Dias de crise
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DANTE
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Acordo com a luz do dia sobre meu rosto, mais um dia começa, e como durante toda essa semana não me sinto disposto para sair de casa. A mudança de clima sempre me deixa para baixo, mais uma estação se passa e nada muda.
Deveria mudar...deveria passar...mas não passou.
As pessoas costumam definir sua dor em quatro estágio de luto, talvez eu não esteja seguindo a ordem deles. Eu deveria?
Não sei o que fazer e muito menos o que dizer aos outros, dizem que o primeiro ano é o pior, passar pelas datas comemorativas e se lembrar de seu ente querido é doloroso para a maioria, mas para mim é diferente, eu sinto isso.
Pena que sentir não é o suficiente, não sei explicar como me sinto, como a ausência dela me faz sentir...
Não sei explicar, e mesmo se soubesse a probabilidade de ninguém entender é grande e isso me desanima, e tão simples apenas dizer que está bem, por mais que não esteja.
Vai ficar, tem que ficar.
Tem que passar...vai passar...
Preciso me levantar, não posso faltar hoje...- Penso comigo mesmo deixando de encarar o teto de meu quarto.
Ser presidente do conselho estudantil não é algo fácil, as vezes acho que o senhor Veríssimo deixa mais responsabilidade do que deveríamos ter, ele é um homem ocupado. Isso me faz pensar o que realmente ocupa todo o seu tempo já que claramente não é a Nostradamus, ele não dá prioridade necessária para o colégio.
Então eu darei, por mais que não seja o meu dever, farei o possível e mais um pouco para ajudar os alunos daquele lugar. Pelo menos assim eu ocupo minha mente e gasto o meu tempo sendo produtivo de alguma forma.
Ok...vamos lá... - Me levanto vagarosamente a procura de meus chinelos, ao acha-los caminho até o corredor ao lado de meu quarto entrando no banheiro, faço meus rituais matinais e saio do cômodo, como de costume Beatrice estava no lado de fora a espera de sua vez para usar o banheiro.
— Bom dia Bea - A comprimento gentilmente.
— Bom dia maninho... - Murmura a jovem em meio a bocejos.
— Vou preparar algo para comermos, não demore para se arrumar - Explico a jovem caminhando até a cozinha. Entro no cômodo preparando a mesa para o café da manhã, deixo sobre ela duas canecas e algumas torradas. Enquanto a água está no fogão a ferver vou até meu quarto e me visto com o uniforme do colégio.
E pensar que ano que vem não terei terei que usá-lo... - Penso encarando o reflexo no espelho, estou no último ano do ensino médio no colégio e a partir do ano que vem, se tudo correr bem, já estarei em alguma faculdade.
Cursar medicina não será fácil, eu sei, mas estudo desde sempre para isso e não vou desistir agorora que falta pouco.
Falta pouco...- Penso soltando uma pequena risada de meu raciocínio, só alguns poucos anos de estudos e trabalho árduo. Ainda tenho muito o que sofrer nessa caminhada.
Mas por minha irmã vale apena, vou dar o futuro que ela merece, a vida que eu não tive na idade dela.
— Maninho, já estou pronta. - Ouço Bea comentar se sentando para tomar seu café, volto até a cozinha a servindo com um pouco de café, caminho até a geladeira pegando um caixa de leite colocando também na caneca da jovem. — Obrigado!
— Não agradeça, tome seu café e arrume sua mochila, ok? - Explico me sentando junto a mesma.
— Já está arrumada, hoje o dia será incrível! - Exclama a jovem animada.
— Será? - Pergunto interessado no assunto.
— Será sim, eu fiz todos os trabalhos da Erin e ela disse que me daria um lance legal em troca hoje no recreio - Explica a jovem sorridente.
— Trabalhos escolares? Que lance legal é esse? - Pergunto a encarando confuso.
— Ingressos! Ela me prometeu ingressos para o show de uma banda que o Tristan adora ir, ou seja, ele estará lá e eu estarei lá também, e vai ser incrível! - Explica a jovem com um sorriso bobo em seu rosto. A encaro seriamente esperando a parte mais importante de toda essa história.— Eu posso ir, certo?
