Capítulo um
Na minha opinião, existem sempre dois tipos de pessoas no mundo. Tem quem ama chá, e quem vive a base de café. Quem necessita de palavras para viver, e quem se expressa melhor através de números. Há pessoas racionais e outras que não conseguem controlar suas emoções; quem gosta de regras, e quem vive para quebrá-las, quem nasceu para o sentimento e quem é regido pelos fatos. Não importa o assunto, ainda que um dos tipos seja quem não escolhe nenhum ou quem escolhe os dois. No final das contas, tudo se resume a uma única divisão, e tem uma em especial que anda me perseguindo ultimamente.
Algumas pessoas se contentam com o que está em sua frente, mas outras vêem em cada situação o potencial de uma aventura, querem pular o muro e ver o que tem do outro lado. Este é meu tipo favorito. São as exploradoras, do mundo e de si mesmas, que querem demais, são intensas e falam alto, que não se aguentam de vontade de viver e são elas mesmas, ainda que outras tentem moldá-las para encaixar no que acham ser apropriado. Há algo precioso nisso, nessa força inabalável e muitas vezes solitária. Eu queria ser como elas e estava agora mesmo segurando minha chance de ser.
— Se você não parar de esfregar esse papel, não vai sobrar nada para eles lerem.
Instintivamente, escondi a carta atrás das costas e me virei para a tia Lena, que ainda estava de pé junto à ilha da cozinha. Me olhava do mesmo jeito desde que eu tinha aparecido ali, disfarçando sua atenção, mas sem tirar o olho de mim. Não consegui decifrar se estava feliz ou desapontada, mas definitivamente estava ansiosa. Já tinha mais de quatro opções de café da manhã na mesa, bolo de laranja, pão francês, pão de queijo, mamão e torradas. Ela ainda assim insistia em fazer tapioca. Tia Lena era como eu, não conseguia ficar parada quando estava nervosa, e comida era a melhor coisa para se fazer com mãos inquietas. Meu estômago sempre agradecia.
— Está preocupada com eles não aceitarem? — ela perguntou, e tive que me esforçar para não deixar meu nervosismo amassar o papel sem querer.
— Não — menti, fingindo uma confiança que não conseguiria ter. — Se eles recusarem, eu vou assim mesmo. Faço uma mala e pego um avião antes que percebam que saí do castelo.
Me virei de volta para a janela, observando a rua como quem não queria nada, ainda que eu quisesse tudo. Tentava fingir para mim mesma que não estava nem um pouco pensando em ir me esconder dentro do quarto só de pensar que podia ser um dos meus últimos dias ali. Me fiz observar o mundo do outro lado da janela. Estava sol, tão quente que não aguentaria ficar naquela casa sem ar condicionado. Ainda era janeiro, e o clima de Parforce conseguia ser cruel no verão, pelo menos na região da capital. A cafeteira do outro lado da rua mantinha suas mesas na calçada para aproveitar o sol, o que eu nunca entenderia. Verão era, para mim, a estação mais irritante do ano.
Me concentrei em uma garota específica, sentada em uma dessas mesas, escrevendo em seu laptop e tomando café com uma mão só. Ela tinha dois livros apoiados ao seu lado, e não consegui deixar de me perguntar se aquela poderia ser eu, se tivesse nascido em outra família e minha "vida normal" não fosse apenas uma ilusão.
— Elisa?
Me virei e sorri como se eu não estivesse tão nervosa quanto minha tia.
— Eu já tomei minha decisão, Lena. Vou estudar em Belforte, caso meus pais me apoiem ou não.
— E como planeja pagar as mensalidades? — ela questionou, virando a última tapioca no prato e o levando até a mesa. Fui atraída pelo cheiro de café e de pão, que fizeram com que me sentasse à sua frente sem pensar. — Você escolheu a escola preparatória mais cara do país.
— Estou acostumada com uma vida de luxo, oras — disse, dando de ombros e suprindo um sorriso nervoso.
