Espanha 4
Enquanto tudo parecia desmoronar ao meu redor devido à briga com Christopher, me sentia impotente para qualquer coisa relacionada ao trabalho ou a vida, de maneira geral. Acompanhava o ponteiro do relógio se movimentando lentamente para um número sem interesse, o que dizimava cada vez mais a minha vontade de responder qualquer pergunta, e-mail ou até sorriso. A vontade de viver era nula e se pudesse, sumiria agora... Ok, não gostaria de morrer àquela hora, mas minha vida sem o Christopher é praticamente morte... Mas ele tem que aprender!
Até tentei fingir estar tudo bem, mas quando tudo parecia estar se acalmando, Lucas, num gesto gentil e inocente, atendeu ao telefone da minha sala enquanto eu estava em uma reunião, e, adivinhem, para a minha sorte era Christopher. Ele não gostou nem um pouco de outro homem estar atendendo o meu telefone... Ou seja, mais alguns gritos e desentendimentos.
Era tudo o que eu precisava.
Do céu, ao inferno.
Mas quando me dei conta, já faltava muito pouco para regressar a NY. Se não fosse por todas essas brigas e lágrimas, até poderia dizer que o tempo passou voando... Mas não passou. Para ser sincera, não estou com muita vontade de voltar agora, pois tenho certeza que quando encontrar com Christopher, frente a frente, não irei conseguir ficar nervosa, o que é um saco, pois estou nervosa e muito!
Carne fraca, meu bem!
E sabe o que é o pior de tudo? Para ser o pior de tudo, tem que ser bem ruim mesmo, porque se tudo já está na pior, o pior do pior só pode ser bem péssimo! Enfim, agora que estamos brigados, tudo está contra mim. TUDO! Onde quer que eu vá toca uma música relacionada a nós dois. Olho para o lado e vejo vários namorados apaixonados, trocando carinhos e chamegos... O que me leva a ficar remoendo de saudades e angústia! Porque por mais que ele mereça cada palavra que eu lhe disse, queria poder estar ao seu lado agora!
Sei que sou uma idiota por não conseguir brigar com ele de verdade, se bem que dessa vez já faz mais de uma semana. Mas alguém já escutou falar daquela frase totalmente brega e clichê, porém totalmente adequada para essa situação: Quem nunca cometeu uma loucura de amor é porque é louco de nunca ter se apaixonado? Ou é algo do tipo, tanto faz.
Mas tenho que continuar levando essa briga para frente até ele aprender a confiar em mim de olhos fechados... Só espero que seja logo, caramba.
Depois de mais um dia de trabalho, eu me enfiei debaixo do chuveiro e liguei a água fria – praticamente um congelador – para ver se pegava algum resfriado verdadeiro e ter outro motivo para não ter que sair do quarto por mais algumas horas. Mas já era de se esperar que o telefone do quarto tocasse justamente na minha hora de descanso para me atormentar... Resolvi ignorar, tendo uma leve impressão de que era Astolfo, ou seja lá o nome do cara... Mas pelo jeito a pessoa da outra linha era insistente, já que continuou tocando... E tocando... E tocando... Até quando desisti de ter um minuto em silêncio e fui atender aquela porra escandalosa.
— Sim?
— Dul, aqui é o Adolfo... – UAU, me conta uma novidade, idiota! Peraí, Dul? – Tudo bem?
— Sim, e com você?
— Perfeito... – e eu com isso! – Quero saber se você vai sair...
— Não que eu saiba. Vai ter algum projeto hoje? – animação para sair = 0.
— Não exatamente... Queria saber se você quer sair comigo... Como um encontro.
Gelei. Literalmente. ERA ELE O ANÔNIMO! Meu chefe era o anônimo! MAS QUE PORRA! Não sabia o que fazer de tão pasma que estava, se bem que eu já desconfiava, mas não acreditava que poderia ser verdade. O ASTOLFO (ou seja lá o nome dele mesmo!). O QUE EU FAÇO, O QUE EU FAÇO, O QUE EU FAÇO?
— Adolfo, eu tenho namorado!
— Mas vocês estão brigados.
— Como você sabe? – COMO? Ai meu Deus, estou começando a ficar com medo.
— Você fica resmungando sobre isso já tem quase duas semanas... – AH!
— Mas é uma briga temporária, como de qualquer casal! – falei decidida – Me desculpe, não posso. Uma boa noite! – e desliguei correndo.
