cinq
Eu comecei a sentir uma queimação desgraçada em meu peito e uma sensação de desespero generalizado me acometeu. Eu tentei ajudar uma garota aleatória que apareceu no meu espelho, a cadela transou com o meu namorado e me deixou presa duzentos e cinquenta anos no passado! E eu acabei de concordar em casar com um cara aleatório que quer quer me levar para Lyon!? Mas que porra eu estava pensando!? Eu comecei a andar freneticamente em volta do quarto enquanto lágrimas de desespero escorriam pelo meu rosto e eu estava quase arrancando os meus cabelos fora da minha cabeça. Em suma, eu estava surtando. Eu sai do quarto quase zonza, sem saber o que fazer ou como agir. Eu não me lembro como, mas quando eu me dei conta eu estava na cozinha - sozinha e no escuro. A escassa luz da lua estava iluminando a bancada e eu vi uma garrafa levemente arredondada; uma cheirada e um gole e eu identifiquei aquilo como vinho do porto. Perfeito.
Eu também não sei como eu cheguei no meu quarto, mas eu cheguei lá. E eu basicamente comecei a reclamar com as paredes, xingando aquela piranha da Angelique até que eu não fosse mais capaz de formar uma sentença coerente. Em algum momento eu me joguei na cama e continuava esquecendo que a garrafa na minha mão já estava vazia. Eu estava pronta para apagar quando escutei uma voz. "Angelique!", eu pensei (e talvez murmurei em voz alta), mas era uma voz masculina. E não vinha do espelho - estava vindo da janela.
— Quem é você? — Eu perguntei, vendo um homem na minha janela, penando para se equilibrar na sacada.
— O que você quer dizer? Sou eu, Angelique, Pierre. Quem mais seria? — Disse o homem. Pierre? Pierre! Aquele Pierre...
— Ah, o namorado da Angelique! — Eu ri. — Como você está?
— Você está bêbada, garota? — Ele perguntou. Eu mostrei a língua para ele. — Deixe-me entrar!
— Eu vou... Só porque você é bonitinho.
Eu abri a janela e o tal do Pierre entrou. Ele tentou me beijar, mas eu me afastei dele. Ele era jovem, não poderia ser muito mais velho que eu. Ele tinha um lindo cabelo castanho levemente ondulado e olhos bem azuis. Oh la la.
— Angelique, mon amour, você está bem? — Ele perguntou, preocupado. — Por que você estava bebendo?
— Porque eu não sou nenhuma Angelique-ton-amour, garoto. — Eu respondi. — Aquela Angelique é uma vadia ingrata do caralho!
— Certo, por favor se acalme...
— Não peça para eu me acalmar! — Eu chorei. — Eu destruí a minha vida por uma estranha! Eu perdi tudo, absolutamente tudo, porque eu estava curiosa... Porque eu queria uma aventura e eu não me importei com as consequências! E agora eu estou presa!
— Eu sei sobre o que é isso... — Disse Pierre.
— Você sabe? — Eu perguntei, olhando para ele esperançosa.
— É sobre aquela noite... Pouco mais de um mês atrás.
— Sim... — Eu assenti.
— A noite que eu te fiz mulher.
Eu estava tão bêbada que por um momento, breve que fosse, eu tive esperança de que aquele sujeito com cara de abestado soubesse o que eu e Angelique fizemos e pudesse fazer algo para ajudar. Deus, eu sou uma idiota. Eu continuei ali de pé de frente para ele, encarando-o com os olhos semicerrados, procurando alguma coisa para dizer, mas as únicas palavras que saíram da minha boca foram:
— Ela não tava tipo... Morrendo de tuberculose?
— Ela? — Ele perguntou olhando para mim muito confuso. — Bem, sim... Você estava muito doente. Eu achei que fosse te perder e você disse que não queria partir sem...
— Pegar num pau?
— ... Provar os prazeres do amor.
— Bem... — Eu ri. — Isso soa como o pior poema romântico já escrito.
