Capítulo 10
As vezes oferecemos um banquete de emoções para quem não sabe saborear os sentidos, não consegue ver além dos olhos, não sente as essências que fluem da alma.
Luiza Gosuen
Fascinante, nunca imaginei que os humanos tivessem essa delicadeza em criar algo tão profundo. Fechei o livro em minhas mãos, após ouvir uma batida sobre a madeira da porta.
Entre. — Ordenei.
A porta se abriu lentamente, fazendo meu corpo paralisar por alguns segundos. A figura elegante tornou tudo a sua volta lento e insignificante, Slow estava usando um traje preto destacando seu corpo musculoso, sem o metal grosso da armadura. A gola branca sob seu traje escuro se destacava junto aos detalhes bordados em dourado no o tom preto; e sua espada estava presa na cintura, seus cabelos úmidos estavam para trás, e sua barba aparada. Comprimi um suspiro, enquanto apertava o livro de capa dura em minhas mãos, fiquei inerte em seu olhar amendoado por tempo indeterminado, seus olhos se sustentavam em mim de forma direta, por um instante pareciam me hipnotizar, deveras ele estava...
Por obséquio, se recomponha!
Me repreendi em meus próprios pensamentos.
— Alteza, vim buscá-la para o banquete. — seu olhar me percorreu lentamente, como suaves mãos macias, causando-me um leve formigamento. — Se aceitar minha companhia, é claro.
— Não vejo problema! — Depositei o livro sobre a prateleira, disfarçando o desconforto que sua presença me causara. — Vamos!
Segui para a saída, sentindo seu perfume exótico ao passar por ele que gentilmente me deixou sair primeiro fechando a porta em seguida. Slow me ofereceu seu braço que aceitei sem cerimônia, o silêncio domava o grande palácio que estava sendo iluminado por várias tochas de fogo, pois o sol já havia se posto. Nossos passos sincronizados ecoavam pelo ambiente deixando aquele momento ainda mais constrangedor, conseguia sentir os músculos rígidos do seu braço deduzindo que assim como eu, Slow também estava desconfortável após a nossa conversa.
— Alteza... — sua voz saiu quase como um sussurro, fazendo-me estremecer por dentro.
Não entendia o porque meu corpo se comportava daquela forma diante dele, tal reação me causava uma sensação de vulnerabilidade. Algo que jamais poderia aceitar.
— Não diga nada, Comandante.— indaguei, por fim.
Precisava me concentrar no banquete, ainda não sabia se podia confiar no rei Artin e o Slow estava me deixando dispersa, aquela altura achava que sua decisão de ficar no reino Agá era a mais sensata para nós dois.
Cada passo parecia uma eternidade, apesar de manter meu olhar em nosso trajeto podia sentir o pesar dos seus olhos em mim.
Quando finalmente chegamos ao local do banquete, uma sala espaçosa com uma longa mesa farta, frutas de todos os tipos enchiam as vasilhas de prata, inúmeras iguarias, grãos, carne de animais que até então eu desconhecia e muito vinho. As flores como em todo o palácio faziam parte do ambiente, a alguns arranjos pequenos enfeitavam a mesa entre as frutas. O espaço era iluminado por tochas de fogo presas nas duas paredes laterais, e algumas velas em candelabros na mesa.
Assim que chegamos, atraímos todos os olhares, desde o Rei até os criados que estavam prontos para nos servi. Me desvencilhei do braço do Slow seguindo para um dos lugares vagos a direita do rei, que estava sentado a cabeceira da longa mesa de mármore levemente acinzentado.
— Majestade. — fiz uma singela reverência.
— Alteza. — Ele sorriu. — Está muito elegante Princesa, digna de uma rainha.
Slow fez uma longa reverência, que o rei também retribuiu com um sorriso.
— Bem vinda Alteza, espero que esteja faminta. — o rei novamente sorriu. — Para que possa apreciar esse banquete sem preocupação, o meu provador irá provar tudo que desejar comer.
