Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

CAPÍTULO 10

Rua José Boaventura, edifício Guimarães

Um cachorro latia bem perto, tão próximo que o som chegava alto e claro nos tímpanos da ruiva seminua sobre a cama. O calor da noite passada tinha a feito largar o velho e amado pijama de The Big Bang Theory. Afundou ainda mais a cabeça nos travesseiros. Bufou quando o animal deu sete latidos em sequência, um mais agudo e elevado que o outro. O lençol de algodão roçava contra a pele conforme se mexia, quase no ritmo do latido desafinado do vira-lata.

Ayla abriu os olhos quando já não conseguia ignorar o incômodo e se virou, fitando o teto com tédio, como quase sempre fazia na antiga casa. Ficou assim por longos segundos na espera de que o bicho calasse o focinho, mas ele não o fez.

No fim, a jovem não teve outra escolha a não ser levantar-se e, de imediato, sentir o peito apertar ao lembrar que não encontraria os pais quando descesse as escadas. Machucava-a não poder sentir o abraço do patriarca ao aparecer na cozinha e, até mesmo, não escutar a mãe reclamar sobre qualquer bobagem que fosse. Sentiu-se infantil por reparar nisso.

Tentando espantar os pensamentos, deixou seu olhar cair sobre a cortina que escondia a porta da sacada, de onde fluía um brilho alaranjado que a transpassava, convidando a garota a se aproximar e puxar o tecido para o lado. Ayla passou a mão pelo rosto, limpando as possíveis remelas que haviam no canto do seus olhos, e antes que se prendesse na paisagem, partiu em direção ao banheiro. Observou seu reflexo embaçado no espelho e foi impossível não rir de si mesma.

Seu semblante estava com uma aparência cansada, os olhos fundos e a boca ressecada, além das madeixas estarem tão embaraçadas que seriam um excepcional abrigo para animais artrópodes.

Retirou a roupa – se é que aqueles fios poderiam ser chamados de vestimentas –, jogando-a no chão e caminhando até o box do toalete. Girou o pulso para ligar o chuveiro, permitindo que a água caísse na cabeça e escorresse pelo comprimento das mechas ruivas, colando-as em meio as costas. Não demorou mais que uma hora para fazer toda a higiene pessoal, porém, os cabelos, apesarem de serem finos e lisos, acabaram sendo a impasse da garota.

Enfim, depois de estar pronta, se fitou novamente no vidro e, dessa vez, sorriu. As madeixas caiam sobre os ombros e desciam até os seios, cobrindo-os de maneira delicada. Os olhos, antes cansados, esbanjavam brilho.

Ela desviou seu olhar para a toalha branca, sustentada por um gancho fixado na parede, e enrolando seu corpo no tecido, abriu a porta. Tomou um pequeno susto quando viu Helena sentada sobre a cama. A morena folheava um livro com tamanha atenção que não chegou a perceber a ruiva fitando-a enquanto caminhava até o guarda roupa e o abria.

— Desde quando Helena Gonçalves é dada a ler escritos de suspense com terror? — Ayla se pronunciou, fazendo Helena largar o livro e se sobressaltar, alarmada.

— Poxa, Lili! Não precisava me assustar assim — reclamou, puxando o ar perdido e pousando a mão no peito, tentando acalmar os próprios batimentos. A ruiva deu de ombros, soltou a toalha, que caiu aos seus pés, e colocou a roupa que havia escolhido. Era um vestido feminino demais para o seu gosto, no entanto, muito apropriado para o que tinha em mente.

— Não era a minha intenção — defendeu-se, aproximando-se e sentando ao lado dela. — Gostou da escrita? — Realmente estava surpresa de ver a amiga lendo o início de um livro de terror.

— Eu apenas folheie, ainda não li nada dele. Você sim pode me dizer, é bom? — Helena franziu as sobrancelhas e bateu os dedos sobre a capa dura, onde o título da obra estava cuidadosamente posicionado.

