Filme de terror
Simão Cridder estava em cima de mim agora. Ele sorria de uma maneira nojenta. Rasgou parte da minha blusa e disse a clássica frase do estuprador, nos filmes trash: "Você vai adorar, benzinho!" E foi precisamente isso que me deu força. Uma força sobrenatural para o meu tamanho - ditada pelo ódio e pelo desespero. Fiquei tão revoltada que levantei o joelho e consegui acertá-lo bem naquela área da sua anatomia.
Encarei seu rosto repulsivo com satisfação, esperando que acontecesse...
Nada? Ele nem se mexeu! Por um instante de angústia, cheguei a pensar que não o tinha acertado como devia. Mas, então, Crider caiu de lado com a cara meio roxa. Um gemido débil escapou de seus lábios entreabertos.
Sem perda de tempo, eu me virei de bruços e fui me arrastando para longe dos seus braços inertes. Um pouco mais a frente, consegui engatinhar (na verdade, eu estava tentando me erguer sem muito sucesso). As costelas já não doíam tanto, porém, a dor era suficiente para me fazer querer ficar toda encolhida e imóvel.
Quando ouvi os passos dos outros dois soarem nas escadas, levantei meio cambaleante e prossegui em desabalada carreira pelo grande hall de entrada da loja.
Quase desmaiei ao perceber que as portas de saída estavam trancadas com cadeado e corrente.
-Droga! Mil vezes droga!
Hesitei, olhando para os lados. Não sabia mais o que fazer... Avistei as mercadorias encaixotadas que foram descarregadas no final da tarde para serem cadastradas na manhã seguinte. Elas estavam empilhadas na parede próxima ao elevador de carga. Resolvi me esconder atrás delas.
De onde eu estava podia ver os dois homens ajudando Cridder a se levantar, com dificuldade. Ele praguejava e gesticulava. Chegou a empurrá-los, apontando em várias direções enquanto cambaleava pelo hall.
Aproveitei para tirar os meus tênis. Não queria que me ouvissem correndo... Então, fui engatinhando devagar, contornando toda a parede por trás das caixas. Cheguei a passar rente aos dois sujeitos – que estavam ocupados demais em vasculhar o setor de som e vídeo.
Levantei somente quando já estava bem perto da escada. Não foi tarefa fácil. Eu ainda não conseguia respirar direito sem que "as facas" cutucassem os meus pulmões. Tentei ignorá-las ao descer os degraus, mas foi difícil.
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Ainda não tinha alcançado a garagem, quando ouvi algo se espatifando no térreo. Os ânimos estavam piorando lá em cima. O que eles fariam quando percebessem que eu não estava mais naquele andar? Eu queria estar bem longe quando isso acontecesse.
Pisei no chão de concreto da garagem com alívio, cambaleando em direção à rampa de veículos. Olhei para os lados, procurando algum sinal da outra moça da limpeza, ou de alguém que pudesse me socorrer... Mas nada. Tudo estava silencioso.
Desisti de procurar o telefone, e de tentar encontrar a outra garota... Muito arriscado ficar ali. O melhor era procurar ajuda. Saltei por sobre a cancela, sentindo as "facas" me deixarem sem ar de novo. Finalmente, alcancei o estacionamento externo.
O ar puro e frio feriu os meus pulmões, fazendo-me perceber que a temperatura do lado de fora tinha despencado. Esfreguei os braços nus, tentando me aquecer um pouco. Eu estava enregelada. Principalmente por causa do contato direto dos meus pés descalços com o piso. Olhei em torno, mas não encontrei onde me abrigar. Só havia árvores, escuridão, vento... três carros estacionados e... aqueles dois homens me observando. Eles tinham seguido a mesma rota que eu.
Gemi desesperada. E agora?
Instintivamente, rumei em direção às árvores. Podia ouvir passos se aproximando atrás de mim. Dessa vez, ousei olhar para trás e avistei Crider sozinho, correndo pela rampa de carros. Será que os outros dois se acovardaram e deram no pé?
Virei para frente, estonteada, e continuei correndo. Eu tinha que lutar contra a vertigem que ameaçava me engolfar, caso contrário, iria ser a minha perdição. Ultrapassei a calçada, depois a mureta, e finalmente a grama - enquanto ele rapidamente seguia os meus passos.
Nem parei para pensar se a distância estava diminuindo ou não. Forcei a marcha – ignorando as pontadas crescentes nos pulmões. A grama foi rareando à medida que eu subia a pequena elevação. Logo eu estava rodeada por árvores muito altas.
Agradeci à lua cheia pela suave iluminação natural. Caso contrário, eu já teria quebrado a cara em algum tronco.
Continuei correndo, contornando as árvores, saltando sobre os galhos caídos... Até que os pulmões não aguentaram mais e eu caí de joelhos, completamente sem fôlego. Queria fazer silêncio. Juro que queria. Mas a respiração saía ruidosa independente da minha vontade. Eu tinha certeza de que ele acabaria me localizando pelo barulho.
De repente, vi um movimento na mata. Foi muito rápido. Algo passou por mim, mais adiante, e desapareceu. O que era aquilo? Era enorme! Congelei de pavor. Principalmente porque os passos do meu agressor, que estalavam sobre os gravetos, vinham de trás de mim. Aquilo que passou, portanto, era outra coisa...
Franzi as sobrancelhas. Eu estava entre a cruz e a espada... Levantei e prossegui, antes que pudesse me arrepender. Se eu pensasse muito, com certeza iria me arrepender. Calafrios passavam pela base da minha coluna enquanto eu contrariava meus instintos de sobrevivência e avançava pela área onde avistei o vulto. Mas nada aconteceu. Ninguém saltou sobre mim. Não havia nada por ali!