— Deveras não tenho palavras para agradecer, sua atitude me surpreende. — Parecia que o rei Artin sabia exatamente como agir perante minha presença, o que me deixou desconfiada.
— Não imagino como deve ser estar fora do seu próprio mundo, ainda mais sendo uma princesa, sei que precisa tomar algumas precauções.
— Que bom que pensa assim, soberano.
— Podem nos servir. — O rei ordenou.
Um homem de cabelos encaracolados e volumosos se aproximou logo após uma das mulheres servir o prato do rei e o meu. Com uma colher de prata reserva ele experimentou a comida do rei, conseguia ouvir seu coração disparar com a adrenalina e medo que ele sentia. Após alguns segundos ele com uma pequena concha também de prata, experimentou o vinho servido na taça do rei, conseguia ver as gotas de suor descer pela sua têmpora, despois de alguns segundos ele sorriu aliviado afirmando que estava a seguro.
Mas seu sorriso durou poucos segundos, quando ele se virou lembrando que ainda havia o meu prato para provar, com o mesmo nervosismo ele repetiu tudo que fizera com a refeição do rei, findando com um generoso gole de vinho. Novamente ele respirou fundo e sorriu aliviado, informando que estava seguro.
Todos começaram a saborear as especiarias nobres da mesa farta, um banquete que alimentaria uma exército, estava exposta para apenas três pessoas. O rei, eu e o Slow. Me deparei com alguns sabores exóticos que nunca havia provado antes, a carne vermelha e macia parecia derreter na minha boca, era suculenta e surpreendentemente saborosa. E o vinho, era digno de uma rainha, com seu sabor suavemente cítrico e adocicado. Foi exatamente naquele dia que peguei gosto pela a tradicional bebida.
— Majestade. — depositei a taça sobre a mesa. — Como exatamente meu pai salvou Agá?
— É uma longa história Alteza. — ele sorriu e tomou um pouco de vinho. — Foi a aproximadamente uns vinte anos atrás, naquela época ainda não havia assumido o trono, era o único herdeiro e nosso reino passava por um momento difícil, uma seca severa atingiu toda a província, porém o reino de Agá foi o mais prejudicado.
Um dia antes da minha coroação, fui sequestrado por soldados de outro reino durante uma tradição de caça, que o futuro rei deve cumprir. Foi tudo muito rápido, vi meu comboio ser atacado brutalmente por flechas disparadas de todos os lados, no meio da confusão meu cavalo foi ferido causando-me uma queda bruta. Antes que eu pudesse me levantar um saco escuro foi colocado sobre minha cabeça, meus braços foram amarrados e meu corpo jogado com brutalidade sobre um cavalo como um saco de trigo.
O cavalo disparava em alta velocidade, e tudo que passava pela minha mente era o pensamento de ser um homem morto assim que eles chegassem ao seu destino. Mas no meio do caminho houve uma movimentação diferente; apesar de estar com a cabeça coberta ainda conseguia enxergar um pouco através do tecido escuro, um homem junto a uma pequena escolta foi o motivo dos sequestradores pararem repentinamente. O homem que aparentemente era o líder deles questionou o porquê eles estavam carregando um suposto prisioneiro. Esse homem era o seu pai princesa.
O rei Dalibor não hesitou, lutou bravamente junto aos seus soldados, amarrou os homens em uma árvore e me soltou, seu pai não sabia quem eu era, mas ainda assim ele optou por salvar a minha vida.
Ordenou que seus soldados deixassem os homens amarrados como punição, pois não iriam matar nenhum deles, e então me acompanhou até Agá para que eu chegasse em segurança.
Na época fiquei muito agradecido, seu pai era um homem de presença, empoderado, logo se notava que ele carregava sangue real em suas veias, convidei ele e toda sua escolta para se instalarem nas acomodações do palácio, expliquei que passávamos por uma seca, mas que o que tínhamos poderíamos dividir com eles.
