- As Exigências do Rei -
No interior da Cidade de Asmabel, o convívio dos três Cavaleiros Irmãos já não era mais o mesmo. Se antes eles esbanjavam uma relação alegre e de confiança mútua, agora estavam mais calados e negavam demonstrar qualquer comportamento jovial.
Borbon era o que mais passara por tal transformação negativa, por todo o dia ele não havia feito um trocadilho ou brincadeira com seu suposto rival Roren. O homem estava com uma feição abatida e não pronunciava muitas palavras. Já Roren, nenhum riso ou piada para animar o pessoal, como era de seu costume.
Mesmo que tenha se passado apenas um dia após a morte de Adamor, os quatro jovens pareciam já ter perdido toda a confiança e determinação em seguir os planos que foram estabelecidos anteriormente. Eurene vez ou outra questionou Mercel sobre o que eles iriam fazer para contornar a tragédia, mas nem mesmo o cavaleiro mais experiente dentre os três foi capaz de passar plena convicção através de suas palavras.
Naquele fim de tarde, a princesa Fenuella deixou o castelo e veio ao encontro dos companheiros, encontrou Idarcio e os mais jovens no lado de fora da estalagem, sentados em uma esquina. Todos estavam ali, menos Adilan e sua mãe. Na noite anterior, quando eles retornaram para a cidade após o enterro de Adamor, Fenuella passou longas horas na companhia de Adilan, horas que alternavam entre o prazer de estar em seus braços com a tristeza da morte do cavaleiro. Ela se culpava pelo o que aconteceu, já que fora sua a ideia de eles competirem no Desafio das Estações.
Desta vez ela veio não apenas para compartilhar do luto de todos, mas também para desculpar-se por ter lhes apresentado o tal desafio que ceifou a vida de seu líder.
— Não há pelo o quê se culpar, nobre princesa — disse Idarcio, pois os três cavaleiros não estavam por ali. — A senhorita nos apresentou uma alternativa de alcançar os nossos objetivos, e Adamor concordou em participar, mesmo estando ciente dos riscos. Além do mais, ainda faltavam alguns dias para o início do desafio quando Sua Alteza veio até nós, o que significa que certamente iríamos tomar ciência de tal coisa de um jeito ou de outro.
— Nunca vou me perdoar por isso. Eu fiquei muito aterrorizada com o que aconteceu. Eu acreditava veementemente na destreza de Adamor, acreditava que ele iria vencer. Preciso me desculpar com Mercel e os outros.
— Se seu coração necessita disso, pode desculpar-se com eles. Mas tenha em mente que nem Mercel e nem os outros guardam rancor ou desejo de vingança sobre a sua pessoa. Muito pelo contrário, é e sempre será bem-vinda a estar entre nós, princesa.
Foi através de um humilde e involuntário sorriso que Eurene e os outros puderam constatar a alegria que tomou posse da garota. Uma alegria seguida de calmaria e relaxamento.
Fenuella permaneceu conversando com Idarcio na calçada da esquina enquanto Eurene e Devin assistiam Talion usar sua nova espada para dar golpes contra o ar, em sua imaginação devia estar combatendo algum inimigo ou monstro terrível.
— Por que eles deram a espada para ele? Era para ela ser minha. — Desde que vira Talion exibindo a arma que pertencia a Adamor, Devin demonstrou grande insatisfação por não ter sido ele a receber tal honraria, tendo em vista o seu enorme apreço pelos cavaleiros.
— Você é muito baixo para usar uma espada desse tamanho — disse Eurene que estava ao seu lado na calçada. — Um golpe errado e ela te partiria ao meio.
— Isso não é verdade. E eu ainda vou ter que usar uma espada para ser um cavaleiro.
— Você já tem esse bastão aí que o Idarcio te deu, use ele.
— Não é isso.
Talion realmente havia se apegado à arma. Quando retornou para a estalagem após tê-la ganhado das mãos de Mercel, o rapaz correu para contar à sua mãe e seu irmão, que também se mostraram muito surpresos.
