quinze
Bom, agora vocês sabem o que aconteceu. Depois disso só teve choro, desespero e uma dedicação exclusiva e desesperada ao meu trabalho porque, se eu não podia enfiar o Monsieur de Valois no buraco que tinha no meu peito, então eu ia enfiar todos os vestidos que coubessem, simples assim. Eu não o vi de novo depois do que aconteceu, salvo uma vez que eu estava em Versalhes durante a tarde para entregar alguns vestidos para Madame du Barry e eu o vi, rapidamente, no jardim, conversando com outros cavalheiros. Creio que ele não me viu. Ele nunca mais apareceu nos salons que eu costumava frequentar com Albertine ou nos eventos que normalmente nos encontrávamos e nos provocávamos com longos olhares e sorrisos. Ele me mandava flores, constantemente, com bilhetes implorando para conversar comigo, seguidos de um endereço onde eu poderia encontrá-lo. Depois de um tempo, só flores, sem os bilhetes, apenas um cartão com um "V." no meio. "Este cavalheiro que te admira, Joséphine, é insistente como um demônio!", disse Annette uma vez, recolhendo milionésimo buquê de flores. É, ele era mesmo.
Depois de uma tentativa não muito bem sucedida de colar os cacos do meu coração com o maravilhoso Monsieur Bascher, eu voltei ao trabalho, pois era o que eu podia fazer. Eu comecei a trabalhar em uma nova coleção de vestidos de tarde que eu tentaria vender para as dondocas de Versalhes em algum momento, mas preciso confessar que o sucesso do meu trabalho depende de muita limitação criativa e isso tem sido cansativo. Os robes à la française são lindos, possuem uma boa estrutura para aplicações e detalhes... Mas se forçada a usar a mesmíssima silhueta como base em absolutamente tudo que eu crio é péssimo. É uma versão complicada e muito mais trabalhosa do meu pesadelo de passar o resto da vida desenhando roupas para lojas de departamento; tudo que eu faço já foi feito antes de maneira similar, todo mundo que veste essas roupas parece a mesma pessoa. Ora, ora! Eu estou de mau humor vendo o mundo por lentes pessimistas! Devo estar perto de menstruar. Ou só estou presa 250 anos no passado sem chance de voltar.
Uma caçada real. Eu não consigo pensar em um evento mais enfadonho e bizarro do que passar uma tarde inteira sentada na grama vendo homens de peruca atirarem em patos ou seja lá que animal eles vão escolher matar dessa vez. Infelizmente, fui formalmente convidada pela Madame du Barry, sabe-se lá por que, para acompanhar ela, Albertine e outras madames da corte em uma caçada (que elas não participam, apenas ficam observando os homens). Eu não estava afim de socializar, mas eu vendi menos vestidos que o previsto no último mês e esse era o tipo de coisa que eu não poderia deixar acontecer. Então lá estava eu, sentada na grama vendo homens de peruca atirando em patos, exatamente como eu gostaria de passar um domingo, meu único dia santo!
— Joséphine, seu vestido é maravilhoso! Você mesma que fez? — Perguntou Madame du Barry. Eu estava usando um corpete com a réplica de uma pintura estilo rococó, como os espartilhos Vivienne Westwood, por cima de uma camisa de seda branca e uma enorme saia em um tom de bege acinzentado.
— A pintura do corpete foi feita por um pintor que contratei. — Eu respondi. — Mas o resto do vestido foi eu quem fiz, sim.
— Ah, você é tão talentosa e criativa! — Ela sorriu. — Por isso eu acho tão injusto o que Madame Blanchet está fazendo com você.
— Desculpa, o quê? — Eu perguntei, confusa. Blanchet? Quem é essa?
— Eu não gosto de fazer fofoca, mas... — Disse Madame du Barry. Não gosta de fazer fofoca!? Isso é basicamente tudo que você faz, mulher. — Bem, Madame Blanchet disse para todos que não compra os seus vestidos porque você não é uma mulher respeitável.
— Que piranha! — Eu exclamei, muito mais alto do que eu gostaria. As mulheres em volta de mim reagiram com horror ao meu linguajar e um dos homens atirou para o alto sem querer. Hoje definitivamente não é o meu dia. — Isso é absurdo, o que eu fiz para essa mulher me boicotar assim?
— Eu não gosto de fofoca... — Disse Madame Beignot, uma das damas da condessa que estava junto de nós na caçada. — Mas eu soube que a modista preferida dela estava à beira da falência por sua causa.
— Então ela decidiu espalhar rumores sobre mim para me afetar!? — Eu reagi, visivelmente irritada. — Ótimo, isso era tudo o que eu precisava agora.
— Não deixe isso te afetar, minha cara Joséphine. — Disse Madame du Barry. — Teus vestidos ainda são os mais populares de Paris, imbatíveis aqui em Versalhes. Eu tenho certeza que as tentativas de Madame Blanchet de te afetar não serão o bastante para impedir as pessoas de verem a beleza das suas criações.