— Então quando fala que ele salvou Agá, se refere a ele ter salvo a sua vida? — ouvir sobre o meu pai era inexplicável, e cada vez mais me questionava por que os soldados que conseguiram atravessar o portal nunca relataram tal acontecimento?
— Não minha querida, seu pai realmente salvou Agá. — ele sorriu e seus olhos brilharam húmidos. — Dalibor aceitou se instalar no palácio, e ordenei que preparassem um banquete para ele e seus soldados.
— Mesmo passando por uma terrível seca? — perguntei surpresa, era difícil acreditar que um humano faria tal coisa.
— Precisava agradecer de alguma forma, após o banquete seu pai me chamou para uma caminhada pelo reino, ele queria conhecer as terras. Em um certo ponto ele simplesmente se abaixou, colocou as mãos sobre a terra seca e a pedra do seu colar começou a brilhar em um azul claro. Senti o chão tremer, e poucos segundos depois toda terra seca começou a ficar húmida, seu pai trouxe água para o reino. Naquele momento eu não fazia ideia de como aquilo estava acontecendo, a única certeza que eu tinha era que o seu pai estava fazendo aquilo.
— Sempre ouvi os relatos de que ele podia controlar a água. — minhas vistas ficaram embaçadas e uma lágrima escorreu por minha bochecha. — E depois, o que aconteceu?
— O reino voltou a ficar próspero, em poucos dias as plantações estavam crescendo novamente, seu pai ficou mais algum tempo aqui no reino, ficamos amigos, ele me contou sobre seu mundo, sobre a rainha Kayla e sobre seu primeiro herdeiro.
— Por isso o reino Agá é tão próspero?
— Sim, não foram os deuses como todos acreditam, foi o seu pai.
Era difícil entender como um estranho conseguia falar do meu pai de uma forma tão profunda, como se o conhecesse a décadas, e o meu povo, os homens que presenciaram a morte dele não relatar nada do que tomei conhecimento naquela noite.
Um humano estava sendo mais sincero que o meu próprio povo. A raça que tanto odiei, que desejei destruir, a mesma que o meu pai salvou.
Deveras os conflitos internos cada vez mais me corroíam por dentro, parte de mim não queria aceitar que estive errada, e a outra se sentia de certa forma aliviada? Eu mesma não conseguia distinguir o que estava acontecendo comigo, a única coisa que eu ainda tinha certeza era que precisava encontrar a outra parte do cristal azul.
Me perdi em meus próprios pensamentos, com a taça de prata na mão tomava generosos goles da bebida avermelhada e escura, por um instante tudo pareceu lento, a sensação era estar debaixo da água, o som estava abafado, minha mente estava inerte.
— Alteza! — de repente fui puxada para a realidade com uma certa rapidez, o toque quente da mão do Slow me provocou um calor interno. — Está tudo bem?
— Sim. — Respondi automaticamente de forma rápida, deveras não estava nada bem.
— Princesa, sei que recebeu muita informação está noite. — o rei se dirigiu a mim de forma amigavelmente calorosa. — Talvez devesse ficar mais tempo, seria uma honra. Como disse é bem vinda em Agá, mas ainda não é de meu conhecimento o motivo da sua visita.
— Me sinto honrada com sua hospitalidade, mas receio que não poderei prolongar meu tempo aqui. — Depositei a taça vazia sobre a mesa. — Procuro a outra parte do cristal azul do meu pai, vim até o reino Agá em busca de informações que possam me ajudar a encontra-lo.
— O mesmo cristal que ele carregava quando esteve aqui? — Artin indagou com o cenho preocupado.
— Suponho que sim Majestade, não costumamos andar sem nosso cristal.
— Farei tudo que estiver ao meu alcance para ajudá-la em sua busca, qual a informação que tem sobre o suposto paradeiro da pedra?