Minhas mãos foram direto ao café, viraram o suficiente para uma caneca inteira e o adoçaram automaticamente. Juntei alguns pães de queijo no meu prato e empurrei o mamão para o lado dela, longe de mim.
— O dinheiro para a escola tem que vir de algum lugar — tia Lena disse.
— Na verdade, não — falei, pegando uma fatia de pão e a usando para enfatizar e apontar para ela. — Eles oferecem bolsas também.
— E vai conseguir bolsa como? Você não é boa em nada — ouvi a voz de Portia logo antes de ela aparecer e se sentar do meu lado à mesa.
Nossa, muito obrigada pela parte que me toca, quis dizer, mas fiquei quieta. Terminei de passar manteiga na minha fatia e só quando estava prestes a levá-la à boca que respondi:
— Eles têm um programa de Moda. Posso preparar algum tipo de portfólio dos meus desenhos e dos vestidos que já criei e mandar para eles.
Portia quase se queimou com a água que acrescentava ao seu chá ao se virar para mim. Puxei minha xícara de café mais para a esquerda e discretamente me inclinei para longe dela. O cheiro de chá era mais do que suficiente para me afastar, mas sabia o que estava por vir e não queria ouvir.
— Elisa — ela começou devagar, depois de deixar a garrafa de água na mesa. Falava como se eu tivesse dez anos de idade e vários neurônios a menos. — Se eles te derem uma bolsa para Moda, você vai ter que estudar Moda.
— Sério? — soltei, sem conseguir controlar o sarcasmo, apesar de ter saído bem mais leve do que meu normal e passado completamente despercebido por ela.
— Não sabe o que isso significa? Você teria que ser da Casa das Artes! — Sua voz subiu para um agudo que no final se transformou em uma risada sem humor. — Você não acha que seu pai vai te deixar estudar arte, né?
— Foi meu pai quem me ensinou a gostar de arte. O Museu Amaranto é seu lugar favorito em Vilareal, ele ama arte — me defendi fracamente.
— Claro, para pendurar na parede, não para ser o futuro dos herdeiros do país.
De repente, meu coração acelerou, e eu me forcei a tomar um gole de café, ainda quente demais para minha garganta. Precisava falar alguma coisa. Ela estava ciente de que eu queria estudar Moda e vinha já há algum tempo fingindo que não era real. Eu deixava, sabia que deixava só pelo olhar de reprovação de tia Lena, olhar de quem já tinha presenciado cenas demais como aquela, de quem sempre vinha me falar depois que eu precisava me impor. Ela ficou quieta, mas senti que estaria pronta para intervir se eu ao menos me virasse na sua direção atrás de apoio.
Mas eu entendia o lado de Portia. Não tinha nenhuma intenção de contar aos meus pais qual Casa escolheria, deixaria que presumissem que ia estudar na mesma que meus irmãos tinham escolhido antes de mim. Só preferia que a minha melhor amiga não jogasse isso na minha cara.
Abri a boca para responder, ainda sem saber o que dizer, mas tia Lena ligou a televisão antes que tivesse que inventar alguma coisa. O barulho distraiu a nós três, e aos poucos o clima desconfortável foi se esvaindo.
— Olha só — Lena disse, forçando uma animação para que aquele assunto ficasse enterrado. — Você não é a única realeza a ir estudar em Belforte esse ano.
— Não fala assim que dá azar — pedi.
— Matthew Wickham não é da realeza — Portia a corrigiu, sua pronúncia do nome dele mais forçada do que precisava. — Ele só é filho de um duque inglês.
— Só — repeti, fazendo uma careta para Portia, mas seus olhos foram para a tela, seguidos dos meus.
Não, Matthew não era da realeza, mas parecia, pelo jeito que ele andava seguido por fotógrafos, acenava para fãs e assinava fotos. Nós tínhamos vários duques nacionais que não recebiam tamanha atenção. Claramente, ter qualquer tipo de celebridade internacional em Parforce era motivo de comoção geral.
