- A Ponte da Marcha -
Mesmo estando no alto de uma torre no Castelo Cinza, Finnan pôde ouvir os clamores da população que alegravam-se em ver a marcha dos catorze cavaleiros que atravessavam as ruas em direção à Ponte da Marcha.
Finnan havia passado as últimas horas sozinho em seu luxuoso quarto. Quando acordou, os criados vieram lhe trazer uma leve refeição para o desjejum, cardápio selecionado especialmente por sua mãe, a rainha. Era desejo dela que o filho se alimentasse bem todas as manhãs, mesmo que ele não gostasse de aveia e leite. Não havia a necessidade de vestir-se com seus trajes elegantes desta vez. Ao invés disso, solicitou que seu escudeiro lhe ajudasse a preparar sua armadura. Todas as peças metálicas eram adequadas ao seu porte.
Enquanto Lermino prendia as ombreiras, Finnan permanecia reflexivo fitando o chão lustroso.
— Vai ser uma missão importante, Alteza. — disse o escudeiro.
— Sim. Muito importante.
— O senhor deve estar sendo consumido por uma ansiedade inquietante. Imagino as glórias e honrarias que lhe serão dadas quando retornar à cidade.
— Faça o que tem que fazer em silêncio. Não quero gastar palavras nesta manhã.
Com a armadura devidamente colocada, Finnan apanhou sua espada, conferiu a firmeza de seu cinto e a embanhou, partindo assim corredor afora.
Foi necessário que descesse inúmeros degraus e escadarias para deixar a torre e alcançar os portões dianteiros, lá o seu corcel o aguardava. Antes de cruzar um estreito corredor, uma entrada desguardada lhe chamou a atenção, era a entrada para o Salão Real. Vendo que não estava sendo observado por ninguém, ele se pôs a caminhar em sua direção.
O salão estava vazio, quieto e pouco iluminado. O local era extenso e possuía quatro fileiras de colunas quadrangulares. No topo de cada coluna, havia um bandeira negra que pendia em forma de ceta. Nas robustas bases, fileiras de candelabros negros que projetavam esferas luminosas mágicas, mas estavam apagadas devido o horário da manhã. Finnan deu alguns passos que ecoaram por todo local. Caminhou até pisar no extenso tapete negro que estendia-se até o alto portão na entrada do salão. Quando ele virou a cabeça para o lado, viu-se diante do trono do rei.
O assento era constituído unicamente por pedra cinzenta, esculpido delicadamente e limpado diariamente. Sentar em tal lugar não poderia ser dito como algo confortável, mas também não era nada desagradável. Por um momento, Finnan foi incapaz de se lembrar da última vez em que esteve tão perto daquela coisa. Talvez um ano atrás quando foi feito o banquete de casamento dos nobres senhores amigos da Coroa. Raros eram os momentos em que pôde se aproximar sem estar acompanhado por uma autoridade maior.
Ele observou os cantos do salão mais uma vez e, após constatar que estava sozinho, deu os passos para subir os cinco degraus e alcançar o trono do rei. Se sentou e sua armadura causou um alto barulho por toda a extensão. Imaginou como seria se um dia aquilo viesse a lhe pertencer, se um dia viesse a se tornar rei. Permanecer com as mãos apoiadas naqueles braços frios de pedra, observando todos em sua frente, ouvindo o cochichar dos súditos e a seriedade dos guardas. Desfrutar de banquetes, nomear títulos e inspecionar construções, resolver conflitos e liderar batalhas. Esse era o seu destino.
Os dias de sua infância passou por seus pensamentos. Os dias em que corria por aquelas mesmas colunas acompanhado de seus poucos amigos que fez durante as aulas de etiqueta e esgrima. Muitas vezes fora repreendido por seu pai para que retornasse aos estudos ao invés de gastar tempo brincando. Não era saudável para um príncipe, foi o que ele disse. Mas esses dias acabaram. Agora o pequeno Príncipe Finnan estava encarregado de realizar uma árdua tarefa, aprender a lutar de forma satisfatória. Isso traria orgulho para o seu pai, para o rei. E era isso o que devia fazer, era o seu dever como filho e como herdeiro.
O corcel castanho e mais dois guardas esperavam por sua vinda no exterior do castelo. Finnan montou e logo seguiram pela direção leste da cidade. Durante a travessia das ruas, o rapaz notava alguns olhares de curiosidade direcionados à ele. Não eram olhares de adoração ou louvor, mas apenas curiosidade. Um membro da família real cavalgando livremente pelas ruas logo no início da manhã.
