- Juramento de Lealdade -
Muito semelhante à como a irmã fizera pouco mais cedo no início da noite, o príncipe Allanel dava passos pesados e apressados enquanto cruzava os corredores do Castelo da Corte. Os criados se afastavam na esperança de não levarem ofensas ou ordens agressivas, mas poucos davam-se ao trabalho de dar-lhe cumprimentos ou graças. Ele logo viu-se diante de uma porta que foi incapaz de pará-lo.
— Mãe! — O menino entrou nos aposentos da rainha sem anunciar sua presença, mas o fato da porta não estar sendo guarnecida também contribuiu.
Eline estava sentada numa cadeira de madeira ornamentada e dedilhava lentamente as cordas de uma lira dourada, era um belíssimo instrumento. Quando viu o filho, deixou a lira de lado e virou-se calmamente para ele.
— Sim, querido?
— O que meu pai te acusou era verdade? — perguntou ele, sem contratempos. — Sobre querer me colocar no trono depois que ele morrer?
Eline permaneceu quieta analisando a pergunta, pôde perceber o quanto o menino desejava ansiosamente uma resposta.
— Sim. Era verdade, sim.
No fundo Allanel esperava uma negação. Mas também não descartava aquela resposta.
— Eu nunca concordei com isso. Na verdade, você nunca sequer me falou sobre isso. Fenuella certamente vai se enfurecer comigo, pensando que eu conspiro contra ela para tomar seu lugar no trono.
— Deixe que ela pense o que quiser — disse Eline com desdém. — Você não precisa da simpatia dela para viver. Nunca precisou.
— Mas e quanto ao meu pai? Ele deve achar que eu crio planos secretos para dar um golpe na coroa. Me expulsou da sala depois que você saiu, não quis nem ouvir o que eu tinha a dizer! Mas Fenuella não, ele fez questão de ficar com ela lá!
— Ei, ei, não precisa se enfurecer por causa das preferências do seu pai. — Eline levantou-se de seu assento e foi até o filho, puxou o menino para sentar ao seu lado no macio colchão de sua cama luxuosa.
— Ele claramente gosta mais da minha irmã e nem se dá ao trabalho de esconder isso. — Allanel possuía uma feição tristonha em sua face, embora se esforçasse para não parecer uma criança chorosa.
— Você não deve se comparar com Fenuella, meu querido — Eline ajeitava carinhosamente o cabelo do menino enquanto falava com ele. — Você é mais importante do que ela.
— Hunf, qual mãe não diria isso?
— Não digo isso só por você ser meu filho, mas também por ser o descendente de um rei. Você é um homem, portanto, é o herdeiro do trono independente das preferências de seu pai.
Allanel não sabia ao certo o que pensar sobre aquilo. Por um lado parecia ser muito bom para si, mas também poderia trazer desavenças com mais membros da sua família e corte.
— Mas eu espero não assumir em breve, quero me preparar para isso nos próximos anos.
— Você está certo em querer isso — ela concordou de forma serena. — Ser rei é um fardo e uma honra. Você precisa estar preparado para quando a hora chegar, seja que ela venha em breve ou que demore.
Alguém bateu na porta do quarto, o que chamou a atenção da mãe e do filho. Eline já sabia de quem se tratava, afinal estava esperando pacientemente enquanto tocava sua lira. Quando deu ordem para que entrasse, Orsolis passou pela porta.
— Oh, não esperava encontrar meu sobrinho aqui — disse Orsolis, aparentemente estava surpresa com a presença do menino, aquilo realmente não estava em seus planos.
— Allanel já está de saída. — A fala da rainha incomodou o menino terrivelmente.
— Você quer que eu saia? Está agindo igual meu pai!
— Querido, nós vamos discutir os detalhes da posse do novo comandante. Provavelmente ficaremos aqui até o amanhecer. Vai querer se juntar a nós?
Aquilo definitivamente não parecia algo convidativo para um jovem príncipe cheio de energia.
— Não — disse ele por fim. — Pensando bem, não vou querer não. Prefiro ir andar a cavalo.
— Ótimo. Não se esqueça do que conversamos, sim?
Após anuir para a mãe, o rapaz levantou-se e passou pela tia, esta lhe deu ligeiros acenos de despedida com os dedos. Quando finalmente pôde fechar a porta do cômodo, Orsolis virou-se para a irmã.
— Devo perguntar o que ele queria?
— Veio se queixar que o pai gosta mais da filha do que dele.
— Pobrezinho. Deve ser péssimo ser desprezado pelo pai.