A cena cortou para ele entrando em um estúdio e se sentando em um sofá laranja do lado de uma garota loira como ele, de olhos grandes e um sorriso branco demais para ser natural. Ele jogou o cabelo de lado, deu um sorriso capaz de competir com o dela e apoiou o cotovelo na sua mesa, todo charmoso e artificial. Era claramente estrangeiro, e eu me orgulhava de conseguir reconhecer seus traços ingleses. Havia bem pouco que eu ainda me lembrava de quando estudei nobrezas de países europeus, mas isso me viera fácil. A apresentadora lhe fez algumas perguntas, mas o volume estava baixo demais para ganhar da nossa conversa.
— O que fez com que ele decidisse vir estudar logo aqui, nunca vou entender — comentei, voltando a focar no meu café da manhã. Segundo o relógio na parede, eu só tinha quinze minutos para comer.
— O que fez com que ele aprendesse a falar português é o maior mistério de todos — Lena comentou, e eu assenti, olhando para a tela de novo. Nem queria realmente assistir, mas meus olhos pareciam ter vontade própria.
— Parforce é um país importante — Portia defendeu, mesmo que não fosse ela a princesa. — Faz sentido, diplomaticamente falando, que ele se interesse pelas línguas de outras monarquias relevantes.
Me encolhi na minha cadeira e me ocupei de terminar meu café antes de me servir de novo. Nem conseguia pensar em uma resposta para aquilo. Ela tinha uma mania incrível de me fazer sentir burra às vezes, mas eu não precisava provar que estava certa tentando dizer algo no mesmo nível e falhando miseravelmente, certo?
— Vocês são tão sortudas, não é? — O tom de Lena era provocativo, mas brincalhão, distraindo do comentário de Portia. — O filho de um duque inglês é o futuro colega de vocês!
Portia balançou a cabeça, e eu revirei os olhos. Pela fala da escola em Belforte, ele não seria o único filho de um duque.
— Meu — Portia corrigiu, tão baixo que mal consegui ouvir. — Elisa ainda não está matriculada.
— Vou corrigir isso hoje mesmo.
Ela bufou uma risada e disse:
— Boa sorte.
Não consegui decifrar se era um desejo ou um desafio.
*
Nós não usamos o túnel dessa vez. O pai de Portia se mantinha Ministro da Saúde há vários anos, e aproveitei que ela teria que ir até o castelo para acompanhá-la. Eu estava acostumada a ir por baixo da terra, tendo que atravessar a antiga e interditada Ala dos Lordes e me locomover lá dentro por túneis nas paredes. Quase nunca tinha a chance de vê-lo como via agora.
O motorista de Portia nos levou pelo caminho histórico. Nós nos aproximamos pela Avenida da Batalha, que ia direto até a frente do portão principal. A cada metro, o castelo ia crescendo atrás dele, um monumento em pedra clara, com torres arredondadas, telhados escuros pontudos e esculturas entalhadas nos cantos e nas portas. Parecia ter saído de um conto de fadas do qual eu queria muito fazer parte. Nós nem tivemos que parar, pois os guardas do portão o abriram assim que reconheceram a placa, e o motorista fez o contorno até a porta de recepção em um único movimento suave e preciso.
Estava tão emocionada por todo o caminho pelo bairro antigo, que saí do carro quase presa a um sonho. Portia o desfez assim que pôde:
— Por que você resolveu pintar seu cabelo logo agora? — Ela parou de frente para as escadas, e eu me juntei a ela. Apesar de usar saltos, continuava mais baixa do que eu. — Ficou laranja demais.
Engoli em seco. Não adiantava manter meus olhos nas portas azul petróleo ou no arco cinza que nos esperava antes delas, que tinha dois dragões de pedra enrolados nele como em uma batalha. Não conseguiria fugir de seus comentários, nem com uma arquitetura maravilhosa como aquela, que nunca parava de me impressionar.
— Você pintou até suas sobrancelhas?!
Respirei fundo, tentando pensar no que Lena me dissera quando perguntei se devia pintar algumas semanas atrás.