— É sério que a parte de pedir permissão você deixou por último? - Pergunto surpreso com o comportamento da menor, não muito surpreso já que não é a primeira vez que Beatrice faz isso. — Bea, que show é esse? Qual a classificação? - Pergunto preocupado.
— Classificação? - Pergunta Bea confusa.
— Beatrice entenda, não basta ter apenas os ingressos, se você não tem idade para para entrar no show você não entra, e outra, você gastou seu tempo fazendo trabalhos que era da responsabilidade da Erin para ingressos de um show que você nem se quer sabe do que se trata? - Explico chamando a atenção da mesma.
— Eu sei do que se trata, é rock. - Explica a jovem tomando seu café.
— E desde quando você gosta de rock, Bea?
— Desde sempre. - Comenta a menor dando de ombros. Como pode mentir na cara dura? É tão simples dizer que está gostando das mesmas coisas que esse tal Tristan gosta para impressiona-lo.
— Dede sempre, é? Que curioso esse seu gosto musical, que eu me lembre bem você odiava quando eu ensaiava aqui em casa minhas músicas... - Comento com a encarando seriamente.
— Isso é porque você toca mal né, mas eu...eu confesso que sinto falta de seus acordes desafinados, em compensação sua voz era linda. Eu acho que você deveria voltar a praticar... - A jovem sorri de forma nostálgica para sua bebida, seu olhar volta para mim encarando meus olhos com pesar. — Você vai realmente parar...?
— É o melhor a se fazer... - Comento desviando o olhar pensativo.
Será que é mesmo?
♪ FLASHBACK - noite passada ♪
Eu prometi que continuaria com o nosso sonho...eu te fiz mil promessas, mil canções...mas...- Suspiro fundo observando o céu que preenchia a noite fria e escura, as estrelas caem sobre meus ombros, meu passos estão a vagar sem rumo pelas ruas.
O instrumento em minhas mãos é a única companhia que tenho, sempre foi em noites como essa, seu som sempre preencheu o silêncio ensurdecedor em minha mente. Mas não funciona mais, eu insisto em repetir a mesma coisa simultaneamente várias e várias vezes.
Não posso mais ignorar isso...quando estou sozinho eu as ouço em silêncio, no fim da noite elas tem razão...a culpa foi toda minha.
Não posso mais manter essa promessa de pé...mal consigo me manter de pé...eu vou cair, e não posso levar os que estão a minha mente volta comigo. Não posso machuca-los, não como eu machuquei você...- Olho para a guitarra com quem passei tanto tempo...tantas promessas...eu não consigo mais.
Eu não tenho forças, nunca tive. Gal tem razão, eu sou um covarde. Não sou digno de ter essa guitarra e muito menos de viver o sonho que ela carrega.
Por isso eu vou devolve-la.
• Meia hora depois •
— Você devolveu a guitarra para o Gal? - Pergunta Leonardo surpreso, o jovem leva um cigarro até sua boca o acendendo, olho para a fumaça se esvaindo com o suspiro pesado do loiro. Ele parece cansado... — Cara, sabe que isso vai dar o maior problema, né?
— É...eu sei...mas não posso continuar com isso, o sonho de ser músico não era somente meu, era nosso...e eu não posso continuar com essas tentativas frustadas...a cada erro que eu cometo eu desonro o sonho dela, a memória dela... - Explico em pausas pesadas. — Ah, Léo... não sei mas o que fazer...eu achei que isso passaria, todos disseram que passaria, mas ainda está aqui, ainda dói, entende...?
— Eu entendo...nossas dores são somente nossas, cada um lida com ela de uma forma, e com o tempo certo, não os dos outros mas com o seu tempo certo, isso vai passar... - Explica Leonardo em uma tentativa de me consolo, se eu não tivesse ouvido isso tantas vezes de tantas pessoas me sentiria bem.
Mas eu não estou bem.
— E se não passar? E se eu...nunca conseguir esquecê-la? - Pergunto com angústia.
— Quer esquecê-la? Por que? - Pergunta Leonardo deixando de observar o céu se virando para mim.
— Sempre que eu me lembro dela, ou de qualquer coisa relacionada a ela, me dói tanto Léo, eu não consigo mais focar em nada...e era isso que me ocupava, eu sinto que estou sem saída para essa dor...
