Balada perigosa
Foi um verdadeiro martírio. Eu não era baladeira! Mas Carmen estava ficando magoada – até mesmo irritada – por causa das minhas evasivas. Eu não podia mais escapar de sair com eles. Então, acabei concordando que faria a minha estreia "na noite" de Porto do Sul.
E me arrependi até o último fio de cabelo.
A noite terminou comigo morta de cansaço, surda (por causa do som altíssimo), e espremida entre três bêbados num carro fedorento: Carmen, o namorado, e o encontro às escuras que os dois me arranjaram. Ele se chamava Ed Britto.
Quando Carmen começou a se agarrar com o namorado no banco da frente, e o amigo dele ficou "empolgadaço" para despejar o seu hálito de uísque em cima de mim, não consegui mais suportar a situação. Fingi que estava passando mal e saí correndo. O alívio foi breve porque o cara também saltou do carro, e ficou me chamando com aquela sua voz pastosa... Para me livrar dele, decidi voltar à boate de onde tínhamos acabado de sair.
No meio do caminho, quem me aparece pela frente para coroar a noite? Simão Crider. Ele barrou o meu caminho, e eu recuei automaticamente. Mesmo de ondeestava, podia sentir que seu hálito não estava melhor do que o de Ed Britto.
-Dá licença? - pedi, aborrecida. Tentei parecer segura, mas acho que ele percebeu o quanto me intimidava com o seu tamanho e o seu olhar indecente.
Cridder cruzou os braços sem a menor intenção de sair do lugar. Seu sorriso foi predatório quando me encarou.
-O que há, gatinha? Cadê o seu par?
Hum! Então ele esteve me vigiando... Achei melhor tentar outro tipo de estratégia.
-Acho que bebi demais e estou enjoada pra caramba! - fiz uma cara de desamparo e abri bem a boca, forçando-me a salivar de uma maneira grotesca. - Acho... que vou... vomitar! - ato contínuo, eu me joguei pra cima dele.
Crider saiu rapidinho da minha frente, com medo que eu despejasse todo o conteúdo do meu estômago em cima da sua roupa. Aproveitei o momento e praticamente voei para dentro do banheiro feminino, sem olhar para trás.
-Ei! - ainda o ouvi gritar.
Bati a porta com força e respirei fundo várias vezes. De frente para mim, refletida no amplo espelho decorado por pequenas lâmpadas - tipo camarim de cabaré, uma figura ridícula me observava com olhos esbugalhados. Era duro ter que admitir que eu era aquela criatura ridícula. A mais azarada da face da Terra. Tinha que encontrar Crider justamente ali!
Calma, garota... Andei devagar até a pia, refletindo sobre isso por um instante. Então, olhei de novo para o reflexo no espelho e joguei uma água no rosto, para me acalmar. Mas só o que consegui foi borrar a maquiagem que Carmen havia me obrigado a por.
-O que é que eu estou fazendo aqui? - resmunguei.
-Ah, você está aí! - disse Carmen, entrando no banheiro com passos trôpegos. - Melhorou?
Senti que ela estava chateada; provavelmente porque teve de deixar o namorado no carro.
-Sim.
-Então, vamos embora... - ela me puxou apressadamente pela porta.
A música altíssima devia estar fazendo as paredes estremecerem... Não sei como as lâmpadas não estouraram, como quando o tenor alcançava a nota fatídica. Estava tão alta, que doía fundo nos meus ouvidos desacostumados. Para mim, aquele tipo de divertimento era incompreensível! Mas as pessoas prensadas na pista de dança pareciam adorar. Como isso era possível?
Eu estava assombrada com a maneira como os corpos se entrelaçavam sugestivamente. As luzes coloridas piscavam nervosamente sobre eles e por toda a danceteria. Olhei distraidamente ao redor, e mesmo com a iluminação escassa, pude ver alguém me encarando fixamente do outro lado do salão. Era Simão Crider.
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Na segunda-feira finalmente recebi a minha escala de serviço. Não era nada animadora, pois eu iria trabalhar à noite. Carmen me fez uma série de recomendações. Ela disse que duas funcionárias sempre ficavam responsáveis por esse turno. O que me deixou mais aliviada. Eu não ficaria só.