AI MEU DEUS, mas que porra! Comecei a me revirar por dentro, não acreditando que tudo aquilo poderia estar acontecendo comigo! O que eu tinha feito para merecer tudo aquilo? Tentei respirar fundo e acalmar os nervos, mas não conseguia entender como tudo tinha mudado desde que eu chegara na Espanha! TUDO.
E o telefone continuava a tocar. Adolfo pelo jeito não me deixaria em paz por tanto tempo, mas não podia mandá-lo a merda porque ele era o MEU CHEFE! Porque meus chefes sempre acabam gostando de mim? Primeiro o Marco, depois o Christopher, depois o Adolfo... AI MEU DEUS, TOMARA QUE A PAULA NÃO GOSTE DE MIM!
DULCE, PARE DE PENSAR EM UMA TALVEZ TARA LÉSBICA QUE SUA CHEFE PODE TER POR VOCÊ! AI, BOSTA.
Respira, respira, respira, respira...
Acho que vou ligar para a Maite... Não, aquela traira vai contar para o Christopher que vai ter um ataque e vai me ligar para brigar mais e... EU NÃO TENHO NINGUÉM PARA DIVIDIR MEUS SENTIMENTOS!
Que decadência social, Dulce.
Estava andando de um lado para o outro no quarto realmente sem saber o que fazer. O toque do telefone acompanhava os meus passos. Eu estava literalmente ferrada, perdida e angustiada. Queria muito ligar para o Christopher e contar o que aconteceu, mas não tinha condições de aguentar outra briga. Mas me sentia mal de não contar para ele. Por outro lado eu queria voltar para NY correndo apenas para não ter que encarar mais o Adolfo, mas não podia fazer isso, querendo ou não.
E o telefone tocava, tocava...
Tocou até eu não aguentar mais e atender. Atendi irritada, pensando que era Adolfo, mas não era. Fiquei com pena da pobre recepcionista que estava me ligando havia mais de meia-hora, mas assim que ela me deu o recado, falando que alguém me esperava no restaurante aberto, enfureci novamente. Só me faltava Adolfo ter vindo até aqui para se declarar pessoalmente ou coisa do tipo. Vesti uma roupa qualquer e desci para dar um fim naquilo tudo, mas não conseguia não ficar temerosa e ansiosa.
Era só o que me faltava, de onde aquele cara tinha tirado tanta ousadia para vir aqui falar comigo? Ai meu Deus, será que estou fazendo errado em descer? Vai que ele pensa que estou lhe dando uma chance! Ai, que merda. Acho que vou voltar...
Não, não vou. Vou descer e falar para o Adolfo que nunca vou ter nada com ele. Nunca. Ai, caramba, to começando a entender o lado do Christopher. Tenho que me lembrar de pedir desculpas para ele assim que voltar para o quarto... Ai, merda.
E lá estava Adolfo sentado no bar do restaurante aberto. Hoje era dia de show e enquanto uma moça cantava uma salsa, eu respirava fundo e pegava toda a coragem que possuía para me encaminhar até onde ele se encontrava. Parei ao seu lado e vi que ele percebeu a minha presença, abrindo um sorriso.
Quis vomitar.
Ok, não vou exagerar a esse ponto, mas que ele é um canalha ele é. Tudo bem que ninguém manda no coração e etc, mas cobiçar uma mulher comprometida desse jeito? Ah, fala sério. Puta merda, falei como se fosse casada há séculos.
— Está linda... – tentando me comprar com elogios? Há-há.
— Adolfo, já te disse que não vou sair com você...
— Você disse que não iria sair, por isso vim até aqui... – ai, caramba.
— Olhe Adolfo, vou falar sinceramente... Se fosse um ano atrás, eu aceitaria seu convite e tudo mais, mas atualmente e futuramente vou recusá-lo. Tenho namorado e não é porque estou brigada com ele que irei traí-lo. Para ser sincera, foram os seus e-mails que nos levaram a brigar... – a expressão dele ficou séria e emudeci, esperando uma resposta.
— Que e-mails? – ANH?
— Os que você tem me mandando desde que cheguei...
— Não sou eu, Dulce.
— E as flores? Os chocolates? As jóias? – ele negou com a cabeça, dando outro gole na bebida, também confuso – Não compreendo!
— Muito menos eu... – permaneci em pé e cruzei os braços, cada vez mais sem entender o que se passava ali. A música havia terminado e eu me perdido no som dos meus pensamentos. – Quer beber algo?