— Acho extremamente importante mudar o que quisermos do nosso exterior para refletir quem nós somos de verdade — respondi, pensando que Lena teria orgulho da minha resposta, ainda que fosse muito estudada. Ela nunca vinha para o castelo se podia evitar, então tinha ficado no apartamento.
Portia me olhou como se eu fosse louca.
— E ruiva é quem você é de verdade? — Seu tom era de deboche, e ela nem me esperou reagir antes de rir, me dar as costas e subir as escadas em direção às portas.
Passei debaixo do arco e dos dragões enquanto ajeitava discretamente meu vestido. Usava sapatilhas fechadas, porque tinha certas coisas que eu não poderia vestir em frente ao monarca. Me arrependia um pouco de não ter usado salto, mas sabia que teria que andar bastante ali dentro e a última coisa que me faltava era ter que chegar de frente a meus pais mancando por dor nos pés.
Não demorou para eu conseguir falar com eles. Nós fomos levadas a uma sala no segundo andar perto do escritório do rei e, alguns minutos depois, ele entrou com minha mãe e o pai de Portia. Ela se levantou na mesma hora e lhes fez uma reverência modesta. Normalmente, eu teria continuado sentada, já que o Ministro Benedetti sabia quem eu era, uma das poucas pessoas de fora da minha família direta que sabia, mas achei melhor imitá-la. Queria meus pais amigáveis e dispostos a me dar o que estava prestes a pedir.
Quando já estávamos sozinhos, minha mãe veio me abraçar e meu pai me deu um aperto carinhoso no ombro antes de nos sentarmos. Tirei a carta da minha bolsa e senti minha confiança fraquejar quando ele disse:
— Você tem cinco minutos, Elisa.
Ele indicou para que eu continuasse, mas tivemos que perder parte dos cinco minutos com silêncio quando uma criada entrou e nos serviu o chá. Aceitei a xícara, mas a deixei esfriar sem tomar nenhum gole. O cheiro embrulhava meu estômago, mas aproveitei o tempo que ela levou para observar meus pais.
Rei Vicente ainda era novo para seu cargo, mas não era fácil adivinhar sua idade pelos cabelos grisalhos que tomavam quase toda sua cabeça. Meu pai era grande, bem mais alto que eu e robusto de um jeito forte, ainda que não em forma. Para seu tamanho e presença imponente, os olhos verdes bondosos eram contraste e, às vezes, a única coisa que eu via.
Minha mãe, Rainha Isabel, não tinha nascido em Parforce, mas na família real espanhola. Era irmã do atual rei da Espanha, apesar de eles sempre se parecessem estranhos em fotos de encontros oficiais. Ela tinha quase dez centímetros a menos do que eu, mas todo mundo ficava surpreso ao chegar perto dela e descobrir sua verdadeira altura, tamanha sua pose e elegância. Quando eu era criança, tentava andar como ela, mas desisti há muito tempo. Não chegava nem perto. Ela não tinha cabelo branco em sua cabeça, mas não era por falta de preocupações. Ela o tingia em um loiro escuro tão próximo do natural que combinava perfeitamente com o tom do de Arabella e de Alex. Só eu tinha nascido com o cabelo castanho característico da Dinastia Vieira, a única que não poderia exibi-lo.
Pelo menos, não até fazer dezoito anos. Mais seis meses só.
Enquanto eu os observava, minha mãe fazia o mesmo comigo, e seus olhos pousaram em meu cabelo. Eu tinha comentado que pintaria, mas era a primeira vez que ela o via.
— Vim pedir uma coisa a vocês — fui direto ao assunto assim que a criada nos deixou, já que isso só me faria ganhar pontos com eles. — É sobre meus estudos.
Os olhos de meu pai se apertaram, mas ele não falou nada.
— Sei que vocês queriam que eu continuasse estudando com tutores até ter dezoito anos. Isso me atrasaria um ano inteiro, já que faço aniversário só em junho, então tive uma ideia melhor.
— Nós não vamos revelar sua identidade antes que você seja maior de idade, Elisa. Não é uma opção — minha mãe fez questão de falar. Seu sotaque era sutil, mas lhe dava um ar interessante e elegante que eu também nunca conseguira imitar.
