A Rosa
Quebra-te pena maldita
Que não podes escrever
A horror de angústias e mágoas
Que então me viste sofrer
(Castro Alves)
Londres, 1844, Mivart's
Em um quarto de hotel em Londres, dois rapazes conversavam, sentados em uma pequena mesa redonda, uma das poucas mobílias do lugar. Uma cama, um guarda-roupas e um cabideiro compunham as comodidades oferecidas ao hóspede do pequeno estabelecimento. A decoração era igualmente parca, um papel de parede antigo e um único quadro.
— Albert, você não pode estar falando sério! – dizia o homem mais alto ao seu amigo. Sentei-se irritadiaço, já que ao jovem Sinclair não agradava estar muito tempo nos hotéis londrinos, cujos aposentos ele julgava muito inferiores aos dos estabelecimentos da sua terrra natal, os Estados Unidos da América.
Seu interlocutor, um moço mais robusto de pele bronzeada, abriu um dos seus famosos sorrisos de dentes branquíssimos.
— Porque não, meu amigo?
— Porque Katherine não é uma mulherzinha do povo, por Deus! – esbravejou John Sinclair – E, além disso, é irmã do William, e até onde eu sei, você nutre uma grande amizade por ele. Não vai querer desgraçar-lhe a irmã caçula.
— Está bem, está bem – disse Albert, parecendo levemente desapontado. – Eu a deixarei em paz, segura em sua casa... Agora, se me permite, vou mandar prepararem meu banho, antes de embarcarmos. Ai, estou com saudades de Paris!
— Espere, Albert – disse John. – Você a deixará assim, sem falar nada?
Albert parou em seu caminho, parecendo verdadeiramente aborrecido agora.
— E que deveria fazer?
— Não sei – respondeu o outro – mande uma carta rompendo com ela, qualquer coisa!
— Isso seria bom, meu caro, mas estou com uma preguiça de escrever...
John dirigiu- se à escrivaninha, irritado.
— Então eu escrevo... Dite logo o que pretende dizer. Depois mandarei um empregado entregar a carta.
— Ótimo – disse Albert, satisfeito por ser poupado do trabalho – Escreva aí: Cara Katherine. Não, esqueça! Escreva Cara Katty... – e durante alguns minutos, tudo que se ouvia no quarto eram as palavras ditadas pela voz possante de Albert e o arranhar da pena de John.
Residência dos Howard em Londres
Em um dos quartos da mansão da família Howard, propriedade um pouco afastada da cidade, a caçula Katherine estava na janela do seu quarto. Tinha então quinze anos, e todo vigor da juventude. Cabelos negros caíam em pesados cachos pelas suas costas e grandes olhos da mesma cor miravam o céu.
Tanto os olhos, como a boca, deixavam transparecer sua preocupação. Na mão, segurava uma rosa vermelha, e de vez em quando trazia a flor perto do rosto. Depois de alguns minutos, saiu da janela, desceu as escadas, passou por salas até alcançar o enorme e bem-cuidado jardim que circundava a casa.
Passeava pelos arbustos, ainda pensativa, ainda segurando a rosa na mão, quando ouviu:
— Ei, senhora! — virou-se se em direção ao barulho e viu um garoto magro mais novo que ela ao lado de fora dos altos portões de ferro da propriedade.
— A senhorita é Katherine? — a jovem fez que sim, e correu a seu encontro, pois o menino segurava uma carta. Ele passou o braço fino pelas grades, estendendo-a.
— O Sr. Albert Thompson mandou entregar.
— Obrigada — murmurou ela, pegando a missiva. O garoto foi embora, Katherine colocou a rosa nos cabelos, e andando, concentravase se em abrir a carta. Nela, uma letra elegante, que não parecia com a do seu querido, dizia:
Cara Katty,
De certo estranhará a letra, mas, pelo estado em que estou, arrasado, não consegui escrever, de tanto que me tremia a pena. Um amigo fez a caridade de escrever por mim, mas não se preocupe, ele é de inteira confiança, e nossa breve paixão morrerá secreta.
É com pesar que escrevo essa, porém, espero que a senhorita se encontre de boa saúde.
Com pesar, digo eu, já que nosso rompimento se faz necessário. Não se espante, Katherine, pois foi a senhorita mesmo que resolveu não fugir comigo. Essa era a única solução para nós, já que está prometida a outro. Pouco foi seu amor, talvez nem tenha existido, e falsas as suas juras.
Agora, é tempo de partir, e não mais me verá. Quem sabe nos encontremos daqui alguns anos, e eu possa ficar feliz ao vê— la casada com aquele que escolheram para ti.
Despeço— me, sem mais,
Cavaleiro da Rosa.
Era como se o tempo houvesse parado. A dor invadiu seu peito, Katty não sentiu a carta escapando de suas mãos. Aquilo não podia ser verdade! Albert não a deixaria assim, ela nada fizera para que duvidasse do seu amor. Apenas não era capaz de fugir com ele, devido à vergonha que causaria a sua família.
Não! Aquela nem era a letra do seu amor. Mas então, como seria outro que tinha assinado "Cavaleiro da Rosa", algo que só os dois sabiam? E o estilo era de Albert, só podia ser ele. Sentiu suas entranhas se contraírem, o frio havia tomado seu corpo em pleno verão. Grossas lágrimas começaram a escorrer pelo seu rosto. É hora de partir, dizia a carta. Nunca mais o veria, nunca... Não seria vida sem ele...
O chão parecia fugir sobre seus pés, e nada existia além do peso em seu peito. Os joelhos cederam, e ela caiu ao chão. Não saberia dizer quanto tempo ficara ali, nem viu quando um jovem forte chegou da rua e gritou seu nome. Como não obteve resposta, ele correu até ela, visivelmente preocupado. Quando a viu assim desfeita se assustou:
— Kitty! — dizia ele, tocando as faces da menina, que de tão quentes pareciam febris. — Kitty, querida — chamou ele baixinho — fale comigo.
Ela virou a cabeça em sua direção, lentamente, e os olhos negros como dela própria entraram em foco: era seu irmão.
— Ele foi embora, Will... — disse num fio de voz.
— Ele? Quem é ele, Katty? — mas ela só negava com a cabeça, e William achou que ela estava febril e doente. Estavam os dois ajoelhados ali, quando ele viu a carta no chão. Conforme lia, seu rosto se anuviou: tinham tentado levar sua irmã de casa, tinham tentado desonrá- la! Graças a Deus, Kitty ainda estava ali. Sem se conter, ele a abraçou, percebendo que tremia:
— Diga, Kitty... Diga- me o nome — disse ele, tentando suavizar a voz, mas a menina novamente negou com a cabeça.
— Foi- se — murmurou de novo. E Katty parecia ter chegado ao limite depois disso, pois encostou a cabeça no ombro do irmão e desmaiou.
Sim, ela estava doente. William podia perceber a febre que tomava seu corpo. Sendo estudante de Medicina, ele já vira casos assim, em que pessoas morriam por altas temperaturas após grandes desgostos. Mas isso não iria acontecer a sua pequena irmã. Ele não deixaria. Suspendeu-a nos braços, andando em direção a casa, enquanto gritava para os moradores acudirem.
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