Os passos de Cridder, que também tinham feito uma pausa, voltaram a ecoar. Dessa vez, acelerados. Só podia ser porque agora ele sabia a minha localização.
Cadê a estrada? Cadê a estrada? Era óbvio que eu estava perdida!
-Você não podia ter escolhido local melhor, gatinha. - Ouvi uma voz meio sem fôlego, bem atrás de mim. Eu virei muito devagar para encará-lo.
O que eu vi sugou todas as forças que me restavam. Era o olhar. Olhar de um homem que não deveria existir. Ele não poderia ser tão mau assim. Mas era... A maldade irradiava pelos seus olhos.
Eu não sentia mais as minhas pernas. Caí arfando diante dele, pois estava cansada demais para continuar.
Aquele era o fim.
-Você me fez passar por um mau pedaço, minha linda. O que vai acontecer agora é só culpa sua.
Cridder deu uma volta completa ao meu redor, como se me avaliasse - tal qual o predador enquanto desfruta dos últimos momentos de sua presa... Enquanto desfruta a antecipação do seu martírio... Sim, ele estava saboreando o meu terror.
-Mas sabe que foi divertido? - ele abriu o reco da calça e riu. - Depois que eu terminar com você... Quando a encontrarem, pensarão que foi devorada pelo tal felino que anda à solta por aí. - Ele puxou o meu cabelo pelas raízes, forçando-me a erguer a cabeça. Acho que pretendia me beijar, mas eu não tinha certeza porque minha visão ficou turva.
Cridder me empurrou com força. Senti quando minha cabeça chocou-se contra o chão úmido... Pensei que fosse apagar ali mesmo... Mas, ainda às portas da escuridão, ouvi algo diferente da roupa sendo rasgada. Abri os olhos e penso ter visto a mesma sombra escura passar por entre as árvores.
Acho que Crider não percebeu nada, pois continuava entretido com as minhas roupas. O ar gelado envolveu meu peito e o sutiã tornou-se a última barreira que restava.
Fechei os olhos, exausta.
De repente, o peso do corpo dele foi arrancado de cima de mim. Ouvi estalos de ossos quebrando, o som de pele e carne sendo rasgadas, rosnados selvagens... e os gritos pavorosos de Cridder. Então, aquele mesmo som horripilante prevaleceu sobre todos os outros, preenchendo completamente o cenário... Um rugido de estourar os tímpanos, que me paralisou e praticamente me deixou sem fôlego. Era impressão minha ou o som vinha de perto? Dessa vez, de muito perto... Eu não queria ver o que estava acontecendo com Crider, por isso mantive os olhos firmemente apertados.
De repente, os gritos cessaram e um silêncio misericordioso me envolveu.
Surpreendentemente, mãos frias ampararam o meu corpo. Esbocei uma débil tentativa de me defender, mas as mãos detiveram os meus pulsos com facilidade. Eu me aquietei com a certeza instintiva de que não pretendiam me ferir. Elas desceram cuidadosamente pelos meus braços e apalparam a região do tórax e das costas... Como se estivessem me examinando.
Um braço forte foi passado pela minha cintura, levantando-me. O movimento me fez sentir dor nas costelas. Enquanto o braço me estreitava, a outra mão ajeitava a posição das minhas pernas e das costas. Então, a dor desapareceu. Em seguida, dedos gentis contornaram os meus lábios, traçando a linha da mandíbula, passando pela orelha, até alcançar o meu cabelo. Eles afastaram com delicadeza os fios grudados no meu rosto úmido. Quase com...reverência.
Apaguei em seguida. Só tive um pequeno lampejo de consciência quando senti que estava sendo colocada na poltrona ultra confortável de um automóvel. Mas tudo o que eu queria era negar o que estava acontecendo. Só podia ser a minha imaginação me pregando peças novas – pois devia ter se entediado com as antigas. A qualquer momento, eu acordaria... E iria descobrir que tudo não passara de um pesadelo. Eu estava dormindo na casa de Carmen, é claro. Por isso, me aconcheguei mais à poltrona que eu acreditava ser a minha cama.
Ouvi uma porta de carro batendo.
-O que está fazendo aqui, Stephen? - Essa voz... De onde eu a conhecia?
-Eu o segui, naturalmente. Depois que você saiu transtornado daquele jeito...
Que pesadelo mais esquisito!
-Já que veio, por favor, certifique-se de que não restou nenhuma evidência. Você viu tudo, não?
-Sim... Terei muitas pistas para encobrir. Será uma noite longa...
A voz grave riu suavemente.
-Eu não pedi que viesse.
-Sabe que eu tinha de vir. Era minha obrigação... Você quebrou as regras.
-Eu as quebrei de fato. Mas não preciso que ninguém me lembre disso. - A voz agora assumia um tom imperioso, estranho, algo tão forte que me paralisou e me fez respirar com dificuldade. Ele deve ter percebido, porque ouvi seus passos rápidos se aproximando.
-É ela? – O tal Stephen parecia incrédulo.
-É ela - confirmou a voz, marcada por uma emoção indefinível.
-Mas como foi que você descobriu onde...?
-Eu segui os sinais. Ela tinha me avisado para ficar atento. E durante todos esses anos, não fiz outra coisa.
Depois disso, o sonho ficou muito confuso. Escutei o ronronar de um motor possante, antes que o carro deslizasse velozmente pela estrada. O interior estava agradavelmente aquecido – eu suspirei e me aconcheguei mais junto ao banco.
Novamente, senti dedos suaves tocarem os meus cabelos. Eles afagaram a minha bochecha, delinearam o arco da minha sobrancelha, descendo preguiçosamente até a ponta do nariz.
Pela primeira vez na vida, eu me senti segura.
Mesmo na escuridão.
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