— Fico imensamente grata, o Dmitre me entregou parte do cristal, pelo que percebi nem mesmo ele havia notado que faltava uma parte, o mesmo se mostrou surpreso quando revelei esse detalhe.
— Não confio nesse homem, e essa história está muito estranha! Mas o príncipe Charles ficará honrado em ajudá-la nessa busca também.
— Príncipe Charles?
— Sim, Alteza, o meu filho mais velho. — sorriu orgulhoso — ele chegará em breve de uma viagem que fez para conhecer sua noiva.
— Será uma honra conhecê-lo, majestade.
— Faço muito gosto de que esse momento aconteça — O rei Artin mudou sua expressão alegre por um cenho preocupado de forma repentina. — Sobre o Dmitre estar com parte do cristal do seu pai, o que o rei Rhadac pensa sobre isso? Ao meu ver é no mínimo suspeito.
Em qualquer outra situação eu simplesmente despejaria as palavras sem cerimônia ou empatia, mas, o rei Artin estava me tratando da melhor maneira possível, se mostrava um humano diferente, honrado, e me deu detalhes que fizeram me sentir mais próxima do meu pai. Como diria a ele de uma forma pacífica que seu aliado estava morto, e que o reino Agábi havia sido tomado pelo tirano que ele acabou de demonstrar desafeto?
— Majestade... — Por um momento as palavras me faltaram. O rei mantinha sua atenção direcionada a mim, quebrei contato visual com ele, dirigindo meu olhar para o homem ao meu lado, Slow saberia como lidar com essa situação melhor que eu.
— Majestade. — Slow pigarreou. — Há algo que precisa saber, o trono de Agábi foi usurpado, infelizmente o Rei Rhadac e a Rainha Hadassah estão mortos.
— O que?! — Artin depositou a taça de prata com brutalidade sobre a mesa causando um tilintar alto e irritante. Seu olhar escureceu, podia sentir sua energia se aflorar, seus batimentos se aceleravam gradativamente, fazendo sua respiração ficar ofegante. Ele se levantou empurrando a cadeira, colocou as mãos sobre a cabeça arrancando sua coroa e gritou, gritou com toda a força que tinha em seus pulmões, um grito de dor, mágoa, de raiva. Caindo de joelhos, seu rosto era banhado por lágrimas amargas, e sua coroa estava jogada sobre o porcelanato frio.
Todos os servos se retiraram da sala de modo calmo e organizado, apesar de seus rostos demonstrarem o espanto, eles pareciam saber que precisavam dar privacidade ao rei.
Slow se apressou em tentar acalmar o homem desolado, mas foi em vão. Artin sentia seu próprio peito rasgar, de alguma forma eu conseguia sentir a potência de sua dor, sua energia que sempre fora leve estava escura, e o ambiente se tornou pesado.
Me levantei calmamente, me dirigi ao alcance do rei, me abaixei tocando um dos joelhos sobre o chão forrando o porcelanato com meu volumoso vestido amarelo, toquei o rosto do rei direcionando sua atenção para mim, olhei em seus olhos pretos por longos segundos, então usei minha energia para acalma-lo, meu cristal brilhava intensamente, minha mão sobre a pele negra do seu rosto transmitia a luz vermelha que era usada para amenizar seus sentidos, dando-lhe uma sensação de calmaria. Não sabia se funcionária com um humano, mas arrisquei, não conseguia presenciar aquele homem sofrer daquela forma. Não depois de tudo que ele fizera.
Sugava sua dor com delicadeza, sentia meu peito arder, causando-me uma sensação de melancolia, quando percebi que sua energia voltara a essência normal desvencilhei meu toque de sua pele, e meu cristal se apagou assim como a minha mão voltou ao tom normal da minha pele clara.
