𝕮𝖆𝖕𝖎́𝖙𝖚𝖑𝖔 I
『 ᶜᵒᶰᵗᵉ́ᵐ 1696 ᵖᵃˡᵃᵛʳᵃˢ 』
𓆩*𓆪
𝐴 𝑃𝑟𝑖𝑛𝑐𝑒𝑠𝑎 𝐸𝑥𝑡𝑟𝑎
𝕮𝖆𝖕𝖎́𝖙𝖚𝖑𝖔 I
𓆩*𓆪
FAZIA DOIS MÊSES QUE Aranell recordou-se de sua outra vida. E da história original deste corpo, desta vida. Ela conheceu de perto a vida que a jovem princesa levava na trágica ala abandonada que o rei disponibilizou para ela e sua mãe. Era um local precário, mau estruturado e sem recurso nenhum. A parte de cima da torre ficava um único quarto onde Aranell dividia com sua mãe, e na parte de baixo encontrava-se uma cozinha vazia e escassa.
A primeira semana fora muito dura.
Aranell notou ali mesmo que sua mãe, Lídia, estava doente e definhando pouco a pouco. A mulher, mesmo enfermo, detinha de uma beleza natural e deslumbrante. Magra, com os cabelos cortados bem curtos e os olhos fundos. A pouca comida que chegava para elas, a mando do rei, Lídia dava tudo a sua filha. Tomando assim, apenas água para aplacar a fome.
Havia um poço ao lado daquele lugar onde elas chamavam de casa, ao menos era água limpa e pura. Ajudava em diversas coisas, principalmente em enganar a fome.
No final do primeiro mês que suas lembranças retornaram, Aranell teve que dizer adeus a sua mãe.
Sozinha.
Ela ficou-se perguntando a todo momento, o que a verdadeira criança fez quando acordou ao lado de um cadáver? Fez o mesmo que ela? Arrastou o corpo sem vida de Lídia até os fundos da casa e enterrou? Ou apenas deixou aquela cama surrada ser o tumulo de sua mãe?
Apesar de ter apenas sete anos e ser menor que alguém da sua idade, Aranell se esforçou para dar aquela mulher um descanso digno. Ela que um dia já foi uma dançarina famosa e brilhante, agora jazia para sempre em um lugar onde fora presa e forçada a ficar.
E sentada sobre o tumulo de sua mãe, Aranell jurou a si mesma que não teria o mesmo destino que ela. Não teria uma morte em sua juventude, ela queria morrer de velhice observando seus netos brincar no jardim. Ela queria viver. Queria sair da li, daquela prisão que chamavam de família. Não queria ser um sacrifício para aumentar ainda mais uma guerra sangrenta que devastaria várias pessoas.
Naquele pequeno corpo jazia uma mente e uma alma mais velhas e maduras. Apesar de não ter vivido longamente em sua outra vida, nesta ela queria fazer uso de tudo ao seu alcance para prevalecer.
Pelos próximos dias, Aranell aguardou pacientemente a próxima remessa de suprimentos. Todo o dia cinco do mês, uma pequena cesta é deixada na frente da torre para o consumo dos dois moradores ali. Era pouco o que vinha, tinham sorte quando alguém enviava algo aleatório ou amais. Livros ou medicamentos. Os livros que Aranell lia e relia várias vezes, são os únicos que foram disponibilizados para o seu aprendizado.
E assim em uma empregada veio como de costume, deixou uma cesta o batente da porta e se foi calmamente. Só que, ela não esperava ser seguida pela guria pequena de sete anos. Aranell foi tão sorrateira, que ninguém a notou se esgueirando entre as arvores do caminhozinho que a empregada fazia todo mês. A morena tinha em mente observar e analisar tudo antes de tomar qualquer atitude.