Meu turno começaria às vinte e duas (quando a loja estivesse fechando). A porta de acesso aos funcionários deveria permanecer sempre trancada. A chave ficaria sob minha responsabilidade, assim como uma cópia ficaria com a outra funcionária. Haveria dois seguranças na guarita do subsolo, acompanhando tudo o que acontecia através dos monitores, os quais recebiam imagens captadas pelas câmeras internas.
-Não vai ser tão ruim assim. – Ela tentou me confortar. - Depois de colocar as mercadorias nos devidos lugares e limpar o chão, o resto da noite é moleza. Você vai poder ficar roncando na saleta dos funcionários. Ou, se preferir, assistindo TV. Que tal?
-Maravilha. - Tentei parecer entusiasmada. Mas a verdade é que eu me sentia inexplicavelmente nervosa. Não por causa do trabalho. Mas porque a loja estaria praticamente deserta.
Naquela mesma noite, reencontrei Stan numa lanchonete próxima da loja. Era o único funcionário com quem eu me relacionava fora do expediente, além de Carmem. Pena que ele fosse tão tímido. Se já tivesse me convidado para sair, eu teria uma desculpa para não ir com Carmem àquela maldita balada; e, consequentemente, teria evitado o encontro com Simão Crider.
A minha curiosidade pelo mundo virtual acabou nos aproximando. Stan demonstrou ser um ótimo professor e nas horas vagas, ajudava-me com os meus interesses.
Ele pediu um sanduíche ao atendente e me entregou um pequeno objeto que logo reconheci como sendo um pendrive.
Eu tinha mencionado que queria gravar alguns arquivos interessantes da internet, e ele já tinha sugerido o pendrive. Agora eu estava frente a frente com aquele dispositivo... Stan explicou rapidamente o conteúdo...
Agora ele estava dizendo: -Você vai ficar surpresa, mas encontrei tudo o que você pediu na sua lista de desejos. Inclusive as gravuras e as fotos. Divirta-se!
-Como coube tudo aqui? - eu imaginava que ele fosse gravar um CD ou DVD.
-Mel... 8 Giga é espaço que não acaba mais. E olhe que eu quase enchi este pendrive... Tomei a liberdade de acrescentar algumas músicas para você passar futuramente para o seu MP3.
-Está na hora de deixar de ser "analfabeta digital" – ele acrescentou, divertido.
Eu ri do comentário. É verdade, eu sabia tão pouco desses assuntos...
-Ai, deve ter dado um trabalhão pra localizar isso tudo... Quanto te devo?
-Nada! - ele riu. - Você não me deve nada! Eu adoro navegar na rede. Até aprendi umas coisinhas novas, bem interessantes, ao pesquisar esses seus bagulhos.
-Valeu! – ri com ele.
-Sabia que há comunidades que discutem os temas que te fascinam tanto?
Arregalei os olhos. - É mesmo? Eu ouvi dizer que comunidade é só bate-papo entre as galeras.
-Isso é mito. Você encontra de tudo na rede. Basta saber pesquisar. Sabe, Mel, dizem que a internet ensina bobagens aos jovens... Mas na minha opinião, ela não é boa, nem má. O uso que você faz dela é que muda tudo. Trata-se de uma ferramenta, como qualquer outra. A pessoa tem que ter cabeça para usá-la. Tem que pensar criticamente e não acreditar em tudo o que lê. Você já participou de alguma comunidade?
Dei de ombros.
-Na verdade, o computador do orfanato era tão antigo que não tinha capacidade para acessar a maioria das páginas. Outras eram bloqueadas. Só na escola é que tive um pouco mais de liberdade para navegar.
-Se quiser, eu posso te ensinar a usar algumas ferramentas bem legais. Você pode postar suas coisas, pode bolar um blog, montar um painel, criar listas de discussão, até publicar seus desenhos... Enfim, a rede fornece vários recursos. Você poderia ganhar dinheiro com isso. Uma renda extra sempre é bem-vinda. É o que eu mesmo faço, de vez em quando.
Ele sorriu e colocou uma mexa do meu cabelo atrás da orelha. - Vou deixar você usar a máquina da loja, mas daí tem que ser fora do expediente. O chefe não pode saber - justificou.
-Combinado!
Fiquei empolgada, imaginando as possibilidades que ele havia mencionado. Era gentil da sua parte me ensinar. Só não sabia o que ele pretendia ganhar em troca. Novamente, as minhas desconfianças me assaltavam.
Cale a boca, garota! Stan é um cara legal...
E eu queria muito acreditar nisso.
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