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16 | O amor é um saco

Segurei firme o cinto de segurança do carro. Íamos rápido, mas com cautela. Fiquei no banco da frente enquanto Mike ajudava Aimee com a perna machucada. Eu não queria nem chegar perto.

Olhei para nossa motorista. Ela estava com os olhos vidrados na estrada deserta. Tentei observar as árvores e a floresta sumindo ao nosso redor. Perguntei:

— Como você sabia onde estávamos mesmo? — a encarei. Beatriz não se moveu.

Bom, se você está um pouco perdido, eu vou explicar: a mulher dirigindo o carro é minha madrinha, melhor amiga dos meus pais, namorada de Helena, filha de Deméter, a não queimada, mãe dos dragões, conhecidíssima como a noite de Paris, poderosíssima como a espada de um samurai...

É, deu pra entender. Eu a conheço desde muito tempo e nunca mais a vi. Lembrei vagamente que a mesma morava na Flórida com o pai, mas nunca pensei que a veria de novo tão cedo e nessas situações.

— Lydia e Helena estavam preocupadas com vocês, e caso as visse, diria alguma coisa — disse ela e deu um sorrisinho para mim. — Por sorte fui falar com todas as dríades e ninfas por perto. Andei muito até encontrar.

— Agradecemos a ajuda, mas precisamos ir até o litoral para encontrar a ilha e salvar nossos amigos — Aimee disse e gemeu de dor em seguida. Mike segurou sua mão. — Mentira, eu preciso de ajuda. Ai que dor do inferno!

— Vocês ficam lá em casa enquanto eu trato do ferimento. Até o anoitecer levo vocês para a praia, combinado?

Assentimos. Se não fosse a parte do "ferimento" e "ir até a ilha direto para a morte", podia ser uma história feliz.

Sempre admirei Beatriz. Ela sempre foi uma mulher forte e bonita. De vez em quando aparecia lá em casa com Helena nos feriados junto com o pai, o tio Clark. Que eu saiba, ele adoeceu, Helena foi para Manhattan e Beatriz ficou.

Mike tinha começado a enlouquecer pensando que seria outra armadilha, mas Aimee quase chorou quando viu um rosto conhecido e deu um abraço forte na morena. Eu confiava nela, e toda ajuda é bem-vinda. Não sei como vamos nos virar daqui para frente. Tivemos a ajuda do dinheiro que o Sr. Harris deixava no banco, o motorista kpopper (André), Anabel e agora Beatriz.

Não muito tempo depois, ela parou o carro na fachada do portão da casa. Era uma subida até a construção de paredes de cor clara. Era um lugar incrivelmente bonito.

Subimos as escadas até o hall da casa. Mike carregando Aimee e eu as mochilas. Enquanto beatriz abria a porta, vi o conjunto de estufas enormes vindas da parte de trás da casa: o tio Clark é botânico e devia ter muito mais daquilo. Deve ser por isso o lugar tão isolado. Não havia sinal de nenhuma outra casa por perto. Era só estrada, floresta e, talvez, a praia estivesse perto. Se bem que de "pessoas mais ricas" não deviam estar longe.

— E você disse que estava na pior — falei um pouco baixo apenas para Aimee e Mike escutarem, abrindo um pequeno sorriso. — Se isso aqui é estar na pior... Porr..

— Levem a Aimee para o quarto lá em cima. Eu vou pegar uns remédios e kit de primeiros socorros — Beatriz interrompeu e saiu para algum lugar após virar à direita na sala de estar. Aimee revirou os olhos.

— É uma casa bonita — Mike se pronunciou olhando ao redor e arrumando os óculos. Pousei as bolsas no chão. — Você morou aqui por quanto tempo, mesmo?

— Até os seis. Não me lembro de muita coisa — Aimee respondeu e mordeu os lábios com uma careta. — Anda, me leva lá pra cima senão vou ter um treco bem aqui!

Ajudamos a menina a se erguer e subir as escadas. A parte de cima da casa tinha um corredor com dois quartos em cada canto e no centro, uma janela de vidro com a vista perfeita para o jardim.

