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Jail House Rock: O rock do presídio

O gênero musical que garotos da minha idade ouviam dependia de suas origens - e do gosto particular de seus pais. Havia músicas para pessoas do interior e da capital. Havia músicas socialmente adequadas, e outras socialmente consideradas subversivas. Havia músicas cantadas por e para brancos e outras, por e para negros. Delas se originou uma verdadeira miscelânea musical que resume bem a identidade de nosso país. Assim, da música africana desdobraram-se o samba, e outros ritmos. Da música portuguesa de modinhas e fados, cresceram ritmos em sintonia com a cultura em voga na Europa, e até com o jazz americano. A música foi criando características próprias; e assim sendo, nos anos de 1950, havia a música sertaneja, a marcha-rancho, e a bossa-nova... Até duas coisas acontecerem para virar a década de pernas para o ar: o rock'n roll estoura, e Hugh Hefner lança a revista Playboy...

Com a doce Marilyn na capa!

De repente, eis que todo mundo da minha geração - independente da origem, cultura, credo ou religião – está discutindo os mesmos temas, e escutando o mesmo som. A música ganhou status de acontecimento midiático. O cantor não era mais tão somente uma figura musical.

Elvis deixou de ser mortal para se tornar um conceito, uma referência, um ídolo.

O seu mais recente sucesso está tocando no rádio nesse instante, enquanto meu irmão e eu trabalhamos duro no celeiro; estamos limpando as baias para acomodarem o feno novo. Sean tenta acompanhar Jail House Rock com seu assobio desafinado, e até dá uns passinhos desajeitados de dança. Eu dou risada e me afasto em direção à sede da fazenda. A música vai ficando para trás... O som do vento a substitui.

Nossos pais são extremamente religiosos e levam uma vida simples, austera, sem muitas novidades... Nem atrativos! É de se imaginar que não gostem desse tipo de música. Na verdade, eles acreditam que o rock é um ruído perturbador, desencaminhando os jovens da América.

Eles não nos impedem de ouvi-lo. Mamãe acredita que, como toda moda, o rock vai passar, assim como passa a fase tumultuada da juventude. Ela crê que a sobriedade do mundo adulto vai se encarregar de nos envolver com os seus "tentáculos saudáveis". Então, ela diz com toda a serenidade: É melhor aproveitarem enquanto podem.

(Não sei como os tentáculos podem ser saudáveis, mas tudo bem...).

Portanto, Sean e eu ouvimos nossas músicas favoritas no galpão, ou no celeiro, para não aborrecermos os velhos.

Dou outra risada. Estamos fazendo de tudo para convencer os velhos a nos deixar ir até São Paulo, no próximo dia vinte e oito, para o show do Betinho & Seu Conjunto.

O sempre impulsivo Sean trabalhou por fora para conseguir juntar dinheiro para pagar os ingressos e a gasolina da nossa viagem. Não deveria... Não, sem saber a resposta do pai. Talvez, ele planejasse ir de qualquer jeito, com ou sem permissão.

Agora que o grande dia está chegado, Sean tem trabalhado mais duro ainda para agradar nosso pai. Sabe como é... Preparando terreno... O pai finge não saber a razão; acontece que só se fala do show, desde Capim Francês até a capital. Então, é óbvio que ele já matou a charada.

Uma viagem à capital não é nada demais. A distância entre Capim Francês, e São Paulo, não é tão grande assim. E não seria a primeira vez que faríamos esse percurso - ou pelo menos, parte dele. Claro, nunca fomos sozinhos para São Paulo; estávamos sempre em companhia do pai ou do tio. Levando em conta esse pequeno detalhe, o Sean tratou de conseguir a concordância de nosso primo mais velho, Pedro – bem mais velho e mais respeitado na família do que a gente... Como ele pretende viajar ao litoral para resolver alguns assuntos da fazenda do tio, pode bancar nossa babá por ao menos um dia. O dia do show.

Acho que Sean imaginou que, desse modo, estava prevenindo qualquer empecilho que papai pudesse apresentar.

O problema reside, é claro, no motivo da viagem: assistir a um show de rock.

Tanto eu quanto Sean contamos com o fato de que papai sempre age de maneira justa. Ele e nossa mãe se esforçam para nos dar uma vida digna, com valores sólidos, tais como honra, fé, cortesia, e solidariedade. Eles confiam em nosso discernimento... Pelo menos, em mim, papai confia cegamente. Afinal, eu sou o filho mais velho (tá, por oito minutos), e de nós dois, o mais ajuizado. Porém, mesmo achando que Sean se porta de maneira inconsequente, papai tem fé de que o mano vai se tornar um homem de bem no futuro... Bem lá no futuro...

Se eu caí nas graças do nosso pai, meu irmão é o queridinho inconteste de nossa mãe. Ela vive preocupada com o comportamento dele. Na cabeça dela, Sean tem energia demais e não consegue gastá-la apropriadamente. Energia acumulada, falta de desafios... Ela acredita que essas são as principais razões pelas quais o filho se mete em tantas encrencas. Pequenas encrencas, a bem da verdade... Mas que, geralmente, ameaçam se tornar grandes enrascadas.

No final das contas, eu costumo ser requisitado a contê-lo e/ou salvá-lo dos problemas que cria para si mesmo.

Sean não se ressente disso, mas me trata como se eu fosse o caçula desmiolado, não o contrário.

Eu começo a rir sozinho. É preciso reconhecer que ele possui mais iniciativa e coragem do que eu jamais terei. Se não arquitetasse o plano, eu nem sonharia em peitar os velhos para viajar à capital por causa de um show de rock. Agora, lá estou eu, envolvido até o pescoço no "esquema".

Termino de regular o motor da velha caminhonete, então limpo as mãos no pano. A caminhonete do pai está tinindo e com a carroceria brilhando de limpa. Eu já tinha deixado o lugar limpo também - parte da estratégia para amaciar o velho.

Desço o capô... E enquanto penduro o pano, imagino que nosso pai já deve ter retornado do pasto. Desde cedo, ele me lança olhares perspicazes... Ele havia me perguntado se o show do qual ouvira falar, na cidade, seria televisionado... Se for, é porque será um megaevento. Menti que não sabia de nada, óbvio. Mas rola o boato – boato quente - de que a execução do Enrolando o Rock vai ser filmada pelo Anselmo Duarte.

Eu não quero que o pai se assuste com o vulto que a banda do Betinho tomou, em relação aos adolescentes de todo o país; nem que ele saiba que o show vai ser filmado para uma chanchada. Pior: que os seus filhos estarão num show de rock exibido numa chanchada... Daí, que não nos deixa ir de vez.

Pelo menos, papai não é de ouvir rádio, não é de ir ao cinema, ao contrário de nossa mãe.

Ainda bem.

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