Oxigênio
"... Ser diferente me trouxe aqui, ao esquecimento eterno. - Fictesia livro 1"
Tábata caminhava para a câmara de descompressão, imersa em pensamentos, tendo em mente que teria de ser rápida e precisa. Enquanto passava pela junção do corredor, escutou a voz de um astronauta maltratando sua namorada e encaminhou-se para o local.
— Fez a barba hoje Juliana? — Disse o rapaz com bastante ênfase no nome da moça.
— Para de ser idiota, seu ridículo. — Gritou Tábata flutuando na direção dele. — Se eu souber de uma dessas de novo, eu te jogo por uma comporta de ar, seu babaca.
— Calma, Tábata! Tá tudo bem. — Juliana tentava acalmar os ânimos e evitar perda de tempo, o que era crucial para o sucesso da missão. — Vamos!
Juliana olhava seu rosto refletido no visor espelhado do capacete em suas mãos e fitava os detalhes mais incômodos de sua aparência: a barba era a pior parte, não tinha como esconder ainda e demoraria para voltarem à Terra. Cada dia após se descobrir transgênero havia sido pior que anterior, em seu ser acumulavam-se dores excruciantes, mas não eram dores físicas somente, eram verdadeiros talhos na alma, no seu mais profundo e íntimo cantinho de consciência. Seus olhos queimavam por conta da vontade de chorar, mas ela precisava segurar, pois, as lágrimas afetariam a missão.
As duas colocaram os capacetes e depois de alguns minutos estavam flutuando no espaço, presas por um cabo de segurança. Tábata tinha nas costas uma mochila com propulsores e Juliana levava a maleta com as ferramentas que seriam usadas no reparo.
O braço mecânico segurava uma placa de metal retangular, a qual deveria ser colocada sobre a área avariada e fixada com uma poderosa cola especial para metais. Juliana escalava a estação segurando os ganchos de acesso, enquanto Tábata saltitava pela superfície metálica.
— Será que eles não estão certos?
— Ei. Não dê ouvidos a eles. Só você sabe de você.
— E se for só uma fase mesmo? — Indagou Juliana.
— Olha só... Não importa como você se denomine, ou se você se denomina. O que importa é o que você carrega na mente e no coração. Todo mundo vive de fases, ninguém é imutável. É sério, não dê ouvidos a eles.
Juliana assentiu com a cabeça e caminhou em direção ao painel de controle do braço auxiliar. Girou a haste até posicionar a placa próxima ao local onde um fragmento rochoso havia rasgado o casco da estação. Tábata puxava a placa calculando de forma habilidosa cada movimento, para evitar qualquer desastre.
— Tábata, se eu mudar muito... você ainda vai gostar de mim?
— Mas é claro, amor.
— Desculpa! É que... Eu nem me reconheço mais. Tenho medo de me tornar alguém com quem não possa conviver.
— Ju, relaxa, tá legal? — Tábata encaixou a placa sobre o rasgo e se posicionou sobre ela. — Toda mudança é difícil, mas eu acredito em você. Eu sei que você consegue superar isso, e eu estou aqui pra te ajudar no que for preciso.
Juliana descuidou-se e largou a maleta que passou a flutuar acima delas, então ela saltou para recuperá-la e no momento em que ela pegou-a, o cabo de segurança estava quase completamente esticado e um fragmento metálico voando tão rápido quando um meteoro o cortou como se fosse feito de papel, e o puxão fez com que a astronauta começasse se afastar da estação.
— Saiam daí agora! Está vindo uma tempestade de detritos. — Disse alguém tardiamente na estação.
Tábata saltou na tentativa de agarrá-la, porém, outro fragmento colidiu com sua mochila, atravessando o equipamento e o tanque de oxigênio. A mulher passou a rodopiar indefesa e desesperada gritou por ajuda.