— Você nem se quer me mandou uma mensagem, um bilhete, para me avisar que estava bem. Passei dias em agonia pensando que algum dia eu poderia bater em sua janela e você não abrir.
— Argh, me poupe! — Eu murmurei, revirando os olhos. — Sua amada Angelique está no meu apartamento fodendo o meu namorado enquanto você fica aí pensando na buceta de peste negra dela.
— O que aconteceu com você, Angelique!? — Ele perguntou, irritado. — Você está completamente louca!
— Sim, eu estou! Eu estou completamente doida, eu concordei em me casar com um cara que eu nem conheço porque eu estava me sentindo triste! — Eu ri.
— Casar? O que você quer dizer? Casar com quem?
— Monsieur Louis Bascher, aquele sugar daddy gostoso de Lyon. Angelique realmente deveria se casar com ele, mas ela decidiu que gosta de piroca do século vinte e um e não se importou, nem por um segundo, com a pessoa que salvou ela de uma morte agonizante! — Eu chorei.
— Você está fora de si...
— Mas você é o amado Pierre dela... — Eu disse. Ah, Joséphine, não faça isso... — De acordo com o diário dela, talvez você seja a única coisa na qual ela gosta no século dezoito. Bem, não o suficiente para voltar para você, mas...
Eu tentei beijar Pierre. Ele se afastou, mas eu insisti e puxei ele pelo colarinho - ele cedeu. Bem, ele era um bom beijador e logo eu estava presa nos braços dele. As mãos dele estavam percorrendo o meu corpo freneticamente e ele me pressionou contra a parede dura e pressionou outra coisa dura contra mim - muito bem, Angelique! Ele me pegou no colo e me levou até a cama, abrindo suas calças imediatamente - quanta pressa, não vai nem me chupar primeiro? (nota: sexo oral já havia sido inventado? Que seja, eu estou bêbada). Eu empurrei ele para o lado e fiquei em cima dele. Deus, eu precisava disso! Eu comecei a cavalga-lo como se a minha vida dependesse disso. Ele parecia um pouco sobrecarregado; "Não se atreva a gozar agora!" eu disse, dando um tapa na cara dele. Ele apenas assentiu, fechando os olhos e fazendo uma careta de concentração. Eu continuei, fodendo ele no pêlo com a agilidade de estrela pornô que só a eu-bêbada possui. Eu estava prestes a ter o que poderia ter sido o melhor orgasmo da minha vida quando a porta foi subitamente aberta.
— Angelique!? — Madame Basset exclamou, absolutamente chocada. Eu fiquei desconfortavelmente sóbria de repente.
Eu me lembro claramente quando eu tinha dezesseis anos e minha mãe me flagrou com o meu primeiro namorado sério, Josh, quando eu estava morando nos Estados Unidos com ela. Foi um drama massivo. Primeiro porque Josh vendia drogas e era tipo dez anos mais velho que eu (eu estava passando por aquela fase). Segundo porque eu precisei consolar mamãe sobre toda essa coisa de eu estar crescendo e não ser mais uma criança. E depois de tudo isso eu ainda tive toda a conversas sobre DSTs e gravidez na adolescência. No final das contas, ficou tudo bem. Esse não foi o caso.
Eu me lembro da gritaria. Eu me lembro de Madame Basset chorando enquanto Monsieur Brunet gritava comigo e Martin expulsava Pierre da casa aos socos e pontapés. Eu me lembro da esposa de Martin falando de coisas religiosas enquanto eu recebia um tapa na cara, mas não me lembro exatamente quem me bateu. No final, a única imagem que estava clara como água na minha cabeça e que eu jamais esqueceria, era o olhar ressentido no rosto de Monsieur Bascher.