O dia estava nublado e frio, e a rainha certificou-se de se agasalhar antes de deixar o conforto de seu castelo. Ela usava um aconchegante manto de veludo negro que cobria seus ombros. Em sua cabeça, ostentava a pequena tiara de prata. Por outro lado, Valandir usava seu comum traje preto e também exibia sua coroa. Ele permanecia ereto e imóvel observando as duas colunas que decretavam o topo da muralha e o acesso para a ponte. Os dois monarcas estavam um ao lado do outro, o vento balançava os cabelos pretos da rainha.
Um pouco mais distante, havia uma fileira de treze soldados montados em belos corcéis, eles trajavam armaduras robustas de um metal escuro com adornos brancos, nenhum usava elmos. Um andor de meia idade também ocupava um lugar ente eles. Norben, o Comandante do Exército permanecia ao lado de seu animal, o homem de aparência serena exibia o manto negro que identificava o seu título. Nenhum deles ousava pronunciar uma única palavra. Mais próximo das duas colunas, estava o velho Omiran apoiado em seu bastão e com as vestes balançando ao vento como lençóis recém lavados.
— Omiran — o rei chamou. — Foi informado ao príncipe a hora para comparecer na Ponte da Marcha?
— Sim, Majestade. Eu ordenei diretamente ao escudeiro que acompanhasse os passos do príncipe durante toda a manhã.
— Tenha paciência, ele virá. — disse a rainha.
E ele veio. O barulho dos cascos dos três cavalos chegaram aos ouvidos de todos. Dois guardas acompanhavam o jovem príncipe inteiramente armado e com sua espada na cintura. Ele exibia uma expressão séria e determinada, algo que agradou os olhos de Valandir.
— Estou pronto para partir.
— Me sarisfaz a decisão que tomou, meu filho. Essa jornada te concederá não apenas experiência, mas também grandeza e reconhecimento. Quando retornar, não será o príncipe fraco que é agora, mas sim um herdeiro respeitado e de habilidade admirada.
Por algum motivo, as palavras do rei não apaziguaram a ansiedade de Finnan como ele esperava.
— Eu trarei orgulho ao meu reino.
Valandir poupou-se apenas em esboçar um pouco perceptível sorriso de canto de boca.
Cilina deixou a companhia do marido para se aproximar do corcel.
— Rezarei todos os dias no Templo dos Ejions para que o seu caminho seja iluminado pelos Seres Aliais, meu querido. Sentirei saudades.
Finnan sentiu um aconchego em seu coração pelo olhar bondoso de sua mãe. De certa forma, ele se envergonhava por desejar tanto descer daquele cavalo e abraçá-la lamentando por ter que se afastar de sua companhia.
— Eu me sentirei grato por suas preces, minha mãe.
A esperteza de Cilina era suficiente para se contentar com a declaração formal de seu filho diante de tantos olhos que os observavam. Finnan deu ordem para que seu cavalo tomasse um lugar ao lado dos demais cavaleiros no outro lado da muralha. O Andor Conselheiro caminhou até o centro da área onde proferiu algumas palavras para abençoar os integrantes da missão.
— Uma árdua jornada a partir de hoje será iniciada. Os caminhos que esses dezesseis bravos guerreiros percorrerão irá colocá-los à prova de suas capacidades e de suas crenças. Se eles mantiverem suas preces e adoração na bondade dos Seres Aliais que estão acima de tudo e todos, a vitória e a glória serão as recompensas desfrutadas. Muitos são os homens perversos que desejam o mal para esse reino e povo, mas protegido é aquele que mantém sua adoração na verdade única. Mantenham-se fiéis nos ensinamentos da Sagrada Crença Alial, e seus caminhos serão acompanhados pelos gloriosos seres nos céus. Pela Sagrada Crença.
— Pela Sagrada Crença. — repetiram os soldados.
— Pela glória de Vordia. — disse o rei.
— Pela glória de Vordia. — todos repetiram.
Após a bênção estabelecida, o comandante foi o primeiro a deixar a formação da fileira e seguir com seu cavalo em direção à entrada da ponte. Logo os demais soldados fizeram o mesmo e um por vez seguiu para deixar a extensa muralha. Finnan virou sua cabeça para trás e pôde ter um último vislumbre do rosto de sua mãe. Ela se despediu balançando a mão sutilmente de forma que Valandir não percebesse. Foi o suficiente para confortar o rapaz.
O príncipe deu ordem e seguiu os demais sendo o último a cavalgar pela estreita ponte. O vento batia forte naquela altura e a ferocidade da correnteza logo abaixo podia ser ouvida, tais águas causavam sentimentos de apreensão naqueles que ousavam atravessar a estrutura. Finnan olhou para os lados e viu apenas uma imensidão de campos que formavam a Planície Cinzenta. Campos vazios e um céu mórbido era tudo o que veria a partir de agora.
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