— Lembrar dela não te faz mal Dante, o que você tem que esquecer de como ela se foi...isso que te traumatizou, e você sabe disso.
— Como esquecer de tudo que aconteceu? Ela se foi por minha culpa, eu não fui presente o suficiente para ela...estava tão imerso em meus problemas que nem se quer notei os dela...fui um egoísta. - Explico com pesar, a dor que eu sinto é a consequência de meus atos, de meu egoísmo. E como se não bastasse além de egoísta sou covarde em busca de uma escapatória para essa dor.
A dor que eu mereço...
— A culpa não foi sua Dante...ela só queria fugir da dor que sentia, dor que você não sabia que ela sentia então não se culpe por isso, você fez o que pode...você a apoiou e a amou. - Explica Leonardo me consolando. — As vezes tomamos decisões em momentos onde tudo que devemos fazer é respirar e se manter calmo, pelo menos na medida do possível, entende? Nunca devemos tomar decisão alguma em momentos de dor, raiva, medo ou até mesmo alegria, se não tomamos decisões de qual podemos nos arrepender... - O jovem olha para mim seriamente.
Permaneço em silêncio digerindo as palavras do loiro, sinto o cheiro da fumaça se esvaindo, olho para a mão do loiro onde seu cigarro aos poucos se apagava. Seu olhar distante volta a encarar o céu, ele parece buscar algo nas estrelas. Eu tenho que parar de desabafar com ele...por mais que eu me sinta bem, por mais que eu me sinta leve por alguns minutos de conversa com Leonardo eu sei que ele também tem seus problemas, não posso atormenta-lo com os meus...
— Me desculpa te encher com tudo isso...mas eu não tenho um norte para seguir e seus conselhos sempre me fazem refletir... - Explico colocando minha mão sobre seu ombro. — Obrigada...e me desculpa mesmo por...tudo...
— Só respira e pensa...independente da decisão que tomar, tocar ou não...só respira um pouco, pensa e descansa na esperança que tudo ficará bem...e se não ficar, eu tô aqui, ok? - Afirma Leonardo tirando um maço de seu bolso a procura de outro cigarro. — Quer um? - Ele me oferece.
— Acho que preciso de meus pulmões limpos para respirar e pensar... - Comento tentando descontrair o clima.
— Real, não use drogas cara, apenas venda - Comenta Leonardo me aconselhando novamente.
Leonardo Gomes e seus conselhos.
♪ Atualmente ♪
— Dante? - Ouço Beatrice me chamar me despertando de meus pensamentos.
— Hm? - Olho para a menor que calmamente atravessa a rua caminhando em direção aos portões do colégio. Olho para o edifício confuso me perguntando como cheguei aqui tão rápido. — Hm... - Acompanho Beatrice que ao adentrar no pátio comprimenta alguns de seus conhecidos alegremente.
— Oi gente!
— Hey, Bea! Como está? - Pergunta Erin a comprimentando alegremente.
— Estou bem, ansiosa para aquele lance, cê sabe né - Responde Beatrice com um sorriso de canto. A encaro desconfiado ao notar seu sorriso.
— Ah sim, o lance. Tem que rolar o lance - Afirma Erin olhando aos arredores. — Olha ele lá, ele tá vindo pra cá.
— Está? Aí, Deus. Meu cabelo tá legal? - Pergunta Beatrice olhando para mim.
— Está normal, por que a pergunta? - Pergunto olhando para a direção onde Erin havia comentado, vejo a distância Tristan caminhando até nosso encontro.
Isso explica tudo - Reviro os olhos me despedindo de minha irmã, quanto mais longe eu estiver desse tal Tristan melhor será para todos, principalmente para o mesmo.
— Até mais tarde, maninha - Comento me afastando do grupo caminhando calmamente até minha turma.
Ao adentrar na sala me sento em minha carteira a espera do professor, a sala está deserta e silenciosa, todos os alunos estão por todos os cantos do colégio, menos no lugar que deveriam estar, acho que sou o único aluno que obedece essa norma.
Pelo menos tenho alguns minutos de calmaria antes que o sinal toque.
