neuf
Versalhes, mon amour... Algumas cabeças podem ter rolado guilhotina abaixo por causa disso, mas eles realmente sabiam dar uma boa festa! Havia música, dança, espetáculos circenses e o open bar mais insano que eu já tinha visto. Eu estava um pouco por fora das regras de etiqueta que eu precisava seguir, então não me animei muito com o vinho e os quitutes. Albertine parecia exatamente onde ir, cumprimentando pessoas por cada cômodo que passava. "Essa é Mademoiselle Marchand, ela é uma modista.", era como ela me introduzia para seus conhecidos de sangue azul. "Uma costureira?", as pessoas reagiam com certo desdém. Eu me fiz de sonsa, como se fosse incapaz de compreender ou me sentir constrangida por aquele desprezo velado - meu pai uma vez vendeu um quadro para membros da nobreza britânica moderna e eles nos chamaram para passar um verão na propriedade deles; se eu sobrevivi à condescendência dos britânicos, eu posso sobreviver a isso.
Eu me sentei com Albertine em uma saleta próxima ao salão de baile principal com mais algumas outras mulheres. Alguns garçons trouxeram taças de vinho branco para nós e eu não pude recusar. A fofoca escalava muito rápido, em um momento elas estavam falando sobre a decoração de suas residências de verão e no outro elas estavam discutindo sobre o tamanho do pau de seus amantes e maridos - franceses serão franceses, independente do século. Eu senti que até poderia engajar naquela conversa tão banal que eu provavelmente já tive em outro momento alguns anos no futuro, mas ao mesmo tempo eu estava desesperada por prestar atenção em tudo que estava acontecendo ao meu redor; os espetáculos, as danças, os costumes, as conversas paralelas, a decoração, as comidas... Eu estava completamente aérea, tentando gravar cada detalhe daquele cenário na minha memória pois, infelizmente, eu não podia fotografar aquela loucura. Eu percebi que as pessoas pararam momentaneamente para prestar atenção em um grupo de mais ou menos dez mulheres em vestidos escandalosos rodopiando pelo salão, rindo e brincando com os convidados. Olhando com mais atenção eu percebi que na verdade se tratavam de drag queens - ou uma versão setecentista delas. Umas quatro delas vieram em direção a saleta onde estávamos e sentaram em nosso meio.
— Vejamos... — Disse uma das drag queens, abanando-se com um leque, olhando para mim. — Quem é essa nova flor entre nós?
— Meu nome é Joséphine. — Eu disse, sorrindo. — Joséphine Marchand. E você?
— Madame Vignette, enchantée. — Ela disse, fazendo uma pequena reverência.
— Joséphine é uma modista, ela foi encarregada de fazer o vestido que Madame du Barry irá usar hoje. — Disse Albertine.
— Uma modista? Isso é perfeito! — Disse Madame Vignette. — Meninas, juntem-se aqui! Vamos acertar nossas dúvidas de uma vez por todas.
— Como assim? — Eu perguntei.
— Minha querida Joséphine, A Modista, qual de nós é a mais bem vestida aqui essa noite? — Perguntou Madame Vignette. As pessoas em volta pareceram animadas com aquela pequena competição.
— Ah... Eu... — Eu balbuciei, um pouco constrangida e confusa.
— Vamos, mon chéri! — Insistiu Vignette, rindo. — Nós queremos saber!
— Bem... — Eu disse, enquanto analisava cada uma delas como uma jurada convidada no RuPaul's Drag Race. A que mais me chamou atenção era uma que usava um belíssimo vestido de seda cor-de-rosa com aplicações prateadas e uma peruca também cor-de-rosa, o que era um pouco estranho por ali, eu não havia visto nenhuma peruca completamente colorida ainda. O vestido me lembrava um modelo de John Galliano para a Dior dos anos 2000. Suas jóias e maquiagem também estavam lindas, com certeza as mais bonitas dali. Creio que ela percebeu que eu estava fascinada com seu visual e piscou para mim de um jeito sedutor. — Ela! —Eu disse, apontando para a drag de vestido rosa. — Ela tem o visual perfeito!
— Oh, não é justo! — Madame Vignette reclamou, frustrada. — Celéstine sempre vence!
— Tentem fazer melhor da próxima vez. — Disse Celéstine. Ela olhou para mim e sorriu antes de se virar e voltar para o salão de baile junto de suas companheiras.
Albertine pareceu ter se cansado da companhia de suas conhecidas e nós voltamos para o salão principal. "A apresentação de Jeanne deve ser a qualquer momento.", ela disse. Eu estava realmente muito ansiosa para ver o meu vestido. Tão ansiosa que eu nem percebi que eu e Albertine estávamos a poucos metros de ninguém menos que o Rei Louis XV e só me toquei quando eu vi que ela estava fazendo reverência ao meu lado. O rei mal prestou atenção em nós, mas eu quase tive um ataque de riso de puro nervoso porque eu não conseguia parar de pensar no quanto aquele homem era esquisito - coitada da Madame du Barry!
— Então, Joséphine, o que está achando de Versalhes? — Perguntou Madame D'Orleans.