24 hours — Ayla disse, sorridente. Aquele tinha sido o primeiro livro de suspense com terror que havia lido, e por isso acabou se tornando um marco na sua vida. — É um dos melhores que já li. A história não só te surpreende, como também causa medo nos momentos certos. Ela te arrebata e faz você se sentir uma vítima do assassino, ao menos tempo em que entende as razões dele, sem saber de que lado está e qual é o certo. É uma busca por verdade e justiça que vai muito além do terror tradicional ou do sangue que escorre dos personagens. — A ruiva se deleitava ao lembrar de cada palavra lida com afinco durante uma noite fria. Nunca havia sentido tanto medo durante uma leitura, e mesmo assim não guardava arrependimento algum, pois amava cada palavra presente na obra.

— Você sabe alguma coisa do autor? — Helena deitou na cama e apoiou a cabeça na mão, esperando a amiga responder. Ayla segurou o livro e fitou o nome da autora no final da capa.

Lud Oliveira. — Sorriu e, folheando-o, continuou: — Ela é uma autora brasileira, e se bem me recordo o livro foi publicado virtualmente. Esse foi um dos poucos exemplares físicos. Ano passado minha mãe me deu de presente de aniversário, e desde então virou meu xodó. — Levantou, e foi em direção a mesinha do lado da cama, acomodando o livro onde ele estava antes de ser pego pela morena.

— Bem — Helena começou —, um dia, quem sabe, eu não tenha coragem para ler ele. Você sabe que tenho um medo incurável de palhaços. — Pigarreou, levantando da cama. Poderia não se lembrar da obra toda, mas possuía flash's de quando a ruiva havia dito ter um palhaço na história. — Agora, vamos, o café da manhã está na mesa.

Ayla assentiu e as duas foram até a cozinha. Quando a ruiva se sentou à mesa, foi impossível não se sentir esfomeada. Helena, além de uma excelente aspirante a arquiteta, também sempre teve mãos de fadas.

— Hm, que minha mãe não escute isso, mas eu acho que nem ela ponharia uma mesa como essa. — Ayla puxou um pão de queijo, o levando a boca e mordendo. Um gemido de satisfação escapou dos lábios. Helena deu risada, capturando um pedaço de pão e passando geleia nele. Havia várias iguarias espalhadas pela extensão de madeira, mas a negra estava sem apetite depois da notícia que tinha recebido bem cedo.

Assim que acordou, como era de costume, Helena ligou a televisão para assistir ao jornal matinal. O que não esperava era ver um dos amigos estampados na tela, sendo a capa de uma manchete onde era anunciado a morte dele. Qual não foi seu espanto ao ouvir o repórter informar que tudo havia ocorrido - os fatos que sabiam, ao menos - na sua rua, em específico, na cerca elétrica próxima ao edifício Guimarães.

Não teria estômago para contar isso a ruiva, preferia que ela demorasse a saber que o melhor amigo estava morto. Vítor Vilalobos não respirava mais, e Júlia, com toda certeza, não reagiria bem ao saber disso.

— Como consegue fazer isso tão rápido? — A garota mais nova verbalizou sua dúvida, se servindo de suco de manga.

— Pré-pronto. É coisas simples, Lili. O pão de queijo, que é o mais difícil, fiz na casa da minha avó, antes de vir, e guardei alguns — explicou a amiga, distraída.

— Lena? — A jovem escritora estalou os dedos, chamando a atenção da amiga. — Você está muito calada. O que foi? — Inqueriu, demonstrando preocupação.

— Não é nada. Cansaço, eu acho. — Helena engoliu em seco e tentou forçar um sorriso. Poderia temer palhaços, mas sabia suportar a crueldade alheia e não seria ela a quebrar a redoma que a ruiva vivia. Alguns minutos de silêncio reinaram no ambiente, até que a jovem sonhadora se pronunciou:

— Bem, eu pretendo sair para arrumar um emprego. — Ayla sorriu ao contar a ideia.

— Você mal chegou, não conhece nada por aqui ainda! Vamos, me diga, como pretende sair por aí assim?— Helena deixou as sobrancelhas se unirem e juntou as mãos, apoiando o queixo sobre elas.

Definitivamente, tinha trocado uma mãe por outra, porém, nem isso murchou o sorriso de menina que Ayla carregava nos lábios.

Era interessante como invertiam os papéis sem perceber, e no final se completavam. Ayla – talvez por genética – sempre foi forte, determinada e corajosa, dentro dos seus limites, era claro. Helena, por outro lado, possuía todas essas qualidades por ter sido obrigada a aprender a viver sem os pais e a dividir o afeto da avó materna com os negócios.