— Fala aí Gaspar, ainda não acordou? - Ouço uma voz familiar me chamando. Olho para o outro lado da sala avistando Leonardo. — Tá com uma cara de morto cara, cê dormiu mal?
— É...um pouco... - Murmuro em meio a bocejos.
— Eae? Como você está? - Pergunta o jovem se sentando em uma carteira ao meu lado.
— Normal... - O respondo automaticamente.
— Hm, saquei. E esse normal é algo bom? - Pergunta Leonardo persistindo no assunto. Apenas Afirmo levemente com a cabeça mudando a direção do assunto.
— E você, como está?
— O de sempre. - Explica Leonardo dando de ombros.
— Poderia perguntar se esse de sempre é algo bom mas...receio que não seja, não é? - Sorrio fraco para o jovem o encarando nos olhos, profundos e cansados.
O de sempre.
— Então...eu tenho novidades, mas não são muito boas - Explica o jovem mudando de assunto.
— Sobre o que é? - Pergunto curioso.
— Bom, sabe a sua GIbson? O Gal ainda tá meio bravo por você ter a devolvido e...ele me pediu pra dar um jeito nela, ele não quer vê-la...
— E nem me ver...não é? - Complemento sua frase já sabendo sobre a situação de Gal. Eu o conheço desde de criança, sei que sua personalidade é baseada em sentimentos passageiros, só espero que essa raiva que ele está sentindo também seja...
— É, tá meio que todo mundo puto contigo...mas você conhece os caras, eles adoram fazer um drama desnecessário. Já já eles esquecem tudo que aconteceu - Explica Leonardo me tranquilizando.
— Eu entendo o porquê Gal está chateado, bom, entendo em partes... - Explico suspirando pesadamente. — Eu tomei minha decisão...só queria que ele respeitasse isso, entende?
— O Gal não vai aceitar nenhuma palavra que não seja dita por ele, você sabe como ele é...continue firme com suas decisões e opiniões, com o tempo ele vai ver que ficar bravo não vai adiantar em nada, relaxa cara.
— Por que os outros estão bravos? O que eu fiz? - Pergunto não entendo o que os outros escriptas tem haver com minha pequena discussão com Gal.
— Eles ainda guardam rancor pelo fato de você não ter ajudado no show naquele dia do concurso. Tipo, não tem nem cabimento isso mas por algum motivo imaturo alguém tem que ser o culpado dessa história, mas a culpa não é sua Dante, você sabe disso. - Explica Leonardo se espreguiçando em sua carteira. — Eu só tô comentando tudo isso porque...bom...o que eu faço com a guitarra?
— Por que eu saberia o que fazer com ela? - Pergunto confuso. — Eu a devolvi para Gal, ele faz o que quer com ela...
— Então...eu posso deixá-la na casa de shows? Como uma guitarra extra caso algum músico esqueça seu instrumento, o que eu realmente espero que não aconteça - Comenta Leonardo a espera de minha afirmação.
— A guitarra não é mais minha Leonardo, faça o que quiser com ela - Explico não dando muita importância para esse assunto.
— Ah, ok então. Eu vou indo nessa agora, tenho prova no segundo período - Explica o jovem se levantando.
— Boa sorte - Digo me despedindo do jovem.
— Valeu mesmo, vou precisar!
Observo Leonardo passando pela porta da sala, alguns alunos adentram no cômodo já que em poucos minutos, o sinal tocará. Dentre eles vejo Arthur caminhando até sua carteira se sentando calmamente. Ao notar minha presença em meio a bocejos o jovem me comprimenta:
— Oi Dante, bom dia.
— Olá Arthur, bom dia - O comprimento gentilmente.
— Segunda feira ein, que saco - Resmungo o jovem bocejando novamente. — Tô acabado.
— Dormiu mal? - Pergunto preocupado.
— Ensaiei até tarde ontem com a banda, mas valeu a pena. Vamos arrasar no próximo show - Explica o jovem sorrindo bobo para o chão. — Você vai, não vai...?
— No show? É essa semana, não é? - Pergunto me lembrando do que Beatrice havia comentado mais cedo. — Vou fazer companhia para minha irmã, agora ela inventou de ser do rock - Comento em um tom descontraído.