— Esquerda — indicou e a levamos. Mike abriu a porta e revelou o quarto escuro. Deitei Aimee na cama enquanto ele abria as cortinas. Era bem razoável, não muito grande e confortável. — Valeu... bem vindos ao meu antigo quarto!

Olhei ao redor. Parecia um bom lugar para brincar quando criança, principalmente no jardim. Eu não tive essa oportunidade de ficar tão isolada e segura dos monstros e outros perigos. Fazer o que? Era Nova York.

Beatriz apareceu no quarto com uma maleta gigante e olhou para a perna da menina: o sangue havia secado no pano rasgado, mas o interior estava pior com certeza. Ela fez um gesto para que nos afastássemos.

Obedeci sem hesitar. Ver o sangue me deixou enjoada.

— Vou tomar um ar... Talvez um banho.

Corri até o banheiro, ou melhor, procurei. Não havia nenhum naquela parte. Na outra ponta do corredor, uma porta estava entreaberta para outro quarto escuro e um frio de estremecer o corpo inteiro.

Lá dentro estava o tio Clark, repousado na cama e, felizmente, respirando.

Uau. Como ele estava velho e magro. Eu nunca vi nada parecido. Ele sempre foi bondoso e gentil assim como a filha. Vê-lo daquele jeito podia passar tranqüilidade, aí lembrei que ele estava muito doente, talvez nos últimos suspiros.

Virei-me para a outra porta e finalmente o banheiro. Fechei a porta atrás de mim e encarei o vaso sanitário.

Não.

Não.

Nananananão, hoje não, não de novo.

Forcei minha garganta uma, duas, três vezes até sair. Cuspi os resquícios do líquido avermelhado escuro lá dentro e o encarei. Cronos realmente não havia ido embora. Aquela situação estava saindo do controle, mas eu não tinha idéia de como parar. Ele estava fazendo os meus pensamentos, e eu concordava. Apesar de achar errado e odiar, outra parte de mim gostava e não abriria mão tão cedo.

— Tá tudo bem por aí ou eu vou ter que falar com a parede dessa vez? Porque todos pensam que sou louca, quer dizer, vão pensar daqui a pouco — declarei e dei a descarga. Ele não me respondeu ainda. Lavei o rosto.

Eu ainda estou aqui.

Ergui o rosto para o espelho. No reflexo, meus olhos estavam com um leve tom de dourado.

— É. Eu também.

Ainda vomitando o sangue? Já devia ter se acostumado.

— Eu não entendo. Você nem está aqui de verdade. Como isso afeta no meu corpo?

Temos uma conexão, Daphne. Assim como eu e sua mãe temos, mas não tanto. Você é até melhor do que ela. Eu nunca acertei tanto em um hospedeiro como você. Tirando Luke, é claro.

Fiz um muxoxo em desprezo.

— Ok, mas eu ainda não aceito você aqui. Uma hora ou outra vai ter que parar de incomodar a mim e a minha mãe, tá ouvindo?

Pode tentar. Mas não esqueça que estou do seu lado, ruivinha.

E ele se foi.

--

Encarei a vista do jardim. Depois daquela conversinha amigável com o titã dentro da minha cabeça, parei na janela da cozinha e respirei fundo. Era tanta preocupação na minha cabeça que apenas parar por um segundo ajudava a organizar.

— Aí está você — Beatriz disse e se posicionou ao meu lado. Mike chegou logo atrás. — Aimee está melhor agora. Consegui dar um jeito naquele corte. Agora ela está dormindo.

— Que bom — falei aliviada. Eu também precisava dormir. — eu não sabia que a casa de vocês era tão legal assim.

Beatriz deu um sorriso.

— Era melhor antes. O papai e eu trabalhávamos na estufa a tarde, de manhã a Helena trabalhava como professora em uma escola aqui perto e a Aimee brincava a tarde toda. A casa nunca ficava silenciosa e vazia, como agora.

— Mas vocês vão voltar a morar juntas? — Mike perguntou. — Aimee gosta de vocês.