Ser milionária não tinha sido o mar de rosas que a jovem tentava fazer a si mesmo ver. No fim, foi justamente os papéis cheios de números que levaram embora o resto de afeto incondicional que deveria ter. Com toda certeza, não queria a amiga correndo perigo, já tinha perdido pessoas demais na vida.

— O porteiro, oras! — respondeu como se fosse óbvio e continuou: — Ele mora aqui há mais tempo, conhece a região, deve sabe onde posso arrumar um emprego. — Helena continuou em silêncio, esperando que ela terminasse de argumentar: — Lena, eu sei que minha mãe pediu que você ficasse de olho em mim, mas, por favor, me deixe respirar um pouco, andar com minhas próprias pernas. — Buscou a mão da amiga e a segurou, apertando seus dedos entre os delas. Ayla sorriu, tentando passar segurança. Helena, sem ter como retrucar, suspirou e deu de ombros, se rendendo.

— Contanto que seja perto e de dia.

Ayla levantou-se da cadeira, contornou a mesa e abraçou a amiga por trás, envolvendo seus braços no pescoço dela. Helena riu com a animação da ruiva, mas no fundo não poderia esconder para sempre o medo que tinha dela se machucar.

Crisália andava perigosa demais nos últimos tempos. Depois de mais de duas décadas, o caos parecia querer se instalar novamente na – não mais tão – interiorana cidade.

Quando o relógio marcava onze e meia horas, a ruiva saiu do apartamento para cumprir seu objetivo de encontrar um emprego, e foi aí que se deparou com uma cena digna de comédia romântica; ao menos foi o que Ayla imaginou.

A jovem tinha presenciando o momento em que Lívia e Rafael se abraçavam. O mais velho erguia a prima no ar, impedindo que os pés dela tocassem o chão. Na cabeça da aspirante a escritora, aquele era um ato de casal.

Só quando foi pega em flagrante, a ruiva se deu conta de que estava aquele tempo todo escorada na porta, encarnando o "casal".

Rafael a fitou com a testa franzida e, por algum motivo, ela teve a impressão de conhecê-lo. Porém, antes que qualquer um dos dois pudesse dizer algo, Ayla se recordou do seu objetivo e, arrumando a postura, se pôs a caminhar em direção a escada. Em hipótese alguma entraria naquele elevador novamente. Preferia deixar o sedentarismo de lado, por mais que isso fosse causar dores irritantes nas pernas. Ao chegar no final do sexto andar, a garota já estava com a boca semiaberta, tentando capturar oxigênio, e as mãos apoiadas nos joelhos.

— E-eu a-acho que v-vou vol-tar n-no psi-psicólogo — murmurou para si mesma, percebendo que não teria forças para subir e descer as escadas todos os dias. O jeito seria tentar vencer seus traumas. Recobrou o fôlego e voltou a andar. Apenas depois de mais quinze longos e cansativos minutos, ela se viu na portaria, segurando-se na parede por alguns segundos e puxando mais ar.

Quando se sentiu melhor, foi até o balcão do porteiro, que naquele momento estava ajudando uma senhora a levar as sacolas de compras para o elevador, e nem tinha si dado conta da presença da garota. O velho bondoso sorriu ao se virar e dar de cara com as madeixas ruiva da jovem. Entregou a última sacola a morada mais antiga do prédio e foi até Ayla.

— Em que posso ajudar, senhorita? — Luís se acomodou no banco atrás do balcão e puxou o jornal, o escondendo na gaveta.

— O senhor sabe onde posso arrumar um emprego de meio período? — Foi direto ao ponto, mesmo que sentisse um nó infeliz na garganta. Não gostava de pedir ajuda, mas tentou colocar o seu orgulho de lado.