Seguiu a empregada e sorriu de alegria quando a mesma entrou no dormitório dos empregados do castelo real. E no meio de uma moita da samambaia, Aranell teve uma ideia brilhante e engenhosa. Por três dias inteiros, ela ficou ali. Observando, pelas janelas, os movimentos e as ações dos empregados. Por três dias, ela estudou detalhadamente os funcionários de seu pai. Conseguindo identificar até o chefe dos mordomos e a governanta que regia as empregadas.
Era como brincar de imitação. Ela imitava os outros empregados a cada gesto, forma de falar ou de agir. Ela se forçava para não ser percebida e ao mesmo tempo para aprender tudo que via e ouvia sobre eles. Ouviu fofocas sobre famílias, amor e até mesmo sobre traição.
E na manhã do quarto dia, ela agiu. Soube anteriormente que as empregadas tinham permissões de ir à feira da manhã para comprar vegetais e frutas frescas. Mas para sair, elas precisavam ter o passe que todos os empregados adquiriam quando adentravam no castelo para trabalhar. Era uma plaquinha de bronze com algumas escritas nelas, só precisava mostrar aos guardas dos portões que sua saída era liberada automaticamente.
Como uma ladra furtiva, Aranell esperou até que um dos seus alvos deixasse o cômodo. Ela era uma senhora que trabalhava na lavanderia e ajudava na cozinha. Estava já no castelo á muito tempo, então, se algo sumisse de seus pertences talvez pensasse que estava velha demais. Ou ela simplesmente culparia umas das jovens empregadas que ainda não podiam sair.
Tanto faz, Aranell não se importava.
Pulou a janela quando garantiu que ninguém estava por perto. Não foi fácil, seu corpinho magrelo quase não conseguia fazer alguma coisa. Mas ela fez, adentrou no cômodo mil vezes melhor que seu quarto. O quarto de uma princesa. Era incrível que todos sabiam de sua existência, mas mesmo assim, deixou-a sozinha por apenas ser uma bastarda.
Vasculhou o mais silenciosamente possível tudo ali. E dentro de uma caixinha de madeira, Aranell encontrou o que procurava. Olhou mais algumas coisas e sorriu de felicidade quando descobriu que a velha também costurava as roupas das empregadas. Sendo assim, naquele cômodo continha alguns uniformes.
— Foi uma boa ideia. — murmurou sorridente ao passar a mão em um uniforme pequeno e simples e em linhas e agulha. Não bagunçou o quarto e nem tirou nada do lugar, retirou apenas as peças que queria e saiu tão furtivamente como um rato.
𓆩*𓆪
— Ai, que merda! — os resmungos e xingamentos começaram quando sua pequena mão conseguia fazer uma costura precisamente. Lentamente, Aranell tentou acertar o tamanho do informe de empregada. Podia ser sua primeira vez, mas a jovem estava empenhada e terminar logo. Quanto mais o tempo passava, mais estimulada ela ficava.
Os traços do plano não eram complicados, eram simples. Sair do castelo, encontrar o Templo da Deusa do Sol e se refugiar entre os órfãos. Os sacerdotes administravam um orfanato e as crianças ali eram ensinadas, alimentadas e educadas devidamente. Aquelas que decidiam seguir a religião e adentrar no templo como aprendizes, eram separadas para ter a instruções necessária. As outras só poderiam ficar até a maior idade, após isso, são orientadas a deixar o orfanato para dar lugar para outras.
Era o melhor lugar onde uma princesa esquecida poderia buscar refúgio.
Era simples.
O problema era conseguir sair do castelo.
Depois de muita luta e furadas nos dedos, Aranell terminou. O comprimento estava perfeito e os ajustes na cintura faziam uma ilusão a sua condição magra. Naquela noite, a jovem retirou água do poço, esquentou na lareira e banhou-se. Retirando toda a camada de sujeira que a esquentava. Havia jogado na água algumas folhas de hortelã que achara quando espionava as empregadas, sendo assim, seu perfume seria bem melhor que antes.
