deux
Eu quero deixar bem claro que eu estava sim surtando. Havia uma garota no meu espelho que parecia exatamente como eu, exceto que ela parecia uma criança vitoriana doente em uma camisola branca saída diretamente de um filme de terror ou um episódio genérico de Supernatural. Eu congelei. Eu olhei para a minha velha camisa Dior umas três vezes para garantir que eu não estava usando uma camisola oitocentista.
— Puta merda... — Foi a única coisa que eu consegui dizer.
— Quem é você? — Perguntou a eu de camisola.
— Você... Você está no meu espelho. — Eu disse, me tremendo da cabeça aos pés.
— Bem, você está no meu espelho.
— Será que eu estou... Chapada? — Eu murmurei para mim mesma, incapaz de acreditar nos meus próprios olhos.
— Eu não sei o que isso significa... — Disse a garota no espelho.
— Certo... Você não sabe... Só uma pergunta, em que ano você está? — Eu perguntei, como se fosse uma coisa muito normal de se perguntar quando você está conversando com o seu reflexo no espelho que parece ter saído de um seriado de época da Starz.
— Mil setecentos e sessenta e nove... — Respondeu a garota. Eu vou ter um ataque de pânico. — Quem é você? — Ela perguntou.
— Mil setecentos... — Eu murmurei, incrédula. — Jo... Joséphine. Meu nome é Joséphine. — Eu respondi, quase naturalmente.
— Prazer em conhecê-la, Joséphine. Eu sou Angelique.
Bem, vamos recapitular: eu estava conversando com uma garota no meu espelho que atende por Angelique e, segundo ela, está em 1769. Além disso, ela parece muito comigo - tipo, muito. Nem todos os alucinógenos que eu usei na minha viagem de aniversário de 21 anos para Amsterdã me fizeram ver algo tão surreal assim. Mas vamos pular a parte onde eu estava completamente confusa e surtando e avançar para quando eu simplesmente decidi aceitar a situação.
— Minha falecida avó costumava contar uma história assim para mim. — Disse Angelique. Nós duas estávamos sentadas no chão encarando uma à outra de frente para os nossos espelhos, conversando por quase meia hora. — Uma garota vê alguém no espelho dela, alguém que tem sua semelhança, mas não é ela. E então elas dizem algumas palavras para viajarem através do vidro.
— Acho que você pode ser minha antepassada. — Eu disse para Angelique. — Você disse que seu sobrenome era Brunet, esse é o sobrenome de solteira da minha avó paterna. Precisa haver uma explicação para sermos tão parecidas.
— Eu espero que isso seja apenas uma coincidência. — Disse Angelique, um pouco triste. — Se eu passei meu nome de solteira para os meus descendentes, isso significaria que eu fui desquitada... Que eu não me casei com o meu amado Pierre.
— É, isso... Isso parece um problema. — Eu disse, um pouco desajeitada. Francamente, não inventaram reação apropriada para uma frase dessas.
— Eu não sei por que eu estou pensando nisso... É mais provável que você não seja minha descendente porque os médicos não me deram mais que algumas semanas. — Disse Angelique, tossindo. Espera, o quê?
— Você está doente, não está? — Eu perguntei. Eu sei que é um pouco maldoso da minha parte, mas era meio óbvio, a garota estava um caco. — O que você tem?
— Pneumonia.
Meu coração foi esmagado. Ela era só uma garota, tão jovem, tão gentil... Tão eu. Ela estava sofrendo muito, prestes a ser morta por uma doença que pode ser tratada com uma cartela de antibióticos. Eu olhei para os braços dela e vi que ela tinha seus cotovelos enfaixados, provavelmente porque estavam tratando ela com sangrias (eu vi isso naquela adaptação de Razão e Sensibilidade com a Kate Winslet). Eu instantaneamente me senti muito mal por ela.
— Eu gostaria que tivesse algo que eu pudesse fazer, Angelique. — Eu disse. Eu achei que seria muito rude me gabar sobre a medicina moderna para aquela pobre garota morrendo, considerando que estava tudo a quase três séculos de distância dela.