— Eu deixo você usar ela de vez em quando — Talion disse ao menino após ouvir suas reclamações.
— Nada disso. Ele vai acabar se machucando feio — disse Eurene.
— Você é muito chata. — O menino bufou de insatisfação.
Nesse momento, os três tiveram sua atenção tomada pela aparição de Mercel e seus dois companheiros, ambos saíam de dentro da estalagem. Fenuella, Idarcio e Filo também se atentaram à vinda dos cavaleiros.
— Nós três concordamos que devemos deixar a cidade e seguir para o Reino de Gandalar. Não há mais nada a tentar se fazer por aqui.
O anúncio de Mercel surpreendeu Eurene e Talion, cada um por seus próprios motivos. Por sua vez, Fenuella lamentou ao ouvir tal decisão.
— E quando vocês querem partir? — Talion perguntou.
— Hoje mesmo — Borbon respondeu. — Na verdade, já estamos indo pegar nossos cavalos no estábulo.
— Eu preciso falar com a minha mãe primeiro — disse o rapaz com certa indecisão. — Ela ainda não concorda com a ideia de eu partir com vocês.
— Então aproveite o tempo que vamos levar para pegar nossos animais. Não queremos perder tempo.
— Seu irmão virá conosco, Eurene? — Mercel a indagou.
— É claro que eu quero ir! — Devin mostrou-se grandemente animado.
— Nem se eu o mandasse ele ficaria aqui — disse ela.
— Ótimo. Eu os aconselho a voltarem na estalagem e pegarem tudo o que lhes pertencem, vai ser uma longa viagem até lá.
— Mercel — Fenuella se aproximou dele. — Vocês têm certeza que querem deixar a cidade agora? Ainda posso tentar dialogar com meu pai.
— Não será necessário, princesa. — Ele a contrariou da forma mais gentil possível. — O rei não está interessado em nos ajudar, e atualmente não temos mais nenhuma jogada a nosso favor. O tempo que ficaríamos aqui parados poderá ser útil numa negociação com o rei de Gandalar.
— Eu sinto muito por não poder ajudar — disse ela com uma expressão de lamento, como se seus esforços não tivessem valido nada.
— Não sinta. A amizade que construímos já é uma prova de que nossa estadia por aqui valeu a pena.
Mas antes que o grupo se separasse ou que Fenuella contestasse a escolha tomada por eles, algo inesperado aconteceu. Um pelotão de soldados surgiu marchando no fim daquela rua. As pessoas que caminhavam pelas redondezas pararam suas atividades para assistir os militares andando de forma ordenada e imperial. Logo atrás dos treze soldados, vinham dois sujeitos montados em corcéis e um andor de trajes brancos que os seguia pelo canto. Todos marchavam de forma autoritária e esbanjando respeito.
Os três cavaleiros se atentaram aos que se aproximavam. Se não fosse a astúcia de Mercel, ele não teria identificado a identidade daquele pelotão mesmo enquanto ainda estavam em marcha. Eram soldados de Vordia. E isso não podia ser negado pois as armaduras que trajavam eram muito características; um metal escuro e espesso com a falta da capacidade de reluzir o brilho do sol. Cada um daqueles homens usava elmos e suas feições eram fechadas como se fossem verdadeiras estátuas.
A marcha parou, e eles recuaram de forma ordenada para formarem fileiras pelos cantos dos dois cavalos no centro. As poucas pessoas que estavam por perto apressaram-se em correr e se afastarem, sabiam que eles não eram militares da própria cidade. Por um momento houve um silêncio no ambiente e os dois montados nos corcéis fitaram os três cavaleiros na esquina da rua, estes ainda buscavam compreender o que estava acontecendo.
— Você tem certeza que são eles? Eu só estou vendo três. — Norben dirigiu sua pergunta ao andor Umeril ao seu lado.