Poderia dizer o quão cafona isso é mas eu já fui idêntico a ela quando mais jovem, não só ouvia como tocava músicas apenas para impressionar um certo alguém.
— Sério? Haha, isso é bom! - Comenta Arthur alegremente. — É bom saber que a minha banda alcança todos os públicos, o show dessa semana será incrível!
— Sem dúvida alguma - Afirmo sorrindo gentilmente para o jovem. — Você conseguiu terminar a música que estava compondo?
— Ah, ainda não... - Murmura o Gaudério sem jeito. — Mas vamos tocar os sucessos da banda no show, ficaremos a noite toda!
— Que legal, Arthur... - Comento confirmando minha presença no evento. — Eu estarei lá torcendo por você e toda a banda...
— Valeu mesmo Dante, eu não sei bem como explicar mas...sua presença é muito importante para mim, sabe? - Explica Arthur desviando o olhar de meus olhos. — Eu realmente não sei como explicar, mas quando minha música estiver pronta, eu espero que consiga expressar o que...o que eu sinto...
O que você sente...? - O encaro pensando no que dizer. Não sei se devo dizer...
O que ele quis dizer com isso?
— Estou ansioso para ouvi-la, Arthur... - Afirmo sorrindo calorosamente para o jovem, noto um rubor crescer no rosto do mesmo, poderia dizer algo a respeito mas provavelmente estou da mesma forma.
Isso é tão estranho.
No fundo eu sei o que é, eu só não quero admitir, porque tenho medo...
— Alunos, vamos corrigir as atividades da aula passada - Ouço o professor explicar adentrando na sala de aula.
Um tempo se passa e aula se encerra, finalmente posso ir embora, não é como se o dia não estivesse agradável. Afinal, a cada aula que se passa meu vínculo com Arthur se fortalece, somos bons colegas de turma. Mas hoje o dia está sendo meio nublado para mim, nublado dentro de mim...
Minha mente não consegue pensar em apenas uma coisa de uma só vez, penso em várias formas de tentar me desculpar com Gal e os Escriptas, por mais que eu não tenha feito nada de errado. Eu apenas fiz uma escolha, por que se revoltaram tanto com isso?
Mesmo não tendo culpa alguma minha mente insiste em dizer ao contrário, insiste em culpar a si mesmo, não preciso dos julgamentos dos outros, não preciso das críticas em relação as minhas escolhas, não preciso de dedos apontando para mim me condenando por simplesmente existir...
Para isso eu tenho meu eu sabotador, ele sempre vai estar ali no momento em que eu menos preciso dele, sempre murmurando os meus maiores medos, rindo deles junto aos meus demônios.
As vezes me canso de habitar no mesmo corpo que esse tal Dante. Ele é tão...
— Cara, você é um gênio! - Ouço a voz de Arthur comentando com espanto, como uma luz em meio ao breu ela me trás de volta a realidade. Encaro o jovem confuso não entendendo bem o porquê de seu elogio, mas fico lisonjeado.
— Eu? - Pergunto guardando alguns materiais em minha mochila. — Por que diz isso?
— Porque é a verdade! Você foi lá na frente do quadro e tipo, resolveu a questão em instantes. Até o professor te olhou tipo, esse loirinho é um gênio mesmo - Explica Arthur mudando seu tom de voz, para um mais sério e grave, um uma tentativa falha de imitar a voz do nosso professor de física.
— Haha, essa é a voz do Morato? - Pergunto não conseguindo segurar minha risada. — Olha, se ele ouvir isso acho que até pontos ele tira de você por essa imitação de quinta.
— De quinta? Ah, qual é! Haha, ele fala igualzinho, tipo, olha como eu sou sério e mau humorado, além disso também sou preguiçoso então mando meus alunos fazerem as questões no meu lugar na frente do quadro - Enfatiza o Gaudério agora em uma pose séria de braços cruzados.
— Nossa, eu não gosto mesmo quando ele faz isso - Suspiro pesadamente sentindo o cansaço de ser sempre o cdf que caminha até o quadro e faz o trabalho que o professor deveria estar fazendo.
Não creio mais que isso seja "participação nas aulas".