— Está tudo bem, Joséphine. — Ela disse, sorrindo tristemente. — Poder te conhecer agora e saber sobre o seu mundo resplandecente é uma bênção absoluta.
— Eu não chamaria de resplandecente. — Eu murmurei. — E eu não vivo em um mundo diferente, é o mesmo mundo que você, porém mais de duzentos anos no futuro.
— Eu gostaria de poder ver isso, pelo que você descreveu é extraordinário! Como essa caixinha mágica que você disse que serve para falar com as pessoas e fazer retratos. — Disse Angelique, sorrindo, apontando para o celular em minha mão. Sim, eu mostrei um celular para uma pessoa do século dezoito, em parte porque eu queria chocá-la, em parte porque eu queria saber se a câmera era capaz de capturá-la; infelizmente não, a câmera mostrava apenas eu, como se eu estivesse apontando para um espelho normal, o que talvez tenha feito eu questionar minha sanidade mais uma vez.
— É engraçado você estar no século dezoito. — Eu disse. — Eu estava estudando os vestidos desse período não muito tempo atrás. Rococó.
— Vestidos? Por que você estava estudando... Vestidos?
— Eu sou uma designer de moda. Uma modista, como diriam na sua época
— É mesmo? — Ela sorriu — Posso ver um dos vestidos que você fez?
— Bem, eu acho que não tenho nenhum aqui, eu costumo guardá-los no ateliê do meu pai... Espere, eu tenho um!
Eu mexi em umas das milhões de caixas espalhadas pelo meu quarto e encontrei um cabide coberto por uma capa preta. Dentro da capa estava um dos vestidos que eu criei para a minha coleção de graduação - ele não chegou ao show final, era só um protótipo onde eu combinei costura manual e acabamentos impressos em 3D. Era um vestido bem curtinho com aplicações na gola e nas mangas.
— Isso... Isso mal é roupa de baixo. — Disse Angelique, um pouco chocada. — Mulheres vestem vestidos assim em seu tempo? Tipo, o tempo todo? Na rua?
— Mulheres e homens vestem muitas coisas diferentes hoje em dia, depende da pessoa. Você não usa túnicas de lã e circletas douradas no cabelo como na França feudal. — Eu disse, guardando o vestido. — A moda muda, é natural. Se você está em sessenta e nove você deve ter notado que as mulheres passaram a se vestir um pouco diferente por conta da Madame de Pompadour.
— Bem, eu acho que sim. — Ela sorriu. — As clientes do meu pai estão sempre discutindo as novas tendências para vestidos e chapéus quando elas vêm comprar os perfumes dele... Você é muito inteligente.
— A moda na França pré-revolução é simplesmente incrível! — Eu disse. — Um dos meus objetos de estudo preferidos.
— Revolução?
Deus sabe o quanto eu quero dar spoiler sobre a Revolução Francesa para uma garota pequena-burguesa do século dezoito nesse momento.
— Esquece. — Eu disse, revirando os olhos.
E nesse momento me ocorreu que Angelique nunca viveria para ver a Revolução Francesa... Eu estava a duzentos e cinquenta anos longe desse evento enquanto ela estava a somente vinte - com a linearidade do tempo a seu favor. Eu sei, experienciar a Revolução Francesa talvez não fosse tão fabuloso quanto ler sobre ela nos livros de história, mas isso colocou o meu coração em perspectiva. Eu não queria que ela morresse.
— Angelique, você disse que na história da sua avó as garotas trocaram de lugar dizendo algumas palavras, certo? — Eu perguntei. Ah, Joséphine, não faça isso.
— Sim, em Latim. — Ela respondeu. — Anima...
— Espere! Eu acabei de ter uma péssima ideia.
Era realmente uma péssima ideia, mas eu não tenho certeza se muitas pessoas no meu lugar fariam diferente. Havia o desejo de ajudar alguém, havia a curiosidade diante de algo fantástico e vocês precisam entender que quando você finalmente aceita algo tão fantástico e incrível como conversar com alguém do passado através de um espelho... Seu cérebro simplesmente se livra das limitações. Então, sim, ideia terrível. E para isso eu iria precisar de ajuda.