Juliana estava largada no vácuo girando lentamente para longe de sua namorada e de qualquer possibilidade de salvação. Ao ouvir a voz de Tábata, sentiu um aperto no peito e um nó na garganta, seu sangue gelou e enquanto estava de frente para a estação viu um pedaço de metal atingir a antena de comunicações e arrancá-la sem qualquer resistência.
— Juliana, me ajuda! Não consigo me virar e a mochila já era.
Olhando Tábata desaparecer de seu campo de visão giratório, ela agradeceu por ainda terem a comunicação paralela, mas desesperou-se por não saber o que fazer. Seus pensamentos rapidamente voaram numa direção funesta e pessimista imaginando o ar da companheira esgotando-se por conta da avaria.
— Eu não consigo fazer nada, minha fita arrebentou.
— Você está girando devagar, você consegue. Eu sei que consegue.
— Não consigo não. Tábata, por favor, não se esqueça de mim. Lembre de mim como eu gostaria de ser lembrada, é a única coisa que te peço. Eu...
— Cala a boca! Juliana presta atenção! Tem uma nuvem de detritos vindo pra cá, se você não vier imediatamente aqui me salvar, eu juro que nunca vou te perdoar. Agora, pare de melancolia e vem logo aqui... — Tábata fez uma pausa por conta da tontura que começou sentir devido ao baixo nível de oxigênio e retomou. — Tô quase sem ar e não vou parar de girar, então, adeus Ju, e eu te amo.
— Não faz isso Tábata. Não. Fala comigo. Fala comigo... Responde, droga! Tábataaaaaaaa...
Juliana avistou a mulher passar por seu campo de visão, girando de braços abertos como uma bailarina encenando o Cisne e novamente sentiu os olhos arderem por conta das lágrimas que anunciavam sua chegada. Olhou em suas mãos e viu a maleta, foi tomada por uma ideia fantasiosa, porém, plausível. Abriu-a, retirou uma das ferramentas e arremessou-a ao espaço, o impulso a fez vagar em direção à estação. Repetiu o processo para corrigir a trajetória e viu-se voando em direção à namorada.
Abriu os braços para cobrir uma área maior e sorriu solitária quando o cabo de segurança de Tábata chocou-se com o peitoral de seu traje. Desceu por ele e fixou a si própria num gancho de segurança, e então começou puxar a namorada para perto de si. Seus movimentos eram lentos e rígidos, não gostava daquele traje justamente por limitar sua mobilidade.
Viu de soslaio pequenos pontos escuros passarem sobre um fio de luminosidade sobre a curvatura da Terra e nesse momento foi tomada pelo maior pavor de sua vida. Ela tinha poucos segundos até que a nuvem de detritos as atingissem com força total, seria como ser alvo de várias metralhadoras em solo.
Tinha medo de forçar o cabo e arrebentá-lo, pois, não sabia se estava avariado como o seu e ao mesmo tempo desejava trazer a mulher para perto de si o mais rápido possível. Olhou para a nuvem e a viu ainda mais perto, viajando tão rápido quando ela era capaz de compreender. Por conta de sua posição julgou que seria menos atingida, Tábata, no entanto receberia a maior porcentagem dos impactos.
— Não. Não. Não. Vai Tábata, acorda logo! — Sem obter resposta e percebendo a aproximação dos detritos, viu-se obrigada a executar ações desesperadas. Deu um forte puxão no cabo da amada e esperou-a de braços abertos.
Assim que Tábata pousou em seus braços, Juliana rolou com ela para perto da placa de metal, agradeceu a todos os deuses por ainda não terem-na colado. Levantou um lado dela e escondeu a ambas sob sua proteção.
Os impactos eram fortes e persistentes, ela não ouvia verdadeiramente o som, mas imaginava o tilintar dos metais se chocando enquanto sentia a vibração.
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Olá pessoas lindas!
E aí, estão gostando? O que acharam dessa loucura toda?
Deixem comentários e estrelinhas para ajudar na visibilidade e salvar os unicórnios. É sério, cada comentário salva um unicórnio dos maus tratos. ^^.
Beijos!
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