— Bem, que eu saiba não tem nenhum lugar oferecendo emprego pela manhã, senhorita — respondeu e viu uma fina camada de tristeza se abater na face da garota. — Mas — Essa simples palavra fez os olhos dela se acenderem de esperança. Em um movimento de mão, pediu que ele continuasse —, um dos moradores do prédio está procurando uma funcionária para um bar. Da última vez que nos falamos, ele estava precisando de mais uma garçonete, e eu acho que posso convencê-lo de que a mocinha será uma ótima aquisição no quadro de funcionários dele. — O velho sorriu, mostrando uma fila de dentes em um tom amarelado. Ayla, em um gesto impensado, contornou o balcão e abraçou o homem, que quase caiu do banco. — Oh! Cuidado, garotinha! — A afastou docemente, mexendo os ombros. Sua idade avançada permitia que a tratasse daquela maneira, e por algum motivo a ruiva não se sentiu  incomodada como o "garotinha" que saltou dos lábios do senhor.

— Me desculpe. — Ayla sentiu as bochechas corarem, e voltou para o outro lado do balcão, tratando de aquietar sua animação.

— Eu vou ligar para ele agora mesmo— Luís anunciou, segurando o telefone fixo e discando o número do amigo.

Algum tempo depois, a ruiva teve a confirmação de que a partir daquele momento era a nova funcionária do bar Meia-Noite.

Começaria a trabalhar na outra semana, pela noite. Sabia que isso não seria facilmente aceito pela amiga, e nem tão pouco pela família dela, porém, naquele instante, não quis se ater a isso. Agradeceu ao velho bondoso e saiu para a rua. Queria explorá-la melhor, e aquela manhã parecia perfeita para descobrir o que cercava o seu novo lar.

Três edifício interligavam-se por cercas elétricas altas; desenhadas com tanto cuidado que chegavam a serem assustadoras. O prédio mais alto era o onde Ayla, Helena e Rafael moravam.

A ruiva se pegou olhando para cima, perguntando-se como havia ficado naquela sacada sem ter um ataque de pânico. Balançou a cabeça, espantando esse pensamento e foi em direção a cafeteria.

Não estava com fome, apenas queria um capuccino gelado. Torceu para que tivessem ele no cardápio do estabelecimento. Adentrou o local com um pequeno sino anunciando sua chegada e vários pares de olhos voltando-se para fitá-la. Ergueu a cabeça, sem vacilar, e foi até o banquinho do balcão, esperando que algum dos funcionários tomasse a iniciativa de ir atendê-la. Uma jovem de cabelos negros, com as pontas pintadas de branco e um sorriso enorme no rosto, se aproximou da ruiva, segurando firme um pequeno bloco de anotações.

— Qual seu pedido, senhorita? — A mulher manteve o olhar fixo em Ayla e esperou a resposta, forçando a simpatia cada vez mais.

— Um capuccino gelado com gotas de chocolate, por favor — pediu, tentando soar amigável, mesmo que fosse assustador fitar as bochechas da jovem. Como ela conseguia manter sempre aquele sorriso nos lábios?

A mulher assentiu, voltando-se para um rapaz e apontando para uma máquina; o que pareceu ser suficiente para que ele entendesse. O moço, de aparência madura, não demorou a trazer um copo de plástico com um logotipo vermelho e cheio de um líquido negro com gotas amarronzadas.

Ayla pagou e saiu o mais rápido possível, tendo na mente a pergunta: "Que pacto essa garota fez para manter aquele maldito sorriso?"

Ela também sorria sempre, mas não com tanta intensidade e muito menos tão falsamente.

Levou o copo aos lábios, cobrindo sua visão bem no momento em que a porta do edifício se escancarou e a atingiu em um baque mudo. Foi ao chão, vendo o copo de capuccino se soltar da sua mão e o líquido se espalhar pelo vestido florido, fazendo a moça xingar quem quer que tivesse a derrubado.

Segurando a maçaneta, Rafael fitou-a com uma careta apreensiva. Estava saindo para comprar cerveja para a prima e pela cara da ruiva, voltaria com um olho roxo.

— Me desculpa, eu não vi você. — O rapaz ofereceu a mão, mas Ayla não a segurou de imediato, antes a ruiva olhou o copo vazio ao seu lado e não conteve o gemido de frustração. Ela agarrou o braço do músico, que a puxou com mais força que o necessário. Seus corpos se chocaram de relance.