Assenti, tentando esconder deles e de mim mesma que tinha tido alguma esperança de fazê-los mudar de ideia em relação a isso também.
— Em setembro, eu me inscrevi no processo de seleção da Escola Preparatória de Belforte — falei, e minha mãe supriu um suspiro de surpresa, enquanto meu pai apertava os olhos. — Com meu nome falso, Elisa Pariseau. Mandei minha redação, minhas notas e uma carta de apresentação. Não falei quem sou, mas eles me aceitaram.
Estiquei minha mão para que meu pai alcançasse a carta, que estava amassada a ponto de quase me fazer querer escondê-la de volta na bolsa. Ele começou a ler, mas eu continuei explicando:
— A ideia não é dizer quem eu sou, mas manter o segredo. Portia também vai estudar lá, e a gente pode ver se tem como fazer Ben ganhar uma bolsa ou conseguir o trabalho de um dos guardas da escola, se ele voltar a tempo. Para pelo menos ter alguém lá que saiba quem eu sou.
À menção do nome de Ben, meu pai levantou a cabeça e começou a apalpar seus bolsos.
— Aí eles podem me ajudar a me adaptar também — concluí.
— Isso me lembra — ele disse, tirando um envelope do bolso de dentro do blazer. — Ele te mandou uma carta.
Eu a peguei e coloquei dentro da bolsa sem parar para ler, apesar de ser a coisa que eu mais queria fazer naquele momento. Uma vez que estava focada, precisava ir até o final. Nem me deixava sentir metade da apreensão sobre tudo que podia me esperar longe do castelo. Era assustador demais ainda para encaixar na minha cabeça, e eu sabia que não podia pensar sem querer desistir.
— Para falar a verdade, Elisa — meu pai começou, depois de entregar a carta para que minha mãe também lesse. Ele parecia estranhamente satisfeito e olhou de relance no relógio — nós estávamos mesmo conversando sobre a possibilidade de você ir estudar lá como seus irmãos. Estamos em um ano comemorativo do aniversário de George Belforte e temos que aproveitar essa oportunidade única para você.
Que diferença fazia que mais de trezentos anos atrás um nobre português tinha se rebelado e tornado nosso país independente? Achei melhor não perguntar.
— Além disso, Matthew Wickham estudará lá esse ano — minha mãe completou, me fazendo olhar para ela como se tivesse acabado de dizer que o próprio Rei George I tinha voltado do túmulo para estudar artes.
— O que um ator qualquer de reality show da Inglaterra tem a ver comigo? — Não consegui evitar questionar, apesar de saber que não era do tipo de comentário que devia fazer se queria algo deles.
Meus pais trocaram olhares.
— Ele não é só ator, Elisa. É filho do Duque de Hampshire, um dos Lordes mais antigos do Reino Unido — meu pai explicou.
O que não mudava em nada para mim.
— Ele é famoso, e é isso que importa — minha mãe esclareceu, seu erre mais puxado do que o normal. — Ninguém olhará para você com ele por lá.
Foi só aí que eu percebi o que isso significava. Nem me deixei respirar fundo, me levantei enquanto minha mãe dizia que iriam organizar minha mudança, que Elena me contataria com os detalhes. Dei um último abraço nos dois e andei devagar até a sala vizinha, onde Portia e seu pai me esperavam. Nem me deixei pensar direito quando fomos ao canil real. Eu tinha pouco tempo ali, só queria aproveitar para ver o Magnus, meu pastor alemão vira-lata que nunca teve noção do seu tamanho e quase me derrubou quando percebeu minha visita. Não apressei meus passos nem quando saímos de lá, nem ao me aproximar das portas de entrada, com medo de que, se me animasse demais, estouraria a bolha de sonho em que estava vivendo.
Eu iria para Belforte. Me mudaria para o outro lado do país e estudaria em um internato durante um ano, longe da capital, longe do castelo, com meu segredo, mas sem ter que me lembrar dele a cada instante! Eu estudaria em uma sala de aula normal. Isso era tão surreal e assustador que me dava vontade gargalhar! Se não tivéssemos passado por várias pessoas no caminho para fora do castelo, teria dançado pelo corredor!
