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- A Honra da Espada -

Talion esfregava as mãos enquanto permanecia sentado no tronco. Por um momento lamentou profundamente... não apenas a morte de Adamor, mas o pouco proveito que desfrutou de sua companhia e conselhos enquanto ainda estava vivo.  

— Você parece péssimo. — Eurene surgiu de repente ao seu lado. 

— Ah, oi — Ele levou um susto, mas logo se recompôs. — Eu só estou pensando em tudo o que aconteceu. O jeito que ele foi... morto. 

— É, foi horrível mesmo — Ela olhou a área ao redor, mas tudo o que viu foi árvores. — Você já tinha visto algo assim antes? 

— Não. Já vi pessoas morrerem, mas não de um jeito tão violento — disse ele.

— Você tem sorte então. Posso? — Ao pedir para sentar, ele impulsivamente afastou-se para o outro lado no tronco. 

— Você se referiu aos seus pais que morreram? — Ele perguntou torcendo para que tal questão não a aborrecesse. 

— Sim, os dois foram assassinados de formas horríveis. Pior do que animais no abate. 

— Sinto muito por isso. 

— Obrigada. — Ela virou-se para a floresta novamente. 

Embora o ar estivesse pesado, o ambiente do lugar em si era agradável pois trazia uma leve brisa antes do anoitecer. 

— Acho que alguns de nós nunca vão deixar de lamentar isso — Talion continuou. — O Borbon lá, nunca vai se perdoar por ter defendido essa ideia do desafio. 

— O que aconteceu não é culpa dele, no fundo ele deve saber disso. O Mercel e o Roren não vão deixar que ele se culpe por isso. 

— Tem certeza? Não é o que parece quando eu olho para ele. 

Os dois viraram-se para trás e viram o cavaleiro de pé diante da cova e olhando para a terra em silêncio. Imóvel como uma estátua, ele permanecia reflexivo e melancólico. 

— Ele é um homem esperto, entende das coisas — disse Eurene. — Pude perceber isso desde quando ele começou a ser meu treinador. Vai saber passar por esse sentimento de culpa. 

— E em que merda nós fomos nos meter? Todas as tentativas deram errado. 

— Nós? — Ela virou-se para ele, como se não tivesse entendido o que ele quis dizer ao certo. 

— Eu também estou nessa. Não quero passar o resto da minha vida nessa cidade, por mais boa que a vida aqui possa ser. 

— Não foi isso que vocês sempre quiseram? Você, sua mãe e seu irmão? Sei que a vida no vilarejo em que vocês moravam era péssima. 

— Sim, era sim. Tenho certeza que passar o resto da vida nessa cidade deve ser o maior desejo de minha mãe. O Adilan eu não sei. Mas eu não posso. Quero usar uma espada e montar em meu próprio cavalo. Quero ajudar nessa missão. 

— Por acaso você começou a pensar assim depois que teve suas primeiras aulas com o Borbon e Roren? 

Por um momento, Talion temeu o motivo da pergunta. Tentou decifrar em fração de segundos o que se passava na cabeça da garota, mas não chegou em nenhuma conclusão. 

— Sim, por quê? 

— Porque eu me senti assim depois que passei a treinar. A vontade de usar essa espada para fazer justiça de algum jeito. — Ela olhou para a arma em sua bainha. — É por isso que eu pedi ao Adamor, há cinco dias atrás, para continuar seguindo eles na missão, mesmo que eu já tivesse sido convidada quando nos conhecemos lá na estalagem. 

— Bom, então isso nós temos em comum. A vontade de fazer justiça — disse ele por fim.

Um silêncio estabeleceu-se entre os dois. Eurene não sabia se devia responder àquela fala do rapaz ou buscar outros meios de seguir a conversa. Optou pelo silêncio. Talion, por sua vez, lembrou-se da situação que causou na última vez em que esteve a sós com a garota, e sentiu-se profundamente arrependido. 

