4 - Perdido
Márcio mais uma vez se vê andando em corredores fracamente iluminados. As luzes vermelhas piscam e zumbem e seu coração está disparado. O tempo parece não passar e ele não tem a menor noção de há quanto tempo caminha por ali. Dessa vez, várias portas estão abertas e o que ele vê por elas é inimaginável.
Se aproximou devagar da primeira porta aberta e a princípio não viu nada. Apenas a pouca luz do corredor entrava por ela, tingindo o cômodo de vermelho e sombras. De repente, algo se mexeu no canto superior esquerdo do quarto e ele deu um grito, tentando recuar e não conseguindo. As pernas pareciam paralisadas. No alto, uma aranha gigantesca o encarava com seus olhos compostos. Podia ver sua silhueta refletida pela luz vermelha atrás de si, nas centenas de omatídeos. O monstro encolheu com sua aproximação, mas agora dava a impressão de perder o medo e parecia prestes a se atirar em cima do rapaz.
Márcio correu, desesperado. Passou por várias portas fechadas, sempre à sua esquerda, até se aproximar de outra aberta. Espiou com cuidado e dessa vez não precisou forçar a vista. Havia uma cama e, amarrado nela, dormindo, ele viu a si mesmo. Lembrou imediatamente que aquele era o quarto de seus pais, da casa em que eles viviam quando tinha apenas 5 anos. Ao lado da cama, sentado em uma poltrona, com um livro do Sidney Sheldon nas mãos, havia um ser que lembrava muito sua mãe, tanto nas roupas quanto no corpo baixo e ligeiramente gordo. A diferença é que onde estaria o rosto dela, existia uma face totalmente lisa, exceto por uma grande boca, sem olhos, nariz ou sobrancelhas. No canto do quarto, de pé ao lado da penteadeira, via uma figura alta e forte, que poderia ser seu pai, mas seu rosto também não estava completo, não havia boca, nariz, sobrancelha, orelhas, apenas grandes olhos azuis que pareciam olhar através de sua alma. A criatura que parecia sua mãe levantou a cabeça e a virou em sua direção e Márcio pôde ver que o rosto emitia um brilho fantasmagórico. Ela abriu a boca, anormalmente grande, e emitiu um som alto e agudo, que não tinha absolutamente nada de humano. Um arrepio percorreu todo o corpo de Mário e ele voltou a correr, desejando, pela primeira vez, acordar desse pesadelo.
Entrou sem pensar na porta aberta que existia bem na frente do corredor por onde vinha. Essa sala também estava bem iluminada, com dois holofotes apontando para uma caixa de vidro, de aproximadamente dois metros de largura por dois de comprimento, que ia quase até o teto. Ela estava cheia de água e dentro dela, presa por diversas correntes, ele viu Fernanda. A garota parecia desmaiada ou morta, mas abriu dois olhos assustados quando ele tocou o vidro.
Fernanda começou a se debater, em desespero, enquanto bolhas escapavam da sua boca. Seus olhos arregalados o encaravam, suplicando por ajuda. Márcio se jogou contra o vidro uma, duas vezes, mas nada aconteceu. Olhou em volta e não achou nada que pudesse usar para arrebentá-lo. Pensou em pegar os suportes dos holofotes, mas eles estavam presos ao chão, demoraria muito para conseguir soltá-los. Dentro da caixa, Fernanda se mexia cada vez menos e agora ela parecia estar engolindo muita água. Ele tinha pouco tempo. Foi quando lembrou de ter visto um machado no corredor, pouco antes de entrar no cômodo, no nicho vermelho escrito "Em caso de emergência".
Márcio mais uma vez correu mas, ao pisar para fora do quarto, não havia mais chão. Começou a cair, como no outro sonho.
Caiu por uma eternidade, pensando que acordaria no exato momento de tocar o chão. Seus pensamentos ainda estavam em Fernanda, precisava salvá-la. Tinha sido egoísta e agido como um idiota e agora outras pessoas estavam pagando por isso. De repente, sua queda foi interceptada por uma superfície macia. Viu, sem conseguir entender, que havia sido pego por uma mão enorme, branca e quente, que o colocou no chão delicadamente. Ao tentar reconhecer o ser gigante que tinha interrompido sua queda, percebeu a mulher pálida, de novo com um tamanho normal, parada à sua frente.
- Olá, Márcio. – disse ela.
- Olá, - respondeu o rapaz, sem saber o que mais falar - tenho te procurado por todo esse tempo. – arriscou.
- Eu sei, por isso estou aqui. Preciso te falar que chegou a hora de você parar com isso. – ela falou, séria, mas sem parecer irritada.
- Não posso, você sabe que não posso. – replicou Márcio – Tenho que ir com você.
- Você não pode ir comigo agora e, mesmo quando for, não poderemos ficar juntos. Somos de lugares totalmente diferentes e não há nada que possamos fazer a respeito disso. - disse a mulher, parecendo cansada.
- Não me importo.
- Mas eu sim. - respondeu ela – Essa é a última vez que nos veremos em muito tempo. Algum dia voltaremos a nos encontrar, mas será apenas por um momento, até lá, viva sua vida e seja feliz.
Márcio viu a imagem da mulher pálida se esvaindo, enquanto acordava. "Não", murmurou ele. Tinha tomado uma decisão.
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