Logo que estava no hall de entrada, levantei o rosto para olhar uma última vez à minha volta. O castelo insistia em me fazer sentir que era uma parte de mim, uma parte que nunca encaixou direito, mas que me fazia falta sempre que eu estava longe, ainda que só a alguns quarteirões. Foi quando vi meu irmão no final do corredor da Ala Real. Ele conversava com outros homens de terno, parecendo mais velho do que realmente era como irmão do meio. Estava para entrar em um cômodo quando me percebeu o olhando.
Alex me fez um pequeno aceno com a cabeça, e eu lhe devolvi, pois não podia correr até ele e o abraçar como queria, louca para contar a novidade.
— Você vem? — Portia perguntou, e eu ia responder que sim, mas naquele instante recebi uma mensagem de celular:
Benjamin: O rei está prestes a colocar uma espada bem perto do meu pescoço. Se eu não sobreviver, você já sabe o que aconteceu.
— Não! Pode ir — gritei para Portia, já lhe dando as costas e correndo escada acima novamente.
Não acreditava que meu pai não tinha dito que era isso que tinha que fazer logo depois de falar comigo! Se Ben estava me mandando mensagem, era porque estava com seu celular novamente, então estava no castelo, provavelmente indo para o seu juramento! Era um momento emocionante! Eu tinha que ir ver!
Subi de dois em dois degraus, o que era bem difícil de fazer, pois eles eram altos, e quase tropecei com as sapatilhas e quebrei os dentes contra o mármore do chão várias vezes. Seria lindo começar a estudar pela primeira vez em uma escola comum sem os dentes da frente. Mas isso não importava no momento. Já fazia meses demais que eu não via Ben, tendo que só me comunicar com ele por cartas, e não queria perder mais nem um segundo!
Assim que virei o corredor e dei de cara com a entrada para a Sala de Cerimônias, brequei e voltei até estar escondida atrás de uma armadura antiga. Um grupo pequeno de novos soldados da Guarda Dourada esperava do lado de fora em uma fila. Um por vez entrava na sala para fazer seu juramento ao rei, e eu queria tanto poder assistir o de Ben!
Busquei por ele, mas não era difícil de encontrá-lo. Ele era um dos dois únicos soldados negros, além do Sargento, que os mantinha em linha e controlava quem entrava e saía. Eu o reconheceria em qualquer lugar, mesmo de costas, e nem era pela sua mania de passar a mão na nuca quando estava nervoso, o que ele aproveitou para fazer assim que o Sargento estava ocupado deixando outro soldado entrar.
Ele virou a cabeça como se procurasse alguma coisa e seus olhos me encontraram. Eu sorri, mais uma vez sem conseguir reagir como queria, me contendo à distância. Ben continuou me olhando, sem parecer conseguir retribuir meu sorriso, até meu rosto relaxar e eu não saber mais como agir, deixar de me esconder tanto assim e dar um passo na sua direção.
— Benjamin Bivalde! — O Sargento falou tão alto que até eu me assustei, mesmo longe deles. — Não me faça me arrepender de te deixar entrar para a Guarda.
Me escondi de novo, enquanto Ben abaixava a cabeça e entrava com ele na sala. Demorou mais do que eu esperava e acabei tendo que voltar mais ainda para perto da escada quando um homem saiu de um outro cômodo e foi na sua direção.
De onde eu estava, não conseguia mais vê-lo, o que só me deixou mais nervosa. Já estava fazendo um buraco no tapete de tanto andar em círculos, quando ouvi alguém se aproximar. Ben mal teve tempo de perceber quem era antes de eu enrolar meus braços em volta dele e apertá-lo com todos os abraços que não pudera dar nos últimos seis meses.
— Você sobreviveu!
Ainda que me esticasse nas pontas dos pés para alcançar seu pescoço, eu os sentia bem mais firmes no chão.
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