Seus olhos negros continuavam fixados aos meus olhos que aquele momento provavelmente voltara ao verde esmeralda, ele ficou involuntariamente imóvel.
— Majestade, está se sentindo melhor? — Indaguei de forma suave esperando uma resposta que não recebi, ele se manteve inerte em meus olhos. — Majestade! — Bradei com autoridade, fazendo voltar do transe.
— O que fez? — Seu olhar era assustado. — O que fez comigo Princesa?
— Amenizei sua dor referente a sua perda, não se preocupe, não arranquei seu coração! — Falei em um tom brincalhão.
Slow que me olhava de uma forma diferente, ajudou o rei se levantar dirigindo-lhe até a cadeira que estava acomodado antes, pegou a coroa dourada e colocou sobre a cabeça do rei com cuidado e reverência.
— Se sente melhor Soberano? — O comandante carregava preocupação em sua voz.
— De fato estou melhor, obrigada princesa.
— O soberano era muito próximo ao rei Rhadac? — Questionei tentando entender toda situação.
— Sim Alteza, Rhadac e eu nós conhecemos ainda garotos, e depois que os anos se passaram nossa amizade se tornou cada vez mais forte, tinha muita apresso por sua pessoa. — ele se calou por alguns segundos. — Além disso, Rhadac fora meu aliado a anos, Agábi sempre defendeu o reino Agá, não somos um reino forte em combate, e por ser um reino muito rico e próspero passamos a ser atacados frequentemente, mas Rhadac sempre tomava a frente da situação quando se tratava de um ataque contra nosso reino. Todos os soldados que viu princesa foram treinados pela guarda real de Agábi, e todos os arqueiros sobre o grande muro que cerca o reino são soldados de Agábi.
— Entendo o quão complicada a situação se tornou. — Lamentei.
— Quando a notícia que o reino Agábi foi tomado pelo Dmitre chegar em toda província, o reino Agá ficará vulnerável. — Declarou Slow com o semblante sério.
Por mais que minha prioridade fosse encontrar a outra parte do cristal do meu pai, Não podia simplesmente ignorar o que estava diante dos meus olhos, não poderia deixar o reino que o meu pai salvou ser atacado, muito menos usurpado por outro rei. Estava disposta a proteger Agá e todos que ali viviam, devia isso ao meu pai.
O silêncio pesou sobre o grande salão, iluminado pela luz dourada do fogo que aquecia o ambiente. Encarava as faces preocupadas dos dois homens a minha frente, o rei parecia perdido em seus próprios pensamentos, e o comandante mantinha sua postura rígida, porém seus ombros estavam caídos, despejei o vinho da jarra de prata em minha taça atraindo a atenção dos dois, me levantei observando-os com um leve sorriso, e virei a taça em meus lábios sentindo o delicioso sabor da bebida.
— Ninguém atacará Agá! — Depositei a taça sobre a mesa. — Este reino e todo o povo vivente nele, estarão sob minha proteção!
Àquela altura já imaginava que talvez o meu maior inimigo seria o Dmitre, tomar a frente da segurança do reino de Agá era uma jogada inesperadamente arriscada para os meus planos, mesmo ainda não sabendo como eu os protegeria. Manteria tal informação longe do conhecimento do tirano o máximo possível.
Apesar do cenho preocupado do rei Artin, pude perceber um certo alívio de sua parte, deveras ele confiava em mim, talvez pensasse que eu pudesse ser tão poderosa quanto o meu pai. De fato, ainda não sabia como iria proteger seu reino. A única coisa que eu tinha certeza, era que precisava ouvir a voz que gritava dentro do meu peito para protege-los a qualquer custo.
Seria aquela voz a minha própria consciência?
— Faria isso por Agá? — Indagou o rei com a voz abafada.
— Da mesma forma que fez um banquete para o meu pai durante uma terrível seca! — Afirmei. — Qualquer um que tentar atacar esse reino, terá que passar por mim primeiro.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro