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Desejando Dalilah

Corri pela mata, sentindo o vento e as folhas das árvores batendo contra o meu rosto. No céu, a lua cheia iluminava o caminho dentro da floresta densa por meio de réstias pálidas, porém fulgentes... Eu não podia me dar ao luxo de me transformar agora, caso contrário, não conseguiria cumprir o propósito para o qual me dispus, mesmo que de maneira compulsória... Eu não queria ir até lá, mas sentia uma espécie de fome que exigia ser saciada. A transformação não me daria o consolo nem a satisfação que eu buscava. Por isso, tive que me contentar com uma corrida convencional...

Cheguei rapidamente à janela da qual pendiam os amores-perfeitos de Dalilah. Escalei a canaleta lateral com facilidade, apoiando-me nas reentrâncias da parede. O cheiro de Dalilah estava muito fraco e isso me deixou alerta... Mesmo assim, foi um choque ver a cama dela vazia e arrumada. Tive um mau pressentimento. Girei nos calcanhares, saltei e atravessei vários quintais como um míssil, no intuito de cortar caminho. Eu olhava para cima – para a o topo da colina onde ficava a parte alta da cidade. Meus pés automaticamente tomaram impulso nas pedras que se distribuíam na base da subida, deixando para trás o latido estressado de alguns cães de guarda e os moradores que, incomodados com a perturbação inexplicável, acenderam as luzes para ver o que tinha provocado tal agitação...

Logo alcancei a muralha e segui contornando o parapeito até o topo, até encontrar a primeira pantera de pedra, de frente para o centro histórico. Saltei para dentro de uma rua sem saída - colada à muralha. Continuei minha corrida, atravessando as vielas e alamedas até avistar o letreiro do bar.

Lá chegando, percebi que seu interior tinha se esvaziado rapidamente. O bartender passava um pano sobre o balcão, enquanto dois outros ajudantes guardavam as bebidas e limpavam as mesas. Entre as poucas pessoas que ainda se encontravam no local, Dalilah não estava entre elas.

Saquei o telefone e liguei para Melissa. Depois do quarto toque, ela atendeu, sonolenta.

-Oh, oi... Stephen – soou a voz espantada da garota. – Tudo bem?

-Como o que foi? Vocês não ficaram com Dalilah? – Eu explodi, antes de me dar conta do fato.

Um silêncio dominou o outro lado da linha.

-Nós a deixamos na pensão. Ela está lá... Não está?

-Não, não está.

Ouvi Adriano pedindo o telefone da mão de Melissa.

-O que aconteceu? – a voz grave substituiu a dela.

-Dalilah sumiu. Não consigo rastrear seu cheiro nas imediações.

-Forme uma patrulha e leve-a com você para a parte baixa, enquanto isso, eu vou vasculhar a parte alta.

Eu pisquei, elevando meus olhos para o céu. Aquele era o Adriano que eu conhecia. O irmão que assumia riscos e obrigações pelos seus. E eu estava prestes a traí-lo da pior maneira possível. Mas agora, tudo o que importava era Dalilah. Se algo tivesse acontecido a ela... Não quis nem pensar nessa possibilidade.

Ele encerrou a ligação. Senti que também ficou alarmado com o sumiço dela. A Muralha estava cheia de turistas para o festival de Lùnastal. Qualquer um a serviço dos dissidentes poderia se infiltrar na cidade, durante as comemorações.

Era a oportunidade perfeita. Havia humanos e imortais mais do que dispostos a realizar serviços sujos, desde que fossem bem pagos. E eu sabia que os dissidentes pagavam bem... Os mantos não poderiam supervisionar a todos que chegavam. Nós, por nosso turno, tínhamos reforçado o perímetro de proteção. Mas tendo em vista o trágico episódio no milharal, eu duvidava que fosse suficiente...

O fato de ter rastreado num só dia, dois inimigos mortais do cahill, não prenunciava nada de bom para o Lùnastal deste ano. Uma tragédia anunciada, se Dalilah não fosse encontrada. Pelos deuses, se algo acontecesse a ela... Eu enlouqueceria.

***

Eu corria pela cidade numa busca desesperada, atrás de qualquer pista... De repente, farejei o cheiro de Dalilah e de mais alguém... Alanis. Eu me angustiei. Se tivesse um coração batendo, ele teria parado.

Mas, então, eu a vi na estação do teleférico. Sentada, sozinha, e completamente bêbada. Dalilah havia voltado sozinha para a parte alta da cidade, depois que Adriano e Melissa a deixaram na pensão. Por quê?

Como Alanis nada tinha a ver com a bebedeira dela, compreendi que a caçadora também a estava seguindo. O que era igualmente perigoso, pois indicava uma intenção. Fosse qual fosse, eu não iria permitir que sequer chegasse perto.

Saquei o telefone para avisar Adriano de que Dalilah fora localizada. Ele não fez perguntas e eu desliguei sem me despedir. Caminhei devagar e me sentei ao seu lado. Dalilah não reagiu. Parecia estar me esperando. Ficamos ali, juntos, calados... Ela virou o rosto para mim e, então, pude ver seus olhos brilhantes.

-A lua está linda, não está? – perguntou, com a voz estranha, meio arrastada. - Dizem que o fantasma do polonês aparece em noites assim... As panteras também. Você já ouviu falar nas panteras, não ouviu?

Ela estava sendo irônica, é claro. Ironia de bêbado.