— Péssimo para ele, ótimo para mim. — Eline foi até uma mesinha e encheu duas taças de vinho, serviu uma delas à irmã. — A apatia de Allanel para com o pai é vital para que ele não seja fraco na hora de assumir o trono.
— Quanta insensibilidade. O menino não é um animal para ser controlado, Eline.
— Eu não estou controlando ninguém, você sabe que ele não concorda que Fenuella assuma o lugar do pai. Além do mais, nem mesmo ela quer a coroa, prefere continuar convivendo com soldados no meio da bosta de cavalo.
— Você deveria agradecê-la por isso, sabia? — disse Orsolis. — Afinal está deixando o caminho aberto para você controlar o reino por trás de Allanel. Mas eu tenho minhas dúvidas se ela realmente escolherá abdicar-se. Fenuella não é burra, Eline. Ela sabe que o menino não passaria de uma marionete nas suas mãos.
— Você está falando como se eu desejasse que Allanel fosse rei unicamente para manter minhas riquezas. — Ela tornou a sentar-se no assento enquanto bebericava seu vinho.
— Vá me dizer que não é? — Orsolis sentou-se na cama e escorou-se na cabeceira.
— Não. Penso muito além do que isso, irmã. Muitas coisas estão em jogo e dependentes de quem sentará naquele trono.
— Quanta nobreza da sua parte. Eu acabei de ser informada que o nosso rei deixou o castelo em uma carruagem. Fenuella o acompanhava.
Eline teve um mal pressentimento.
— Isso é exatamente o que eu temia. Agora já podemos ter certeza de que Grival sucumbiu às ideias absurdas da filha. Provavelmente foi ao encontro daqueles cavaleiros.
— Se refere àqueles cavaleiros que querem começar uma guerra contra Vordia?
— Esses mesmos. Se Grival aceitou ir conversar com eles, seja lá em qual buraco que estão escondidos, então não há como esperar menos do que a concordância dele com essa loucura.
— Por que você teme tanto assim por essa guerra, Eline? Já passou por sua cabeça que nós podemos sair vitoriosos?
— Isso poderia acontecer se o rei que temos fosse um líder de verdade. Um exército precisa de alguém que os encoraje, um líder forte e destemido, com conhecimento estratégico e que não tem medo de marchar para a batalha, como os antigos reis faziam. Grival não teria coragem nem de cavalgar com seus homens até os portões da muralha, quem dirá para terras inimigas. Todo o reino sabe o quanto ele teme Valandir. Mas eu não o culpo, uma derrota humilhante daquelas não poderia gerar nada além de medo. Asmabel está longe de ter capacidade militar para vencer o exército vordiano. Quando nossas tropas forem para lá, a cidade estará totalmente desprotegida. Você acha que Valandir esperará muito para nos atacar? Será o nosso fim.
— Mas eu ouvi dizer que esses cavaleiros propõem que façamos uma aliança com Gandalar. Dois exércitos certamente servirão para derrotar Vordia.
— Não seja estúpida. O rei de Gandalar é um homem orgulhoso e traiçoeiro. Quando nosso exército sair em marcha, a primeira coisa que Hender fará é invadir a cidade e nos entregar nas mãos de Valandir, que certamente o recompensará bem por isso. Caso não se lembre, Hender era seu vassalo antes da Independência de Gandalar. Nós estamos fadados a morrer, Orsolis, seja pelas mãos do rei de Vordia, ou do rei de Gandalar. Essa guerra será o fim de Asmabel.
A rainha proferia seu discurso com um tom de revolta e melancolia. Percebia-se a preocupação que ele emanava em cada palavra.
— Eu preciso de mais vinho senão vou acabar ficando igual a você. Se preocupar demais com o futuro dá rugas, irmã. — A Contadora dos Lucros andou até a mesinha para encher sua taça. E mais uma vez houve batidas na porta. — Oh, parece que o nosso convidado de honra chegou.
Quando a porta foi aberta, o vencedor do desafio, Eledon, entrou no cômodo de forma respeitosa e cordial. O homem trajava um gibão de couro escuro e parecia ter tido o cuidado de pentear seu cabelo castanho para trás.
— Saudações, Majestade. — Ele fez uma sutil reverência. — E saudações, senhora Contadora dos Lucros.
— Só Senhora Orsolis já está bom, meu bem. Uma taça de vinho?
— Não, obrigado. Não quero correr o risco de me embebedar até a cerimônia de posse — disse ele com um sorriso gentil.
— Como você está, Eledon? — perguntou Eline sentada no assento. — Não tive a oportunidade de conversar contigo depois do desafio. Aliás, eu o parabenizo pela sua vitória. A bravura e habilidade que demonstrou na luta contra aquele monstro foram extraordinárias.