— Joséphine, você tá chapada? — Perguntou Leanne, rindo. Sim, eu liguei para ela. Ela estava no meu apartamento às duas da manhã esperando que eu estivesse com um baseado enorme, mas eu estava sã e sóbria falando sobre uma garota no meu espelho. Uma garota que ela não conseguia ver, obviamente, o universo não faria isso ser tão fácil para mim.
— Leanne, eu não sei como te explicar que tudo o que eu acabei de te falar é verdade. — Eu disse. — Eu estou realmente falando com essa garota através do meu espelho, Angelique Brunet, ela é do século dezoito!
— Quer que eu ligue pro seu terapeuta?
— Leanne, por favor!
Certo, vamos pular essa parte onde Leanne estava achando que eu estava completamente louca e avançar para quando eu consegui convencê-la de que eu estava falando sério - isso foi tipo, três horas depois.
— Absolutamente não! — Disse Leanne quando eu contei para ela sobre o meu plano. Lá vamos nós de novo.
— Lee, a garota está morrendo! — Eu disse. Nós estávamos na cozinha para conversar em privado sem Angelique ouvindo. — Eu preciso fazer alguma coisa!
— Trocar de lugar com ela e arriscar ficar presa no século dezoito para sempre não é... Você está completamente louca!
— E se ela for minha ancestral?
— E daí?
— E se... E se o universo nos conectou dessa forma para que eu possa ajudá-la? Talvez minha própria existência dependa disso! Se ela morrer, talvez deixe de existir!
— Isso não faz sentido nenhum...
— Falar com a minha ancestral através de um Ettore Sottass também não faz sentido nenhum, mas cá estamos!
— Merda... Você vai realmente fazer isso?
— Sim. E eu preciso da sua ajuda.
Meu plano era relativamente simples. Trocar de lugar com Angelique para que ela pudesse conseguir tratamento médico e então devolvê-la para o seu tempo, saudável e vacinada. Sim, eu sei, esse plano tinha três mil buracos e entraves desde o início, não havia jeito algum de eu ter certeza de que isso se quer funcionaria. Mas eu estava movida por uma intuição muito forte; eu sabia que de alguma forma eu precisava fazer isso. Eu conversei com Angelique e Leanne até o dia amanhecer e revisamos tudo o que precisávamos fazer. Eu mandei mensagens para a minha família avisando que eu iria me ausentar durante um mês em um retiro espiritual ou algo assim e preparei uma bolsa com algumas coisas: alguns remédios, um coletor menstrual, pasta de dente, desodorante e o anel de diamante da avó falecida do meu ex-namorado que ele roubou para mim antes de fazerem o inventário dela - que Deus a tenha, mas eu posso precisar de dinheiro em algum momento no século dezoito e eu duvido que aceitem PayPal. Eu pedi para Angelique escrever um pequeno guia sobre o núcleo familiar dela, algo que pudesse me guiar enquanto eu precisasse me passar por ela. Na noite seguinte, eu iria cometer a maior loucura da minha vida.
— Eu estou rezando para que isso não funcione, para ser sincera. — Disse Leanne. Sim, minha amiga, parte de mim também está.
— Ficará tudo bem. — Eu disse, sorrindo. — Eu só preciso que você acompanhe ela e garanta que ela esteja aqui no dia e na hora que nós combinamos.
— Quando ela receber alta do hospital, eu vou trazer ela aqui. Fique perto do espelho dela.
— Obrigada, Lee, de verdade. Angelique, você está pronta?
— Sim, eu estou. — Respondeu ela, entre tossidas. — As palavras da história são Animarum, corpora. Per tempus, per speculum.
— Animarum, corpora. Per tempus, per speculum. — Eu repeti depois dela. — Vamos juntas.
— Animarum, corpora. Per tempus per speculum!
Meu espelho começou a brilhar, muito mais forte do que a iluminação da moldura. Eu dei um último olhar desesperado para Leanne antes de experienciar a sensação mais surreal de toda a minha vida. Século dezoito, aqui vou eu.
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