Vestiu o uniforme e ajeitou alguns erros. Vasculhou a cesta de comida entregue dias atrás, e de lá, pegou dois pequenos vidrinhos. Um continha leite e o outro mel, os misturou em um recipiente maior e aplicou lentamente e cuidadosamente nos cabelos. Era um hidratante natural e ajudaria Aranell a fazer um penteado em seus cabelos rebeldes.
Olhou-se no espelho quebrado do quarto, parecia sim uma jovem empregada aprendiz. Estava feliz e satisfeita, nunca pareceu tão humana quanto agora. Apesar dos olhos fundos e dos pulsos fino e frágeis, Aranell sentia-se viva.
𓆩*𓆪
Antes do sol iluminar a estradinha até o dormitório dos empregados, Aranell já jazia ali. Entre as folhagens, apenas aguardando. E quando as primeiras pessoas começaram a se movimentar ali, foi o momento certo que a garota decidiu agir. Sabia que Annie, uma empregada da cozinha, iria a feira cedo comprar alguns ingredientes frescos para o café da manhã dos príncipes. Só tinha que usa-la como desculpa para sair.
E assim quando Annie começou sua caminhada até os portões do castelo, Aranell a seguiu. Ela era parte do cenário, tinha que ser e agir como uma figurante naturalmente. Estava muito atrás da mulher que mostrava o passe aos guardas e sorria ao passar por eles e caminhar até a cidade.
Parou por um instante a apertou a pequena cesta que usava como figurino junto a roupa. Seu coraçãozinho começou a bater fortemente, com medo e ansiedade. Tinha que ser forte, tinha que superar aquilo. Ou não teria uma vida para viver. E assim, como o vento, ela seguiu tranquilamente até o encontro dos guardas.
— Pare aí mesmo, tem autorização para sair, mocinha? — um homem alto expressão aterrorizadora, se pôs a frente de Aranell.
— É novata? — outro homem aproximou-se.
Todos os dois estavam trajando armaduras e longas espadas em suas cinturas. A morena engoliu em seco, mas guardou todo o medo dentro de si.
— Mamãe tabaiá na cozinhar, tioh. — respondendo de forma infantil, a jovem pareceu uma criança qualquer. — Esqleceu de pidir tiah Nannie complar mais coisas e mi mandou.
— Nannie? — o primeiro guarda franziu o cenho. — Se refere à Annie?
— Sim! — dando um sorrisão animado, a menina ergueu a pequena cesta. — Mamãe me deu até uma cestla pá ajudá Nannie! Óh!
— Quantos anos você tem, menina? — o segundo guarda perguntou agachando-se, para ficar na altura de Aranell. Que quase teve um pequeno infarto quando ele se aproximou-se.
— Cinco! — mentiu, apensar de parecer uma criança mais nova.
— E já trabalha na cozinha?
Aranell inclinou a cabeça para o lado, meio confusa com aquelas perguntas. Não era estranho ter crianças trabalhando desde pequenas, era fácil de disciplinar.
— Não se meta, Marco. — o outro o repreendeu duramente. — Tem o passe?
— A toisa buita que mamãe mi deu. Aqui, óoh! — tirou a plaquinha de dentro da cestinha e ergueu para os guardas.
— Pode passar, guria.
— Bigadu. — guardou a placa e começou a caminha com pulinhos animados.
— Sabe onde encontrar a Annie? — Marco se mostrou visivelmente preocupado com a garota.
Aranell virou-se para ele e sorriu, alegre.
— Sei, sim. — era a primeira vez que alguém se preocupava consigo. — Até, tioh!
Acenou para quem nunca mais iria ver e para o lugar que lhe prendeu por sete anos.
— Até nunca mais.
𓆩*𓆪
CAPÍTULO AINDA NÃO BETADO!
O que estão achando, meus amores? Tudo isso ainda é a introdução da história. Ainda tem mais!
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro