MELISSA: O retorno do rei...
O verdadeiro pode, por vezes, não ser verossímil.
Nicolas Boileau
Impressionante! Uma frase de repente pôde sintetizar os episódios mais importantes da minha vida... Fazia parte de uma questão dissertativa, presente na simulação que Walter preparou para mim, e em cuja resposta eu ainda estava trabalhando. Talvez, por essa razão, ela não saísse da minha cabeça.
Ou, talvez, o "verdadeiro pouco verossímil" estivesse sentado bem ali, ao meu lado...
O super BMW 4x4 atravessava as ruas da cidade em direção à estrada que nos levaria a... Bem, eu não fazia a menor ideia. Olhei de soslaio para Adriano e considerei a possibilidade de perguntar pela quinta vez, aonde ele estava me levando.
-Não.
-Não o quê?
Ele sorriu, sem tirar os olhos do trânsito. -Não pergunte. Eu não vou lhe dizer.
Balancei a cabeça, pensando em como as coisas, entre nós, eram engraçadas... A pouco, ele também quis saber o conteúdo do pacote que agora estava acomodado em seu porta-malas. E da mesma maneira, eu me neguei a lhe contar. Pelo menos estávamos quites em matéria de surpresas.
-Estou sendo sequestrada?
Ele soltou uma risada.
-É... - ponderou, inclinando a cabeça um pouco - ...está.
Surpresas, surpresas. Os últimos dias foram marcados por uma sucessão delas. A melhor de todas, é claro, foi a que anunciou o retorno do rei à cidade. Eu estava na pensão, quando a novidade chegou, de uma maneira pouco convencional.
-Um mensageiro acabou de entregar. É para você – Keyra McPherson tinha se aproximado segurando um pequeno embrulho marrom com caracteres estranhos. -Não está curiosa para saber por onde ele andou? - ela havia acrescentado, em tom conspiratório.
Na ocasião, eu não tinha compreendido o que ela quisera dizer.
-Leia o rótulo... - ela sugerira, e sem maiores explicações, dera-me as costas.
Eu havia pego o embrulho e seguido para o meu quarto, entretida e intrigada com as letras desenhadas no papel de presente. Aquilo parecia chinês, japonês... talvez, coreano. Com cuidado, fui desembrulhando o pacote até encontrar uma caixa delicada, contendo uma etiqueta em uma das laterais. Estava escrito:
Wagashi de agosto - Osaka, Japão.
A caixa vedada por uma tampa transparente deixava entrever duas fileiras de pequenos "cupcakes exóticos", em duas formas distintas: cerejas e girassóis. Havia uma etiqueta em inglês e outra em japonês, explicando suas origens.
-Ah, entendi. É um bolinho tradicional... Tão bonitinho!
O texto dizia que o wagashi simbolizava a essência da cultura japonesa; e que normalmente, vinha acompanhado pelo "tanka" - um tipo de poesia curta.
Ao invés da poesia, encontrei um bilhete preso à caixa. Tão-logo reconheci a letra de Adriano, senti um "terremoto" percorrer a base da minha coluna. Agora eu entendia o comentário de Keyra.
Ele estivera no Japão.
Dizia o bilhete:
Vou buscá-la no sábado, às 9:00 h.
Adriano
P.S. - Leve traje de banho.
Peraí... Traje de banho?
Quando eu finalmente controlava a situação, convicta de que, daquela vez, seria ele quem ficaria se roendo de curiosidade sobre o meu presente... Adriano virou a mesa. Eu devia imaginar que estava contando com a vitória antes do tempo. Agora, era eu que me roía de curiosidade e ele novamente dava as cartas... para variar!
E, assim, eu fiquei até a manhã de sábado: roendo-me de curiosidade.
O dia amanhecera lindo, quente e ensolarado como foram quase todos os dias daquele verão. No entanto, eu estava nervosa demais para conseguir apreciá-lo. Não consegui nem tomar o café da manhã, pois meu estômago estava cheio de borboletas. Só de pensar em comida, eu sentia náuseas.
Passei boa parte da manhã olhando alternadamente para os dois biquínis estendidos sobre a cama. O primeiro era preto e discreto; o segundo, vermelho e ousado. Adriano tinha dito que vermelho ficava bem na minha pele... Mas, se usasse o biquíni vermelho, eu me sentiria exposta - preocupada o tempo todo com a possibilidade de as peças minúsculas saírem do lugar ao menor movimento. Só que ele se ajustava tão bem ao corpo! Além de conseguir o milagre de mostrar curvas nos lugares em que eu via tudo reto. Que escolha mais difícil!
Que seja o preto, então!
Olhei para o relógio e vi que faltavam cinco para às nove. Meu estômago tremeu. Pensei que fosse vomitar ali mesmo. Respirei fundo, várias vezes, antes de pegar o embrulho contendo o pequeno quadro. Então, forcei-me a dar os passos que me levariam até ele.
Quando alcancei a portaria, não tive nem tempo de me preparar. Adriano já estava lá, conversando com Keyra. Ele parou de falar no mesmo instante. Não teria sido mais sincronizado, se tivéssemos ensaiado... Seu olhar intenso me fez sentir as pernas amolecendo como geleia. Eu tive de me segurar no balcão, para não cometer o vexame de desabar aos seus pés.
E quando ele sorriu... o tempo parou.
Keyra revirou os olhos.
-Vou deixá-los, pombinhos. - Antes de passar para o outro lado do balcão, ela acrescentou: - Tenham um passeio agradável.
Eu fiquei lá, parada, como uma idiota. De repente, ele estendeu os braços e eu esqueci todas as teorias da conspiração, todas as recomendações da minha consciência (para me comportar de maneira tranquila, parecer indiferente, não demonstrar o quanto senti sua falta, blá, blá, blá...). Eu simplesmente corri para os seus braços, que se fecharam ao meu redor.
Inesperadamente, ele me suspendeu até que meu rosto ficasse nivelado com o seu.
-Sentiu a minha falta? - aquela voz inconfundível perguntara.
Eu só consegui balançar a cabeça, como quem diz "não". Ergui lentamente olhos para enfrentar os dele.
-Sim - sussurrei.
Ele riu.
-Ei, o que é essa coisa batendo nas minhas costas? - ele perguntou, erguendo a sobrancelha.
Foi então que percebi, eu o tinha abraçado com quadro e tudo.
-Não fale assim, afinal, é o seu presente.
Tentei recuar, mas Adriano não permitiu. Ele foi me descendo bem devagar, até que pude apoiar o pequeno pacote sobre o sofá. Mal terminei o gesto e ele me ergueu de novo.
Ele olhou para o pacote, com o cenho franzido.
-O que é?
-Não vou lhe dizer... Ainda não está na hora.
Ele voltou a me encarar, com um sorriso embevecido.
-Como queira, senhorita. Está pronta para o nosso passeio?
-Estou. Aonde vai me levar?
-Paciência é uma virtude - ele me colocou no chão, apanhou o pacote com uma mão, e com a outra, segurou firmemente a minha. Quando dei por mim, estava sendo "rebocada" para fora da pensão.
Isso aconteceu há dez minutos.
Agora, estávamos deixando a Muralha para trás, e seguindo para... Sabe-se lá para onde. De repente, eu reconheci o caminho. Dwayne Preston fizera o mesmo trajeto, quando seguimos para o Salto da Caveira. No entanto, ao chegarmos na encruzilhada, Adriano simplesmente continuou em frente, em vez de subir.
Embora a estrada em que estávamos agora fosse de terra batida, encontrava-se em bom estado de conservação. Aliás, a maioria das estradas do Condado Celta parecia bem cuidada.
-Essa região é linda! - comentei, olhando de relance para ele.
Adriano sorriu e meneou a cabeça.
-Realmente - seus olhos vagaram para o Big Bluewater.. Ou Grande Azul. - Logo o outono vai chegar, e as folhas das árvores ficarão vermelhas e douradas... Você verá um festival de cores por toda a parte. Não há lugar mais bonito, nessa época, do que aqui. Ainda assim, eu prefiro o inverno... - ele olhou para mim com um brilho inconfundível por trás das lentes sombreadas. – Ah, o inverno! Pode ser implacável, mas é quando me sinto verdadeiramente livre. A neve cai por longos períodos, mudando a paisagem, tornando tudo um espaço vazio, limpo, e silencioso. O vento bate no seu rosto e é o único som que se ouve por vários quilômetros...
Ele tornou a olhar para frente e então, mexeu no controle do aparelho de som. A música romântica tomou conta do interior do veículo.
-Tem alguma preferência? - ele perguntou, com a mão ainda sobre os botões.
-Não, está ótimo! - sacudi a cabeça.
Adriano deixou o CD tocando. A música me envolveu a tal ponto, que mal notei a troca de marcha, quando ele alcançou uma curva mais fechada. Relanceei os olhos pela janela. Agora, a estrada margeava perigosamente o lago. Eu tive a inquietante sensação de que se o carro saísse poucos centímetros para a esquerda, cairia direto n'água. O frio se instalou na boca do meu estômago. Mas eu só fiquei assustada para valer, quando ele deu uma guinada brusca e mergulhou dentro de uma espécie de portal formado por árvores, trepadeiras e relva alta.
Fomos literalmente engolidos.
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