— Agradeço muito as parabenizações, Majestade. De fato eu me preparei arduamente para o desafio, e para o posto que estou prestes a ocupar também.
A rainha escutou e apenas sorriu como resposta àquilo.
— Diga-me, tem família? — perguntou ela.
— Sim, sou casado há pouco tempo. Minha esposa está prestes a ter nosso primeiro filho.
— E como é a casa de vocês? Moram em qual região da cidade?
— Bom, sinto informar que não venho de nenhuma linhagem nobre, Majestade. Sou filho de carpinteiros. Herdei a casa de meu pai que fica na região dos operários. É uma casa simples, mas que nos dá conforto.
— Mmm. Quantos filhos você e sua esposa pretendem ter? — Ela perguntava enquanto bebia seu vinho de gole em gole.
— Muitos — Ele riu. — Isso é quase uma tradição da minha família.
A rainha trocou olhares de concordância com Orsolis, esta apenas observava a interação dos dois sem interferir em momento algum.
— Você não acha que uma residência seria melhor do que uma casa simples? — indagou Eline. — Para alguém que deseja ter muitos filhos?
— Bom, seria sim. Mas eu não tenho condições de comprar uma residência, Majestade.
— Você não vai comprar, eu te darei uma.
Aquilo soou estranho aos ouvidos do homem. Ele julgou ser uma brincadeira, mas logo percebeu que não.
— E o rei estaria de acordo com isso, Majestade? Não é comum que comandantes de guerra sejam presenteados com residências enormes.
— O rei não precisa saber disso porque não será ele que te dará, serei eu.
Eledon analisou a oferta.
— Imagino que esse presente exija algo de minha parte.
— Ora, você já me fez um favor lá no desafio. Poderá fazer outros, não? Mas acalme-se, não quero que sua lealdade a mim seja baseada em troca de favores. Você será nomeado Comandante do Exército nos próximos dias, mas quero que seja mais recompensado. Te darei uma residência para que você more com sua esposa e crie seus filhos. Também terá uma fazenda, para que plante e comercialize seus produtos, para que enriqueça de forma rápida. Seus filhos terão o direito de visitar a biblioteca do castelo, para que sejam letrados pelos andors, e sua esposa estará isenta de pagar por vestidos e acessórios, para que caminhe livremente entre as senhoras nobres. O que acha?
A incredulidade estava estampada no rosto daquele homem. A maior conquista que Eledon esperava alcançar em sua vida era o topo do exército asmabeliano. Mas agora estava diante de uma imensidão de conquistas... ou favores.
— São mais recompensas do que eu jamais esperei, Majestade. Não sei se vou ser capaz de pagar por tudo isso.
— A única coisa que peço em troca desses presentes é a sua lealdade — disse Eline prontamente. — Você deverá cumprir seu papel em defender o reino militarmente, como todos os comandantes fizeram. Mas quando eu precisar que me faça um favor, você deverá fazer sem questionar.
Eledon hesitou perante aqueles termos.
— Não posso garantir que serei capaz de agir contra as ordens do rei, Majestade.
— Não se preocupe, não te pedirei que faça nada contra alguma ordem de meu marido. Você não será prejudicado se me obedecer, Eledon. Pelo contrário, será muito bem recompensado por isso.
O homem pensava e pensava. Seus olhos iam de um lado para o outro pelas paredes daquele cômodo grandioso.
— Bom, se for assim, então acho que não será problema — disse ele por fim.
— Preciso que jure lealdade a mim.
— Hunf, é sério isso? — Orsolis caçoou, ela julgava tal pedido como algo cafona demais.
— Empunhe sua espada e jure lealdade à sua rainha acima de todos.
Eledon quase temeu a seriedade na qual a monarca havia feito tal pedido. Eline parecia emanar ansiedade para que ele cumprisse logo o que lhe era solicitado. E ele não demorou a fazer. Retirou sua espada da bainha, ajoelhou-se perante ela sentada no assento ornamentado, virou a lâmina para baixo e segurou no punho firmemente com as duas mãos.
— Pelo meu nome e pela minha honra, juro lealdade à Rainha Eline de Asmabel. Juro obedecer as ordens me dadas mesmo que sejam contra a minha vontade. Juro seguir seus passos mesmo que sejam em terra de morte. Juro protegê-la mesmo que seja cobrado a minha vida. A minha espada é sua, e não a deixarei até que eu morra ou que eu esteja livre de meu juramento.
Eline mal podia se lembrar da última vez que sentiu tamanha satisfação.
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