— Já disse que não quero nada com você, Adolfo. Nossa relação é profissional e não é porque meu namorado não está aqui que... – parei de falar quando escutei um "Dedicado para Dulce...". Olhei para o lado e o apresentador sorria e apontava o dedo para mim, seguido por uma luz que me cegava.
Era tudo o que eu precisava... Uma declaração musical do Adolfo.
— Não acredito que você fez isso, Adolfo! – murmurei, mostrando que não estava nem um pouco contente.
— Mas também não fui eu!
— Mas então quem...
— Someone like you, de Christopher para Dulce. – o cantor falou no palco.
QUE?
I've been searching a long time for someone exactly like you. I've been traveling all around the world waiting for you to come through someone like you. Make it all worth while someone like you keep me satisfied. Someone exactly like you...
Engoli em seco enquanto as lágrimas se tornavam frequentes em meus olhos, eu comecei a virar a cabeça procurando em todos os cantos do restaurante por ele. Christopher estava ali. Ele estava ali. Meu Christopher estava aqui.
I've been travellin' a hard road, baby lookin' for someone exactly like you. I've been carryin' my heavy load waiting for the light to come shining through. Someone like you make it all worth while. Someone like you make me satisfied. Someone exactly like you...
Andei e parei em frente ao palco, de onde teria uma visão melhor. Não conseguia controlar o choro, não conseguia nem respirar direito. Se existiu algum momento em que meu coração estava para sair pela garganta, o momento era aquele.
I've been doin' some soul searching to find out where you're at. I've been up and down the highway in all kinds of foreign lands. Someone like you make it all worth while...
Christopher...
Assim que a música terminou e todos os presentes terminaram de bater palma, eu continuei parada encarando Christopher, que não deixava de sorrir. Olhei para o lado por um momento só para dar um sorriso para Adolfo. "Meu namorado está aqui, você vê porque não quero sair com você agora?" foi o que eu disse para ele antes de subir no palco e pedir educadamente para o apresentador me concedesse o microfone e ele fez isso com muito bom gosto. Pedi para os músicos algumas notas e sentia o olhar de Christopher em minha pele, observando cada passo. As luzes diminuíram e abri um sorriso doce, sentindo como todos esperavam algo de mim.
— Oi... – vi que todos sorriram para mim e suspirei – Quero um minuto da atenção de todos para contar algo que, sinceramente, não tem nada haver com vocês. Vocês não me conhecem, ou podem até me conhecer, já que estou neste hotel há quase um mês. Não moro aqui, moro em NY, estou aqui a trabalho. Vocês realmente não devem entender porque estou contando tudo isso, mas uma hora espero que entendam. Durante essas duas últimas semanas minha vida tem sido um inferno e a única razão para isto é que a pessoa que eu amo não estava me dando muitas razões para ficar feliz. Confesso que fui radical e cheguei a desligar o telefone em sua cara inúmeras vezes, mas não conseguia compreender como ele poderia achar que ficaria com outro homem quando tinha ele ao meu lado. Posso parecer brega ao dizer isso, mas ele é a minha vida e o amo muito, por isso dedico essa música a ele...
Todos bateram palmas e até então ainda não tinha mirado os olhos de Christopher, mas assim que as primeiras batidas começaram, percorri o salão até encontrá-lo.
— And when you speak, angels sing from above. Every day words seem to turn into love songs. Give your heart and soul to me and life will always be la vie en rose. I thought that love was just a word, they sang about in songs I heard. It took your kisses to reveal, that I was wrong, and love is real. Hold me close and hold me fast, the magic spell you cast this is la vie en rose. When you kiss me, Heaven sighs, and though I close my eyes I see la vie en rose. When you press me to your heart, I'm in a world apart, a world where roses bloom... And when you speak, angels sing from above. Every day words, seem to turn into love songs, give your heart and soul to me and life will always be la vie en rose...
Fui aplaudida, mas isso não me importava. Queria sair daquele palco e estar nos braços de Christopher. Era isso que queria há muito tempo. Desci as escadas com passos largos e corri para seus braços. Me joguei, literalmente, e ele me recebeu com os braços abertos, me prensando contra seu corpo no outro instante. Chorava na beira de seu ouvido e ele sussurrava inúmeros pedidos de desculpas no meu. Confirmei com a cabeça ainda contendo as lágrimas, mas assim que ele disse "Não quero te perder nunca...", desabei outra vez, lhe abraçando cada vez mais forte, tentando acreditar que aquele momento era real.
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