— Quem gosta, né? - Comenta o Gaudério com sua mochila em mãos. — Bom, eu vou indo agora...te vejo amanhã?
— Hm? - Olho para o jovem que me encara com naturalidade, por um momento temi suas palavras, o fato de saber que verei Arthur apenas no dia seguinte me deixou estranho, isso deveria ser normal. Eu mais que ninguém queria que a manhã passasse o mais rápido possível, mas...
Ele vai embora?
— Claro, até amanhã... - Dou um pequeno sorriso frouxo me despedindo do jovem. O guitarrista passa pela porta sumindo de minha vista.
Agora só o verei amanhã.
Hm...- Suspiro pesadamente terminando de guardar minhas coisas. Depois daqui terei que ensinar Beatrice algumas atividades extras e ajudá-la com o jantar em "família" que a mesma insistiu que dessa vez seria em nossa casa, só de pensar que Clara vai estar em casa de novo me faz pensar o porquê eu queria tanto que a aula acabasse logo.
Eu não quero estar aqui, e graças a visita que terei hoje a noite também não quero estar em casa. Em dias como esse eu apenas queria não existir...
— Qual é o seu problema? - Escuto uma voz familiar perguntando a mim. Olho para trás avistando Gal na porta da sala de braços cruzados.
— Gal? - O chamo surpreso em vê-lo. Ele estava bravo comigo, então por que está aqui? — Precisa de algo...? - Pergunto com minha mochila em mãos.
— Eu quero que você responda a minha pergunta. Como assim você não liga? - Pergunta Gal com um encômodo visível em sua entonação de voz, suspiro pacientemente presumindo do que se trata o assunto.
— Se está falando da GIbson eu---
— Como assim não liga? Ela significa um sonho, uma promessa, porra! Vai simplesmente cagar pra isso? Pra ela?! - Me interrompendo o jovem adentra na sala de aula em passos firmes. — Por que está fazendo isso? A música é sua vida! Não pode simplesmente...parar com tudo...
— Eu posso e vou - O respondo com firmeza, antes que pudesse me explicar o jovem volta a reclamar não me dando espaço para falar.
— Não, você não vai. Eu não vou deixar você jogar fora tudo o que aconteceu porque tá na merda. Recaídas acontecem Dante, e são em momentos como esse que você deve se apoiar no que te faz bem, deixar de tocar não é a melhor escolha a se fazer, não posso deixar você fazer isso. Eu não vou deixar você fazer isso - Explica Gal me encarando seriamente, noto a presença de uma capa nas costas do mesmo, onde um instrumento está guardado.
Desvio o olhar em silêncio, mesmo se eu quisesse explicar ele não entenderia, e eu não quero. Não quero ser entendido, apenas respeitado.
Afinal, quem é ele falar de recaídas e boas escolhas?
— Toma - Gal tira de suas costas a capa de guitarra a estendendo em minha direção, a espera de que eu a pegue.
— Gal, eu não quero mais ter envolvimento algum com a música. Esse instrumento pode ser útil nas mãos de qualquer outra pessoa, é sério, eu não quero...
— Por que não? - A pergunta de Gal passa por minha mente de maneira tão distante, já ouvi tantas vezes a mesma pergunta, os mesmos porquês...
Não vejo mais sentido nessas palavras, nessas perguntas, e muito menos em respondê-las...
— Pode respeitar a minha escolha? - Pergunto o encarando apreensivo, o silêncio toma conta da sala de aula, nossos olhos de encaram a espera de algo, os dois a espera de uma resposta. Ao notar que não terei nenhuma resposta caminho até a saída da sala.
Ele não vai mais falar comigo... - Em passos rápidos caminho até os portões do colégio. Considero tanto Gal, saber que o mesmo está bravo ou até chateado com isso me faz me sentir estranho.
Me faz me sentir culpado, mesmo não tendo culpa alguma de tudo isso.
Eu não tenho culpa de tê-la perdido, as pessoas se vão...e eu sinto tanto quanto ele.
Sinto falta dela. Não tenho energias para suportar essa falta, essa dor...
A culpa não é minha...
• • •
Olá, leitor!
Gostou do capítulo? Comente e vote, caso queira.
Até o próximo capítulo, baey, baey!
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