Apesar das palavras encorajadoras de Madame du Barry eu passei o dia preocupada. O quão longe esta tal de Madame Blanchet poderia ir para me prejudicar? Eu queria saber o que exatamente ela andava dizendo por aí, conversando com as minhas compradoras. Quando eu estava na faculdade, algumas invejosas começaram a sussurrar pelos corredores que eu só havia conseguido a participação no evento da Vogue Paris porque eu estava dormindo com o professor de administração. Era verdade, mas aquilo não me afetava. Agora eu estava em um lugar (na verdade, um tempo) em que a minha conduta sexual poderia me fazer perder tudo - como já aconteceu antes vocês sabem bem.
Eu e Albertine deixamos as nossas amigas com seus cavalheiros de caça e fomos passear no jardim. Acho que ela percebeu que eu estava estressada e exausta da presença daquelas mulheres. Eu e ela há muito tempo tínhamos desenvolvido esse hábito de passar um tempo juntas em completo silêncio, dada a natureza introvertida dela, mas neste caso quem precisava de companhia silenciosa era eu. Obviamente a tagarela aqui não conseguiu ficar sozinha com os próprios pensamentos por muito tempo.
— Albertine, e se isso me arruinar? — Eu me virei e perguntei para ela.
— Te arruinar? — Ela reagiu, um pouco confusa. — Joséphine, querida, são apenas fofocas inofensivas. Eu duvido que isso vá te prejudicar a esse ponto.
— Eu tenho medo, muito medo. Eu nunca te contei isso, mas... Eu já estive nas ruas antes, mesmo que só por uma noite. Eu passei por momentos de absoluto desespero e finalmente eu sinto que consegui superá-los. E se não forem apenas fofocas inofensivas?
— Bem... — Ela suspirou, sentando-se em um pequeno banco de pedra entre dois arbustos floridos. — Eu odeio dizer isso, mas eu acho que o que mais fere sua reputação é sua conexão com o meu irmão.
— Seu irmão!? — Eu reagi, um pouco chocada. — Como assim?
— Aquela noite no teatro quando fomos ver Enée et Lavigne e eu precisei sair mais cedo... As pessoas obviamente viram vocês juntos, sozinhos no camarote. Foi aí que Madame Blanchet começou todos aqueles rumores. Eu nunca te contei porque tive medo que você se afastasse de mim por isso, me perdoe. Eu sei o quão importante o seu ateliê é para você.
— Eu... Eu não me afastaria de você por isso. — Eu disse. Neste exato momento eu percebi que Albertine era mais que uma mera conexão com a nobreza para mim; ela era uma amiga de verdade, mesmo que às vezes as coisas entre nós parecessem superficiais. — Eu não te culpo, mas você poderia ter me contado.
— Eu sei. Me desculpe.
— Bem... Eu preciso consertar isso. Eu apenas não sei como...
— Você poderia se casar. — Sugeriu Albertine, bem séria. Eu olhei para a cara dela por uns dez segundos antes de começar a rir.
— Certo. — Eu disse, ainda rindo. Ela continuou olhando para mim bem confusa. — Meu Deus, você está falando sério!?
— Sim, é claro que estou. — Ela respondeu, como se fosse óbvio. — Você teria que se casar uma hora ou outra de qualquer jeito. Um bom e apropriado casamento poderia calar de vez todos estes rumores. E talvez você nem mesmo precise trabalhar mais.
— Albertine, eu não posso... — Certo, eu não vou explicar para uma garota do século XVIII o conceito de independência financeira. — Albertine, manter o meu ateliê aberto é a única razão pela qual eu faria qualquer coisa. E eu não posso me casar assim, repentinamente, com um estranho qualquer. — Eu argumentei. Ai, que hipocrisia a minha...
— Não precisa ser um estranho. Só precisamos selecionar uma variedade de cavalheiros que estariam interessados e nós escolhemos o melhor. Bem, você escolhe.
— A ideia ainda soa terrível.
— Joséphine, eu tenho medo de verdade que você se torne amante de algum senhor desprezível em razão de manter aquele ateliê seu aberto. E eu gostaria que, caso isso aconteça um dia, pelo menos você seja uma mulher casada. É mais respeitoso.
Mais uma vez, bem-vindos à nobreza francesa do século XVIII, onde é mais digno ter um amante quando se é casada do que enquanto solteira. Embora eu estivesse frustrada e completamente abismada com a ideia maluca de Albertine... Era difícil não pensar que ela pudesse ter razão. Quanto tempo uma mulher solteira sobrevive num período da história como esse? Todas as engrenagens socioculturais deste circo de horrores giram em prol de casamentos. Se não é fácil ser uma mulher solteira de meia idade no século XXI, imaginem agora, considerando que eu já tenho vinte e três anos e já estou na meia idade setecentista (eu me acostumei rápido demais ao conceito de morrer aos quarenta anos, né?).
A ideia me assustava? Sim, muito. Mas talvez eu não tivesse outra opção.
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