteger não são os que aprova. Às vezes tenho em mente que nossa relação evoluiu anos em dias e em outros momentos basta um sopro para que a senhorita crie barreiras entre nós. — alega e encaro o seu olhar. Como está sem os óculos, posso ver com clareza sua íris de um tom tão peculiar. O sol queimando as rochas com euforia.
— Só lhe pedi para ficar com meu pai.— asseguro ainda irritada.
Derek solta meu braço e permanece em uma distância considerável.
— E eu permiti que ficasse uma noite. — prossegue em sua justificativa e defesa.
O terno que usa é de um tom claro, quase cinza, seus cabelos estão bem penteados e sua feição um tanto preocupada.
— Uma noite? Isso não é o suficiente! — asseguro. Passo minha mãos por meus cabelos desajeitados e desvio minha atenção para qualquer coisa que não seja ele.
— Noto que não recorda, porém pense que eu jamais poderei ver o meu uma outra vez.
Sinto a sua dor ao falar de seu pai. Derek o perdeu ainda criança e sua mãe não quis colocar outro homem em seu lugar, para satisfação dos filhos.
— Derek, você não entende…— procuro justificar sem magoá-lo.
O que quero é aproveitar todo o tempo que tenho com meu pai, para que não tenha o mesmo destino que ele, no entanto não direi isso em voz alta.
— Jade, você que não entende! Faço tudo por você, descumpro todas as regras que me são impostas, no entanto só a vejo me julgar. — alega e me irrito com a ideia de que ele precisa me proteger, de que sempre está fazendo algo por mim.
— O problema é que não sei de onde parte essa proteção, já que não me vejo em perigo para ser salva. Além disso, sei me proteger. — altero meu tom de voz, qualquer pessoa a uma distância consideração poderia ouvir nossa pequena discussão, entretanto não me importo.
— Então salve-se de si mesma. Eu a amo, mas noto que todas as suas tentativas são para me afastar. Não sei por quanto tempo estarei disposto a lhe entender, é difícil para mim tentar e tentar, e receber apenas o seu desafeto.
Sinto o nó em minha garganta, o peso de suas palavras contra mim e o pior é saber que tudo é verdade. Não estou sendo justa com nós, ou comigo. Todas as minhas tentativas são voltadas a não cair novamente em seus encantos…
Me aproximo de Derek, passo minha mão por sua face e retiro as lágrima que caem de seus olhos, sempre tão sensíveis. Ninguém entenderia, no entanto eu sei o porquê de todas elas. O meu menino dos olhos dourados, ainda sofre, ainda sente toda a dor por algo que não quer me contar. Meu corpo implora para que eu faça o que meu coração deseja e, mesmo sendo difícil, atendo ao seu pedido.
Envolvo meus braços ao seu redor e ponho meus lábios sobre os seus, sinto a maciez deles e temo não ser correspondida. Tudo some, todas as dúvidas, quando ele me cobre em seus braços. Meu peito inicia uma dança somente sua, é como estar em meu lar novamente, sentindo seu cheiro e o calor que emana da sua pele. Permanecemos assim por algum tempo, sentindo um ao outro, correspondendo uma mensagem que não precisa de uma interpretação prévia, dando a resposta que ele tanto anseia, aquela que corresponde ao destino de nosso trato. Eu também o amo.
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