-Sim, eu conheço as panteras – sorri enviesado. – O que está fazendo aqui em cima? Pode ser perigoso a esta hora. Ainda mais com a aproximação da Lùnastal.

Ela deu de ombros.

-Estava pensando que, se eu corresse para dentro da floresta... Quem sabe, eu conseguisse me perder para nunca mais ser encontrada... Exatamente como o polonês.

Senti meu maxilar enrijecer, porém consegui me controlar.

- O que é isso? Uma crise de autopiedade? – Imprimi um tom leve à voz, o que não foi nada fácil.

Lágrimas brilharam nos olhos dela e eu percebi que estava perdido.

-Eu tenho que ter autopiedade, já que você não tem nenhuma.

Desviei os olhos para o céu, procurando me conter, tentando encontrar as palavras certas. Não foi fácil, já que eu não estava acostumado a falar sobre os meus sentimentos, nem entregá-los de bandeja nas mãos de uma mera mortal.

-Acha que eu não tenho sentimentos?

-Se tem, não são por mim...

Meu autocontrole foi pelos ares. Eu segurei o seu rosto entre as mãos.

-Você não poderia estar mais equivocada – minha voz saiu rouca.

Eu a peguei no colo e corri em direção à floresta.

-O que está fazendo? – ela sussurrou. Consegui ouvi-la mesmo com o vento nos açoitando enquanto eu ganhava velocidade.

-Você não queria desaparecer na floresta? – respondi, mastigando as palavras. - Vou levar você para um lugar que conheço... Onde gosto de ficar para colocar meus pensamentos em ordem. Quero que fique comigo.

Os olhos dela se arregalaram.

-Para colocar seus pensamentos em ordem? – Ela indagou, tentando tirar os cabelos que se colavam ao seu rosto.

-Não. Dessa vez, quero perder completamente a razão e o bom senso... Com você.

Um sorriso espalhou-se pelo seu rosto. Dalilah se aconchegou em meu peito. Eu estava mandando a cautela e minhas boas intenções para o inferno.

***

O suspiro feminino interrompeu meus devaneios. Dei uma última olhada na massa compacta de árvores, lá embaixo e me afastei da entrada da caverna.

Dalilah estava aconchegada à manta, olhando para mim através do crepitar das chamas que se elevavam com pequenos estalidos. A fogueira improvisada que fiz para aquecê-la duraria mais ou menos uma hora. Ela estendeu suas mãos pequenas – mãos que me deixavam excitado só de olhar para elas. Só de lembrar como elas eram capazes de me dar prazer... Eu me sentei ao lado dela e a puxei para o meu colo.

-Foi maravilhoso! – Ela suspirou contra o meu pescoço.

-Foi – admiti com relutância, e ela percebeu. Afastou um pouco o rosto e me encarou.

-Porque você sempre tenta lutar contra? Ainda mais agora que... Não é a nossa primeira vez...

Eu meneei a cabeça, irritado. Então, percebi uma movimentação no perímetro... Quase ao mesmo tempo o celular começou a tocar e eu atendi. Era Justus.

-Eu sei. Ele está fazendo o reconhecimento – respondi.

Dalilah franziu o cenho e eu me afastei um pouco, enquanto ouvia distraidamente Justus me fazer um relatório preciso da movimentação. – Sim, Adriano está lançando a isca. Vamos ver no que isso vai dar.

Encerrei rapidamente a conversa, pensando que teria de acionar o meu time. Eu me virei para Dalilah, colocando a camisa para dentro da calça.

-Respondendo a sua pergunta: eu te trouxe até aqui porque é um lugar seguro. Além disso... É onde eu gosto de ficar quando tenho tempo para me dar a este luxo. Como pode ver, teremos que adiar essa nossa conversa repetitiva sobre "lutar e perder" que você tanto gosta de me jogar na cara.

Ela fez um beicinho triste. – Grosso.

Não consegui conter um sorriso irônico. Detestava bancar o cafajeste, mas era o único jeito de controlar Dalilah e mantê-la a salvo. Dela mesma. E de mim.

-Grosso. – concordei com um aceno. -Tudo bem, mas você bem que gosta do quanto eu posso ser bruto com você. – Eu a coloquei de pé com um só movimento, segurando-a pelo braço. A manta escorregou, revelando sua nudez. Eu me forcei a percorrê-la com um olhar indiferente. O efeito foi o esperado. Dalilah se sentiu exposta e magoada. Ela me deu as costas e começou a se vestir em silêncio, com movimentos bruscos.

-Dalilah?

Ela terminou de se vestir, mas não ergueu a cabeça.

-Prometa para mim que não fará perguntas por aí... E que se você avistar um homem esquisito, do tipo albino, você vai me ligar imediatamente.

Levantando a cabeça, ela me encarou com olhos brilhantes.

– Ligar para onde? Esse privilégio é de Melissa. Eu não tenho...

Interrompi seu discurso com um gesto imperioso. Seus olhos se fixaram no pequeno celular aninhado na palma da minha mão.

– Eu já programei o telefone. Meu número está na discagem rápida.

Um brilho de esperança passou pelos olhos dela e eu me odiei por isso. Nós dois jamais poderíamos ficar juntos. Por outro lado, se algo acontecesse àquela baixinha encrenqueira, eu não suportaria.

Será que era isso o que os humanos chamavam de amor? Não...

Que chateação!

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