Eu fui expulsa da residência Brunet. Eu tive menos de uma hora para arrumar uma única mala e desaparecer. Eu estava tão anestesiada, tão chocada, que quando eu me vi sozinha na rua eu tive a mesma sensação de estar voltando de um clube, pensando na ressaca que eu teria no dia seguinte e nada mais. Lá estava eu, sozinha na rua, vulnerável a todos os tipos de perigos e pessoas mal intencionadas, sem ninguém que se importasse comigo o suficiente, verdadeiramente ou não, para me ajudar. Eu dormi na rua aquela noite, sem me importar se eu acordaria viva ou morta no dia seguinte. Por algum milagre, eu acordei viva e ilesa, tremendo-me sob os frios ares da noite, mas capaz de sentir o calor dos raios de sol pela manhã.
Eu ainda tinha o anel de diamante da falecida avó do meu ex, um lembrete constante da pessoa terrível que eu sou, mas ainda era melhor do que precisar vender o meu corpo em troca de um prato de comida. Eu também fui capaz de pegar um broche do quarto de Angelique enquanto estava fazendo as malas - não parecia muito valioso, mas graças às minhas aulas de moda Rococó eu sabia mais ou menos quanto um acessório daquele custaria - em média dois ou três escudos. Todo mundo parecia me conhecer naquela vizinhança e todos olhavam para mim com nojo e desprezo. Sem Uber, sem metrô, sem scooters e nem mesmo alguém disposto a me dar uma carona em seu cavalo, eu precisei andar uma longa distância até me ver longe daquele lugar. Quando as pessoas pareciam não me reconhecer mais - ainda me olhando de maneira estranha, talvez imaginando o que poderia ter acontecido para uma mocinha como eu estar andando desacompanhada na rua com uma mala e olheiras profundas -, eu perguntei onde eu poderia encontrar um albergue ou estalagem. O broche de Angelique me comprou uma estadia de duas semanas em um lugar mais ou menos decente.
Eu posso pular as longas descrições das minhas crises de choro e episódios depressivos que eu passei sozinha naquele quarto de estalagem, de luto pela minha vida antiga enquanto temia pela atual. Eu estava uma bagunça, não tomava banho há três dias e a minha cabeça não parava de girar. A moça da cozinha do albergue onde eu estava concordou em me dar alguns pães que sobravam no fim da noite, a minha única refeição do dia. Havia um pequeno espelho no quarto, sujo e oxidado, na qual eu encarava por horas e por vezes sonhei que uma luz brilhante começava a sair dele e eu era transportada de volta para o meu bom e velho apartamento no Marais. Não aconteceu, mas eu ainda assim fui agraciada com um pequeno milagre.
Eu estava no albergue há quase uma semana quando eu recebi uma visita. Ninguém menos que o Monsieur Bascher bateu na minha porta e eu não poderia estar mais feia.
— Mademoiselle Angelique, olá. — Disse Bascher, bem sério.
— Monsieur Bascher, o que você está fazendo aqui? — Eu perguntei. Merda, eu esqueci de dizer oi.
— Eu estou voltando para Lyon, eu acredito que não tenha restado nada para mim em Paris.
— Eu sinto tanto... — Eu chorei. — Eu realmente não queria...
— Me poupe, Angelique. — Ele disse, calmo, mas seu tom estava carregado de mágoa. — Eu irei sobreviver a dor e o embaraço que você me causou. Talvez tenha sido culpa minha não ter notado a perversão nos seus olhos. Eu a confundi com uma simples aflição.
— Eu não... Eu não sou perversa, monsieur. — Eu disse. As palavras dele doeram fundo no meu coração. — Mas você está certo, eu estou de fato aflita.
— Tome isso. — Disse ele, entregando-me um pequeno cartão com um endereço escrito.
— O que é isso?
— Um amigo meu me deve um favor e precisa de uma assistente. Ele possui uma loja de aviamentos neste endereço.
— Você... Você está me ajudando? — Eu perguntei, incrédula.
— Incerto se eu deveria, mas sim, eu estou.
— Obrigada. — Eu disse, quase chorando.
— Não arruíne sua vida mais uma vez, Angelique, ou seja lá como você gosta de ser chamada. Adeus.
Com essas palavras, Monsieur Bascher despediu-se de mim e me deixou de coração partido, mas com uma chance de viver outro dia para contar essa história.
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