— Eu queria pedir desculpas pelo o que eu disse naquela noite lá no castelo. Sabe? Quando eu sugeri que...

— Tudo bem, eu já me esqueci daquilo. — Ela o olhou ligeiramente.

— Hunf, você devia ter me dado um murro naquela hora, igual o que você deu naquele príncipe. 

— Não... a sua mãe iria ficar brava comigo se visse o seu nariz quebrado. 

— Que nada, ela gosta mais de você do que de mim ou do Adilan. 

— Duvido muito disso. Ela gosta mais do meu irmão Devin.

— É, eu tinha me esquecido dele. Todo mundo gosta dele. — Assim eles deram um riso contido. 

Nesse momento, o barulho de galhos sendo esmagados chamou a atenção dos dois. Mercel se aproximou trazendo uma espada em sua mão e apresentando um semblante ausente de alegria. 

— Desculpe atrapalhar, meus amigos. 

— Tudo bem. Quer se sentar? — Eurene o perguntou. 

— Não será preciso. Eu gostaria de trocar umas breves palavras com o Talion.

— Comigo? — Ele se mostrou um pouco surpreso. 

— Sim. Quero lhe dar isto. — Mercel ofereceu-lhe a espada que trazia em sua mão. O rapaz pôs-se de pé mas hesitou em pegá-la pois não compreendia o motivo para tal oferta.

— Essa é...?

— A espada de Adamor. 

Olhando-a de perto, a arma parecia ser maior do que era antes, talvez porque não fora manuseada muitas vezes em sua presença. A lâmina certamente estava bem afiada pois reluzia um brilho ao longo de seu aço. 

— Achei que vocês a tinham enterrado com ele. 

— Seria o comum a ser feito no enterro de um cavaleiro, mas temos o direito de fazer excessões quando há motivos para isso. 

— E qual é o motivo de você querer me dá-la? — Ele franziu o cenho. 

— Bom, primeiro porque é uma excelente espada para ficar enferrujando numa floresta. E dentre todos nós, você é o mais apto a usá-la. Digo isso porque seu irmão Adilan parece não ter interesse em aprender artes de combate. O menino Devin ainda é muito pequeno e Eurene adquiriu sua própria espada recentemente. 

— Por que você não usa ela? — Talion o indagou.

— Eu já tenho a minha, assim como meus dois companheiros. 

Mesmo após ouvir os argumentos, Talion ainda demonstrava hesitação em aceitar o que lhe era oferecido. Ele tomou a espada em sua mão e a analisou desde o cabo revestido em couro negro até o brilho da ponta do aço. Era uma arma longa e capaz de causar grande estrago, sem dúvida alguma. 

— Não sei se devo aceitar, pertencia a um grande guerreiro para ser minha. 

— Deve aceitar. Não é a arma que faz um grande guerreiro, mas sim seu caráter. Veja, as coisas que Adamor fez por mim e você jamais serão consideradas grandes feitos aos olhos das pessoas. Não serão contadas como histórias fantásticas ou aventuras épicas, mas nem por isso elas serão esquecidas por nós.

— Nunca vou esquecer o que ele e vocês fizeram por mim e minha mãe. — Talion respondeu prontamente. 

— É bom saber isso. — Mercel abriu um sutil sorriso e colocou as mãos para trás. 

— Mas... se a espada dele agora é minha, isso significa que eu também estou na missão? 

— Bom, não vejo problema de porquê não estar. Sinta-se na liberdade de escolher nos acompanhar nos próximos dias. 

— Nesse caso... eu escolho acompanhar vocês, sim. É claro que eu escolho! — Talion ergueu a espada e começou a simular golpes lentos no ar, estava visivelmente animado com o presente recebido. Virou-se e sorriu involuntariamente para Eurene que retribuiu o sorriso, mas de uma forma sincera e não forçada, ela viu a verdade na alegria do rapaz. 

— Vamos lhe arranjar uma bainha para você guardá-la — disse Mercel. — Tenho certeza que fará bom uso dela, Talion.




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