Sacrifícios do leal
Assim que as portas do elevador se abriram, deparei-me com o laboratório subterrâneo às escuras. Cici caminhava em minha direção carregando uma pasta. Sem dizer uma palavra, ela indicou a sala segura, aonde poderíamos conversar com liberdade. Eu a segui pelo corredor, observando os saltos altíssimos ecoarem pelo piso polido.
Entrei na sala logo atrás de Caridade, que digitou o código na tela de display, fazendo com que as portas à prova de som se fechassem atrás de nós.
-Como foi? – Ela indagou. – Preciso que me dê todos os detalhes para saber o que devo dizer ao procurador-mor, logo mais.
-Nós atacamos as instalações do laboratório central e deixamos pistas para que os caçadores encontrem e reportem ao conselho a possibilidade de ter sido obra dos Sopros da Morte.
-Eles não vão acreditar. – Ela respondeu, simplesmente.
-Eu sei. Mas não terão certeza. As regras demandam uma investigação completa; os magnates serão obrigados a averiguar... E ficarão por um bom tempo amarrados pelos procedimentos, não terão como provar de imediato que se trata de uma manobra de Adriano. Isso dará a ele o tempo que julga necessário para provarem que a humana não está contaminada.
Ela colocou a pasta sobre o balcão e olhou atentamente para mim. Pareceu-me que pretendia dizer alguma coisa, mas acabou dizendo outra:
-Pensei que tivesse superado sua antipatia pela Bacci.
-Você superou a sua?
-Acho que sim. – Ela deu de ombros. - Eu até gosto dela... Só não deixo que saiba disso.
-Não é uma questão de gostar ou desgostar. Ela coloca em risco tudo em que acreditamos.
Cici concordou com a cabeça, pensativa. Sua expressão estava muito séria quando voltou a me encarar.
-Stephen... Acho que você tem que saber de uma coisa que ainda não ousei contar a Adriano...
Eu senti um arrepio, antecipando o que ela iria me dizer.
-Melissa está contaminada. – Cici acenou com a cabeça, acrescentando devagar: - Os últimos dois exames comprovaram isso.
-Mas, o cheiro...
-O parasita está em estágio muito inicial de desenvolvimento. Mas está lá... – Ela apontou para a pasta fechada. - O maldito parasita está lá.
Aquele deveria ser o resultado do último exame de sangue. Cici parecia arrasada. Se por causa de Adriano ou de Melissa, eu não saberia dizer. Talvez lamentasse pelos dois. E por mais incrível que pudesse parecer, eu me senti péssimo com a notícia.
Meus piores temores estavam se concretizando: nossa hierarquia estava em vias de desmoronar como um castelo de cartas. Adriano não aceitaria que as regras fossem aplicadas à Melissa Bacci. Ele cairia com ela. Os dois seriam aniquilados. Camulus veria na situação, a brecha necessária para ascender ao poder...
Bem... O resultado do exame sanguíneo de Melissa mudava tudo; obrigava-me a fazer o próximo movimento. O movimento que eu mais temia, pois pairava como uma possibilidade real, desde o julgamento.
-Teremos de eliminá-la –pronunciei as palavras que transformavam o problema em perspectiva concreta de ação.
Encarei Caridade... Precisava descobrir se podia contar com ela, ou se ela viria a se tornar um obstáculo que eu teria de lidar para conseguir restabelecer a ordem das coisas. Éramos felizes e unidos, éramos amigos... Mas isso foi antes da humana aparecer. Agora, eu não sabia mais o que esperar de ninguém.
Mas esperei ansioso pela reação dela.
Cici me surpreendeu quando disse:
-Não será fácil. Teremos que ser cuidadosos.
Balancei a cabeça, lentamente.
-Adriano não pode sequer suspeitar que nós...
Caridade me olhou de frente, decidida.
-Ele não pode antecipar nossos movimentos.
-Impossível. Ele sempre antecipa – disse, apoiando-me no balcão lateral. Olhei para o arquivo. Ali dentro ficavam as informações confidenciais de várias reuniões, sobre todos os testes realizados no laboratório. Apenas os cientistas autorizados tinham acesso. Se algum convidado, como eu, decidisse mexer naqueles papéis, qualquer efeito colateral que disso resultasse seria de inteira responsabilidade dos imortais autorizados. E foi o que aconteceu quando Shaw descuidou de seu crachá e permitiu que Ásia roubasse a amostra do "despistador de cheiros".
-Ele sempre descobre - acrescentei, não querendo iludi-la sobre a gravidade da situação na qual nos encontrávamos. - Mas temos que fazer. Temos que correr o risco. A única coisa que podemos controlar é quando ele vai descobrir. Quanto mais tarde, melhor.
-Ele vai nos matar – ela concluiu, fatalista. – Vai nos caçar e matar.
Ficamos calados por algum tempo, digerindo aquela terrível verdade. De repente percebi sua expressão tornar-se contemplativa, e arrisquei:
- Você tem um plano para eliminá-la sem que Adriano possa interferir?
Cici ergueu a cabeça devagar. Era a primeira vez que eu a via assim, titubeante.
– Na verdade, eu tenho.
***
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