— Do jeito que eu achei que seria... — Eu disse, rindo. — Obrigada por me acompanhar, madame la princesse.
— Pode me chamar de Albertine. — Ela disse. — Você é uma boa companhia, sabia? Muitas dessas mulheres são podres de ricas e passam horas puxando o meu saco só pela chance de frequentarem os meus salons e se aproximarem das pessoas que eu conheço. Você não faz isso, apesar de... Ter origens humildes. — Espera aí, ela acabou de me chamar de pobre!?
— Certo... — Eu respondi.
— Acho que podemos ser boas amigas. — Ela sorriu. Bem, eu sou uma viajante do tempo sem passagem de volta, não estou exatamente podendo recusar amigos. Especialmente os poderosos.
A música no salão de baile subitamente parou e várias pessoas começaram a se juntar organizadamente ao pé das enormes escadas asa-de-anjo no centro. Trombetas soaram alto e um homem procedeu a falar "Eu vos anuncio a Madame Marie-Jeanne Becú, la Comtesse du Barry". No topo da escada estava ela, a Madame du Barry, vestindo o vestido que eu criei. Eu estava tão nervosa, talvez até mais nervosa que ela. Ela estava usando uma peruca monumental em um tom de loiro muito claro, quase acinzentado, cheia de brilhantes e fitas de tule champagne. O vestido reluzia sob as luzes dos lustres e candelabros e excedia toda aquela decoração exagerada do palácio. Apesar da saia ter dois metros e meio de largura, eu a fiz para que ela fosse o mais leve possível, dando volume com várias camadas de tule ao invés de usar tecidos mais pesados, e isso fez com que ela parecesse flutuar ao descer as escadas. Eu me senti um pouco triste ao pensar que aquele era o ápice da minha carreira como designer de moda e artista... E eu estava completamente sozinha, mesmo em meio a tantas pessoas. Eu não ia poder sair para beber com as minhas amigas ou estourar uma garrafa de champanhe com a minha mãe - que sensação mais filha da puta, eu estava tão feliz e ao mesmo tempo não estava. Madame du Barry terminou de descer as escadas e foi aplaudida pelos convidados; oficialmente apresentada à corte, ela se tornava por fim a maîtresse-en-titre do rei, que pegou a mão dela e a conduziu através do salão de baile. Eu me juntei aos aplausos e enquanto tentava esvaziar a mente dos meus pensamentos angustiantes, uma voz masculina muito bela soou atrás de mim:
— Você parece um pouco triste para alguém que está prestes a se tornar a modista mais famosa da França.
— Com licença? — Eu disse, me virando para ver quem havia dito isso. Era um homem (muito bonito por sinal) e não havíamos sido introduzidos antes, apesar de ele me parecer um pouco familiar. — Quem é você?
— Eu sou do futuro... — Ele disse. Meu coração gelou. — E eu vim aqui dizer que depois dessa noite, as mulheres de Paris e de toda a França, talvez até da Europa, irão à guerra pela chance de usar uma de suas criações.
— Você está... Como você... Isso é sério? — Eu perguntei, ainda em choque.
— É claro que é, já está escrito. — Ele disse.
— Quem é você? — Eu perguntei novamente.
— Um grande idiota. — Disse Albertine, atrás de mim. Eu me virei para ela. — Perdoe as gracinhas do meu irmão, Joséphine. O único futuro que ele pode ver é o dele próprio, e está em uma garrafa de conhaque e nos braços de uma cortesã!
— Seu irmão!? — Eu reagi, de olhos arregalados. Eu nem sabia que ela tinha um irmão, ainda mais um gostoso desse jeito.
— Armand, Marquis de Valois. — Disse ele, pegando a minha mão e depositando um beijo nela. — Ao teu dispor.
— Ah, sim. — Eu disse, ainda um pouco desconcertada e me achando uma idiota por ter acreditado por um momento que aquele homem poderia saber qualquer coisa sobre o futuro. — Mademoiselle Joséphine Marchand, monsieur le prince.
— Querida irmã, você se importa se eu roubar sua amiga por um breve momento? — Ele perguntou para Albertine. Como é que é!?
— Sim, eu me importo. Fique longe dela! — Respondeu Albertine, revirando os olhos.
— É só por uma dança... — Ele disse, sorrindo. Confesso que fiquei levemente balançada.
— Tenha cuidado com esse daí, Joséphine. — Avisou Albertine. — Eu tentarei falar com a Jeanne, nos encontramos mais tarde no jardim para a queima de fogos, está bem?
— Claro... Eu acho. — Eu disse, começando a ficar desesperada porque eu não sei dançar e parando para analisar eu nem disse que queria dançar com ele. Não que eu não queira, mas é que... Meu deus do céu.
— Vamos? — Disse Monsieur de Valois, estendendo a mão para mim.
— Bem, eu devo te avisar de antemão que eu sou uma péssima dançarina, monsieur. — Eu admiti.
— Não se preocupe. — Ele disse, curvando-se levemente, próximo ao meu ouvido. — Eu vou te guiar.
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