Rafael percebeu que era a jovem de algumas horas atrás, e acabou cedendo a curiosidade de ver o rosto dela de perto. Um gesto babaca, admitiu a si mesmo. A observou engolir em seco, piscar os longos cílios e franzir as sobrancelhas ruivas. Os olhos azuis do rapaz pareciam perdidos nos traços da garota. O rosto delicado, os lábios rosados, e as íris verdes tão intensas quanto esmeraldas, harmonizando perfeitamente com seu cabelo vermelho-sangue. Era uma cena clichê para duas pessoas que não formavam um casal. Mas quem se dessem bem na cama um dia...

Franziu a testa. De perto, tinha a sensação de que a conhecia de algum lugar.

Ayla ainda estava desnorteada pela queda e só se deu conta da cena que protagonizava quando o olhar de Rafael desceu até os lábios dela e se fixou ali por mais tempo do que o educado. Em um movimento ágil, o empurrou, fazendo o rapaz dar dois passos vacilantes para trás e a olhar envergonhado, enfim se dando conta de que fora pego em flagrante, como tinha feito com ela mais cedo.

— Você por acaso não tem nada melhor para fazer do que abrir a porta assim, sem olhar se tem alguém atrás dela?
— A voz, quase sempre doce, saiu ríspida. Ayla bateu o pé no chão, se sentindo irritada por não ter aproveitado sua bebida. Tinha muito para amadurecer...

— Eu já disse que não vi você. Além do mais, não é do meu cotidiano ficar derrubando moças no chão por aí! — retrucou, suspirando. "Exceto quando é pra fazer isso na cama." Sua mente completou.

A porta ainda estava aberta. O velho senhor avistou os jovens discutindo. Sua testa se franziu ao ver a expressão fechada da garota. Caminhou até eles o mais rápido que pode, se esquecendo até mesmo que o jornal matinal estava na mão.

— O que está acontecendo aqui? — O senhor inqueriu, desconfiado. Tinha apreço por ambos e não queria que brigassem, principalmente, sem saberem que...

— Esse idiota que me derrubou! Olha o estado que ele me deixou, Senhor Luís.— A ruiva pegou nas pontas do vestido, levantando-o um pouco para que a enorme mancha no centro ficasse mais visível.

— Ayla, minha querida, o jovem Rafael é um bom rapaz, não fez por querer, acredite. — O velho tentou defender o amigo e recebeu da ruiva um suspiro de rendição. Não retrucaria com um idoso. Seus pais tinham a educado muito bem para que fizesse algo tão grosseiro.

— Eu realmente não sabia que estava atrás da porta. Me desculpe — Rafael se pronunciou, dizendo a verdade, mas a ruiva não pareceu convencida disso.

Ayla abriu a boca para falar algo mais, porém, foi nesse momento que o velhote ergueu a mão direita, apoiando-a no ombro do jovem, e deixando o jornal na altura dos olhos da ruiva.

Apenas um pedaço muito pequeno da reportagem ficou visível, porém, ele foi o suficiente para que os olhos verdes avistassem a face do amigo estampada no papel. A jovem arrastou o jornal da mão do senhor, o fazendo sobressaltar-se, surpreso. Não pelo ato da ruiva, e sim por sabe o que havia naquela notícia, destacada por ele com uma caneta azul. Rafael, por sua vez, franziu a testa, encarando a garota como se ela fosse algum tipo de objeto inanimado que ganhou vida.

Ayla deixou o papel cair no chão assim que as íris percorreram cada palavra da matéria. A ruiva empurrou o rapaz para o lado e correu em direção ao elevador, sentindo a respiração descompassada; o peito subia, descia, sem ritmo certo. A visão já estava embaçada pelas lágrimas gordas que começaram a escorrer pela face. Apertou de maneira frenética o botão para que o maldito monte de ferros aparecesse logo e ela pudesse ir se aconchegar nos braços da amiga.

O mundo estava em cacos, e o baque nem mesmo tinha sido dos piores. Rafael, por sua vez, ainda parado na frente do prédio, fitou o velho senhor que, diferente do rapaz, sabia a razão da agonia da garota. O músico se abaixou e apanhou o papel, agora amassado e, graça a queda, um tanto sujo de capuccino.

Alguém havia sido assassinato. E a jovem parecia conhecê-lo. Rafael ainda tentou correr até Ayla. Por alguma razão, queria confortá-la. Contudo, quando se viu na frente do elevador, as portas do mesmo já estavam fechadas. Recordando a expressão de tristeza que a ruiva deixou escapar, imaginou o quanto aquele rapaz deveria ser importante para ela.