— Tenho absoluta certeza, comandante. Esses são os cavaleiros que conspiram contra o nosso reino.
Mesmo que não tenha conseguido ouvir os cochichos trocados entre aqueles nos cavalos, Mercel sentiu-se incomodado com tudo aquilo. Olhou de soslaio para Borbon e Roren e estes também compartilhavam de sua desconfiança.
— Vocês três, Cavaleiros de Edaron, são aqueles denominados Cavaleiros Irmãos? — Norben elevou sua voz para ser bem entendido por todos.
— Quem deseja saber? — Mercel indagou.
— Me chamo Norben, sou o Comandante do Exército de Vordia. Vocês são os Cavaleiros Irmãos?
Mercel estudou brevemente a situação e concluiu se era sábio ou não revelar sua identidade para aqueles diante de si.
— Me desculpe a falta de cortesia, comandante, mas quem nós somos não lhe diz respeito.
— Seus infelizes... respondam a pergunta! — Finnan parecia já ter perdido a pouca paciência que mantinha.
— Olhe os modos, criança. Você não está na sua casa. — Borbon o repreendeu com um olhar severo.
— Você verá quem é a criança quando estiver com a cabeça decepada, seu bêbado de taverna!
— Fique calmo, Alteza. Não estamos aqui para xingar uns aos outros — Norben o repreendeu.
— Eu gostaria de saber como é que vocês passaram por toda a guarda que vigia os portões — Fenuella os indagou. — Não consigo acreditar que foram capazes de assassinar todos aqueles homens.
— Se está preocupada com aqueles guardas preguiçosos, fique tranquila, garota — disse Norben. — Nosso andor Umeril foi o responsável por enfeitiçar todos eles para que chegássemos até aqui. Ninguém foi morto.
— Por enquanto — Finnan salientou.
— Senhores — Idarcio intrometeu-se na conversa. — Todos estamos cientes de que vieram até aqui com intenções violentas, tamanho armamento não poderia significar outra coisa. Mas nós esperamos que vocês tenham a decência de poupar esses cidadãos de presenciarem um derramamento de sangue desnecessário.
— O Rei Valandir nos ordenou que levássemos os cavaleiros vivos até ele, andor. O rei deseja conhecê-los.
— Por que ele quer nos conhecer? — Roren indagou.
— Para saber quem são os cavaleiros que conspiram contra ele.
— Bom, você já está nos vendo. Volte para o seu rei e conte a ele como nós somos.
— Isso não será possível. Vocês devem vir conosco.
— É uma armadilha — Borbon alertou. — Eles querem nos tirar da cidade para nos matar e enterrar no meio do caminho.
— Eu sei que as palavras dele não passam de mentiras, meu amigo — Mercel afirmou calmamente. — Eu estava apenas curioso para ouvir qual desculpa eles usariam.
— Ahhh, chega de perder tempo — Finnan exaltou-se novamente. — Meu pai ordenou que nós os levássemos vivos ou mortos. Então ou vocês venham e poupem essas pessoas imundas de os verem morrerem, ou fiquem e esta rua será banhada com o sangue de vocês.
— Mas que rapaz insuportável — disse Roren.
— Espere um momento — Fenuella virou-se para o príncipe. — Eu ouvi mal ou você disse que Valandir é seu pai? Por acaso o Rei de Vordia despreza tanto o seu herdeiro para tê-lo enviado para morrer em Asmabel?
— Os únicos que vão morrer aqui hoje são vocês, garota estúpida. Soldados, tragam as cabeças deles!
Por um momento, Finnan supôs que os militares ao seu redor não o escutaram pois nenhum deles moveu um único músculo.
— Homens, avancem — Norben ordenou. — Eliminem qualquer um que se colocar no meio do caminho.
E eles não tardaram em obedecer. Os primeiros das duas fileiras deram seus passos e empunharam suas espadas, caminharam pesadamente na direção dos cavaleiros e seus companheiros.
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