— Aimee sempre foi como uma filha pra nós. Se pudéssemos, tudo estaria como anos atrás, mas não foi nossa escolha. Se meu pai melhorar, helena pode voltar e talvez, a gente se case de uma vez.

— E Aimee? — Mike perguntou com os olhos brilhando. Sorri com a idéia do casamento. As duas sempre foram ligadas.

— Ela vem junto — Beatriz deu de ombro. Nossa amiga poderia ser adotada em breve. — Tudo bem que Helena e ela brigaram antes de virem, mas as duas sempre foram cabeça dura demais. Uma hora as coisas vão se encaixar e voltaremos a ser uma... Família. De novo.

— Como você descobriu que a amava? Helena, eu quero dizer — perguntei.

— Não sei — ela deu de ombros. — Eu só sabia, acho. Não foi tão difícil. Uma hora você se dá conta.

— O amor é uma droga — Mike disse por fim. Nós três encaramos a vista e concordamos. — Sabe, eu acho que estou gostando de alguém. Uma garota.

— Eu também — falei sem me mover.

— Mas ela não deve gostar de mim tanto quanto eu dela.

— Eu também!

— Espero que não seja a mesma pessoa, senão seria um triângulo amoroso horroroso — Beatriz riu e se afastou. — Tomem um banho, vocês estão cheirando a ciclope. Comam algo e vão dormir. Tem cereal e outras coisas.

Fiz uma careta.

— Eca. Odeio cereal.

— Seus pais também — ela riu mais uma vez e saiu.

Eu e Mike chegamos mais perto um do outro. Ele estava mais pensativo e nervoso que o normal.

— Aimee conversou comigo antes de dormir. Disse que precisa de tempo... Eu não sei o que aconteceu comigo.

— Vocês dois precisam de tempo — eu disse e brinquei com seus óculos. Não queria saber tanto assim dos detalhes. — Você já é agitado e ela é muito nervosa pra tudo. Além disso, tem muita coisa acontecendo agora com todos nós.

Mike acariciou meu cabelo e beijou minha testa. O gesto carinhoso me deu uma sensação de paz ao menos por alguns segundos. Eu o amava tanto por isso.

— Vai dar tudo certo pra gente. Eu prometo — ele disse segurando minhas mãos. Assenti sorrindo. — Espera, você está gostando mesmo de alguém? Quem é?

Arregalei os olhos e ajeitei os óculos. Ele ainda não sabia sobre e sempre foi muito lerdo pra isso. Larguei nossas mãos.

— Eu preciso gay... — tossi. — QUER DIZER IR! EU PRECISO IR!

Saí correndo da cozinha, mas deu tempo de ouvir a risada de Mike.

--

A noite foi longa até finalmente chegarmos na praia. Beatriz nos levou ao anoitecer e nenhum de nós estava com sono porque dormimos a tarde inteira. Durou pouco tempo até encontrarmos o litoral vazio e sem nada, mas sem ilha.

— Anabel disse que seria por aqui. Não é difícil de achar uma ilha — disse Aimee enquanto saía do carro, agora com a perna renovada.

Estava muito frio, muito mesmo. Não consegui ver nada olhando de um lado ao outro, só a vegetação escura atrás de nós se estendia por toda a praia. De longe, vi a luz do farol e pisei firme na areia da praia. A maré já estava bem alta.

— Tem que ter um barco por aqui escondido. Eles não vêm e voltam daquele lugar voando.

— Onde está? — perguntei semicerrando os olhos para o mar.

— Ali — Mike apontou para um ponto distante quase imperceptível. Os mortais com certeza não viam pela névoa, mas nós sim. Com certeza tinha magia envolvida.

— Achamos um bote! — Beatriz gritou. Ela e Aimee puxavam uma espécie de canoa/ bote de madeira onde cabiam cerca de dez pessoas. — Eles esconderam bem. Tem dois remos também, é um motor.

— Se é que vai durar — Aimee disse. — Mas tudo bem, eu tenho um plano reserva pra isso. Agora vamos até aquela ilha.

Eu já estava ficando cansada desses planos.

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