Respirou fundo. Era melhor deixar isso de lado. Não tinha nada a ver com a ruiva e não possuía o direito de se meter na vida dela.

Já se conformava com isso quando percebeu que o pequeno visor à frente mostrava que o elevador se encontrava parado. Escutou um choro abafado vir da escada, e então entendeu. Por alguma razão, a garota não tinha subido pelo elevador.

Ayla estava sentada na pequena plataforma que dava acesso ao segundo andar, apoiando os pés no último degrau do primeiro andar. Os joelhos dela serviam de apoio para a cabeça e o tecido do vestido aparava o pranto. O ar parecia não conseguir atravessar a traqueia e chegar aos pulmões. Ele entalava na boca e saia, dolorido, árido, quase palpável.

Para piorar a situação, a jovem se lembrou de uma semana atrás, quando falou como o amigo pela última vez:

" Daqui há alguns dias você e a Helena vão morar longe — Vítor começou, sorrindo para a amiga. Naquele momento, nenhum dos dois sabia que morariam um do lado do outro. O rapaz só foi informado disso quando Helena o chamou no Whatsapp para contar que estava voltando e que havia encontrado um apartamento para ele: os três habitariam a Tríade, como todos chamavam os três principais edifícios do centro. — Eu vou ficar sozinho. — O levantar de lábios ainda estava presente no seu rosto, mas as palavras eram amargas de se dizerem.

— Você pode ir nós visitar sempre que quiser. Não importa a hora, bata na minha porta e eu vou atender! — decretou a garota, pulando nas costas do amigo e o fazendo ir para frente, quase caindo de cara no chão asfaltado do condomínio Bela Rosa. — Agora, larga de ser chato e vamos para o parque. Lembre-se que hoje é dia 13, meu aniversário, e eu pretendo curtir! — Ayla sorriu, segurando firme no pescoço do amigo. Vítor revirou os olhos, tentando fingir desagrado, mas a verdade era que se tivesse sua melhor amiga por perto, tudo estaria bem. O que não imaginavam era que aqueles poderiam ser seus últimos momentos juntos."

Ayla tinha mais um trauma para acrescentar a sua lista: perder o melhor amigo.

— Eu sei que não é a melhor hora, mas... — A voz de Rafael a fez erguer a cabeça. Ayla o encarou. Não teria forças para brigar com ele.

— O que quer? — As palavras dela saíram entrecortadas, o tom carregado de raiva, as narinas abrindo e fechando com rapidez, indícios de que o muro no olho ainda podia estar de pé, porém, o estado em que Ayla se encontrava fez Rafael não dar atenção a isso. Ele apenas queria ajudá-la.

— Olha, eu sei que não nos conhecemos, mas você me parece mal.

"Não, eu estou ótima, chorando como uma condenada, mas estou bem." Quis retrucar, no entanto, a fala não saiu, então apenas escutou o rapaz.

— Se você quiser, posso te ajudar a subir as escadas.

"Será que ele acha que estou inválida?" O orgulho gritou na mente. Não estava sendo racional. Os dedos tremiam. A bochecha adormeceu. A respiração continuou instável. Sabia o que acontecia com seu corpo naquele momento, mas ficou de pé mesmo assim. Sem dar atenção ao que Rafael havia falado, se virou, dando um passo para subir o degrau, no entanto, antes de concluir o gesto, a visão ficou turva, e se não fosse o rapaz a segurar, teria rolado escada abaixo.

— Talvez eu precise de ajudar mesmo — sussurrou antes de jogar o braço ao redor do ombro do músico e se apoiar nele.

Não tinha subido de elevador pelo medo de ficar sozinha dentro dele, mas não havia pensando na possibilidade de não conseguir enfrentar as escadas sem auxílio.

Depois de quase vinte minutos, quando cada um estava em seu devido apartamento, foram acudidos pelas suas respectivas tábuas de salvação. Para Rafael, Lívia era sua madeira de apoio. E para Ayla, uma delas estava morta, mas Helena ainda respirava e sempre estaria ali para confortar a amiga.

Afinal, ninguém havia dito que o futuro era fácil.

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro