Capítulo Único.
Asia pegou sua bike, e começou a pedalar pelas ruas da pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul que morava. Era de manhã, provavelmente umas 7 horas, e o clima estava agradável demais para não ser admirado por ela. Havia um céu azul sobre a a sua cabeça, e uma brisa um pouco gélida como a maioria das manhãs eram no sul do Brasil. Essa brisa vinha de encontro com seu rosto, enquanto ela pedalava tranquilamente. Soltou levemente as mãos do guidão de sua bike, e prosseguiu equilibrando-se em cima da sua bicicleta, — que por sinal era muito boa fazendo aquilo.
As poucas pessoas que caminhavam a seu encontro, ou que estavam fora de suas casas, utilizavam máscaras, como era o recomendado a ser feito no mundo todo. Todos se lembravam como 2020 havia sido um ano turbulento, e que muitos corações ainda se recuperavam de grandes perdas.
Respirou ela acenando para quem a cumprimentava, o que por sinal ela fazia muito bem. Dizer: "Olá", ou "Bom-dia" a quem visse em seu caminho. Ainda que distante, seu sorriso e o das outras pessoas irradiavam por trás de suas máscaras, e mesmo que ninguém pudesse a vê-la sorrir, ela ainda assim sorria.
— Bom dia, Asia! — Alguém lhe disse.
Ela olhou atentamente, e levantou uma de suas mãos como sinal de que havia recebido o bom dia. Seguiu pedalando, e pedalando mais e mais. Esse era o seu hobby, só assim ela se sentia livre e era como se pudesse voar tranquilamente pelas nuvens ao fazer aquilo.
A garota continuou pedalando pelas ruas do bairro onde morava, até seu destino final, que por sinal era um pequeno parque que não ficava muito distante dali, e depois que desse a volta nele voltaria satisfeita para casa, assim era como fazia quase todos os dias. Porque desde muito jovem Asia tinha uma paixão enorme por pedalar de manhã, aprendeu isso com seu pai. Sem sombra de dúvidas, era sua maneira de se sentir bem consiga mesma.
Demorou talvez uns 10 minutos até chegar ao parque, — que por sinal era repleto de árvores, na mudança da estação —, o que o deixava mais agradável e perfeito. Havia uma pequena igreja no centro, e poucas pessoas vagueavam por ali naquela manhã. Ela olhou atentamente para ver se alguém estava por perto e retirou cuidadosamente sua máscara respirando o máximo que pode.
— Finalmente cheguei — disse a colocando novamente.
Asia pedalou por todo o parque lentamente apreciando a vista, enquanto em seus fones de ouvido, ela ouvia uma das suas músicas favoritas, "I Make Spark". Havia um local naquele parque onde ela sempre parava sua bike e observava a natureza a sua volta. Sentia o vento cortando por entre seus cabelos que estavam soltos, e seus pulmões sendo preenchidos por um ar puro e refrescante.
— Com licença! — Uma voz masculina disse, enquanto ela esfregava suas mãos após passar o álcool e gel.
— Não sei se você percebeu, mas existem outros lugares para se passar — ela disse, virando-se ao dono da voz e retirando seus fones.
— Mas, eu quero passar por aqui — ele insistiu.
— Está bem então — ela puxou sua bike cuidadosamente, e saiu do meio do caminho.
O garoto então pedalou, até se afastar talvez uns 3 metros, e virou-se para ela novamente.
— Ei, garota! Posso saber seu nome? — O garoto de cabelos castanhos escuros e de blusa azul perguntou abaixando sua máscara até o queixo.
— E por que você iria querer saber meu nome? — Perguntou desconfiada.
— Apenas quero saber — ele disse ainda a encarando fixamente.
— Meu nome é diferente, talvez você não entenda — Asia disse, hesitando.
— Posso te garantir que não irei rir — ele estendeu seus braços sobre o guidão da sua bike. E permaneceu esperando que ela o dissesse algo.
— Asia — ela calou-se rapidamente. — Sabia que você iria rir.
Ele abriu um enorme sorriso.
— Asia? Como o continente? — Ele perguntou colocando novamente sua máscara.
— Eu sabia que não seria uma boa ideia — ela segurou com as duas mãos o guidão aprontou-se para voltar a pedalar.
— Ei, espera! — O garoto olhou percebendo que ela partiria. — Você não quer saber o meu?
— E que diferença isso faz? — Asia, se esquivou com outra pergunta.
— Eu sei o seu, só pensei que seria educado dizer o meu — ele insistiu.
— E qual é então? — Ela perguntou em prontidão para deixá-lo falando sozinho caso estivesse a zoando.
— Américo.
— Você riu do meu, sendo que o seu é basicamente igual ou pior — ela pontuou.
— Eu não ri do seu, só achei criativo o suficiente para me deixar eufórico quanto a curiosidade para saber o porquê você ganhou esse nome — ele se calou. E permaneceu a olhando.
— Sei — Asia revirou os olhos. — Tenho que ir agora.
— Mas já? — Américo perguntou. — Não vai me contar como conseguiu esse nome?
— Talvez outro dia — disse ela, imaginando que nunca mais o veria.
— Amanhã então? — Insistiu ele.
— Amanhã — Asia sorriu esquecendo que estava usando uma máscara. — se quiser saber a história, venha aqui amanhã nesse mesmo horário.
— Está bem — Américo virou-se e voltou a pedalar seguindo seu caminho, que por sinal era o oposto do de Asia.
— O que aconteceu aqui? — Pensou ela, voltando para sua casa, pois havia um dia longo pela frente.
***
Asia encostou sua bike, e desceu sentando-se no banco de cimento que havia ali. Esperou por talvez uns 10 minutos, mas estava inquieta o suficiente pensando que o garoto que havia conhecido no outro dia não viesse. Olhou ao seu redor, observando o silêncio natural e a presença do vento que levava algumas folhas sobre o chão.
— Acredito que ele não vá vir — pensou, levanta-se e indo em direção da sua bike que estava a sua frente.
— Onde pensa que vai? — Alguém a questionou.
Ela virou-se e percebeu que lá estava Américo 15 minutos atrasados.
— Me desculpe pela demora — ele se desculpou descendo de sua bike. — Houve alguns pequenos imprevistos, por isso me atrasei.
— Eu já estava indo embora — ela disse.
— Ainda pensa em ir? — Ele perguntou sentando-se no outro banco que ficava a uns 3 metros dela.
— Prometi contá-lo sobre o meu nome, então irei fazer isso — Asia sentou-se novamente.
Américo abriu um pequeno saco de salgadinhos e começou a comer enquanto a ouvia. A história parecia ser longa, mas ela sabia resumi-lá perfeitamente já que havia contado a outras pessoas antes.
— Minha mãe disse que escolheu esse nome quando eu tinha apenas 6 meses e ainda estava na barriga dela, ela dizia que me sentia mexer quando me chamava assim — ela começou. — Ela sempre teve uma fé enorme, mesmo quando as coisas pareciam contrárias ou ruins. Confesso que isso é o que eu mais admiro nela — Américo a escutava atentamente. — Mas o fato engraçado é que quando eu nasci, os médicos disseram que eu não estava bem, que eu não ficaria bem, e que provavelmente não sobreviveria a uma noite. Mas minha mãe era uma mulher forte, e permaneceu ao meu lado até quando eu comecei a me sentir melhor, o que não foi da noite pro dia. Ela escolheu esse nome justamente para se lembrar que eu havia sido um presente desde o começo. Talvez isso não seja algo muito relevante, ou grande, mas para mim é, se não fosse a coragem da minha mãe e a fé dela eu não estaria aqui. Ela me dizia: "As vezes não sabemos no que acreditar, ou no porquê acreditar. Mas é as vezes também que precisamos acreditar até que tudo volte a ficar bem".
— Uau! — Américo sorriu, enquanto comia. — Que história incrível.
— Um pouco, me lembro que ela me chamava de pequena Asia — ela disse.
— E o que aconteceu com ela? — Ele a questionou. — Percebi que quando você se referiu a sua mãe, sua voz mudou um pouco.
— Ela tem passado por algumas coisas ruins, e precisou ser internada — Asia abaixou a cabeça. — Mas logo tudo irá ficar bem.
— Vai sim, eu tenho certeza disso — Américo sorriu, e estendeu o saco de salgadinhos para Asia. — Como você mesma disse, sua mãe é muito forte.
— E me diz, qual a história do seu? — Ela se esticou, e o segurou.
— É um pouco hilária na verdade — ele segurou o salgadinho novamente.
— Então conte-me — Asia disse comendo uma das batatas.
— Por onde eu começo? — Américo pensou. — Todos acreditavam que eu fosse ser uma garota, minha mãe, meu pai, meus irmãos. Ninguém esperava que na verdade fosse nascer um garoto.
— Imagino a surpresa ao descobrirem que não era — a garota sorriu.
— Foi hilário porque só descobriram que eu não era uma garota assim quando nasci. Minha mãe queria me chamar de América, mas soava feminino demais para um recém nascido que haviam acabado de descobrir que não era uma menina, mas um menino. Então para continuar sua vontade de homenagear nosso belíssimo continente, ela decidiu me chamar de Américo. E assim surgiu meu nome — o garoto esclareceu, esperando que Asia morresse de rir.
— Sua história também é interessante, e bem hilária — ela confirmou. — Por que nossos pais só escolhem nomes péssimos para seus filhos?
— Sinceramente eu não faço ideia — ambos sorriram. — Mas não podemos negar que são nomes bem criativos — ele tripudiou.
— É! — Ambos se encararam. — Quais são as suas coisas preferidas no mundo? — Perguntou ela quebrando o pequeno silêncio que havia surgido.
— Confesso que tenho muitas, mas eu consigo resumi-las — Américo estendeu os dedos e contou. — Açaí, pizza, outono e matemática.
— Matemática? — Ela o olhou surpresa. — Como alguém pode gostar de matemática?
— Eu gosto de como os números me mostram que podem ser infinitos, mesmo quando não passam de 1 — ele disse sorrindo. — E você, quais são as suas?
— Diria que tenho muitas também — ela esclareceu. — Mas também posso resumi-las. Pizza sempre foi uma das melhores coisas para mim, sempre foi algo bem presente na minha vida também — Asia respondeu. — Mas como posso escolher apenas 4, eu diria que amo pedalar, amo a mudança das estações, amo música e a natureza.
— Você é admirável! — o garoto disse a olhando nos olhos. — E qual era a sua matéria favorita na época da escola?
— Português — Asia respondeu rapidamente, calando-se em seguida.
— Somos opostos — Américo pontuou. — E sabem o que dizem sobre eles?
— Que eles se atraem — ela revirou os olhos. — Lei de Coulomb.
— Parece que alguém aqui é expert em física — ele arqueou uma das sobrancelhas.
— "A força entre dois corpos só será atrativa se os mesmos tiverem cargas opostas, e será repulsiva se eles possuírem cargas equivalentes” — ela explicou, deixando Américo impressionado. — Apenas sei disso por causa das muitas séries que assisto.
— Uau! — Ele admirou. — Estou impressionado.
— Existem muitas coisas que você não sabe sobre mim — ela tripudiou.
— Eu percebi.
Asia novamente abriu seu álcool e gel, e o esfregou na palma de suas mãos.
— Não é bom ficar assim tão exposto, você não se esqueceu que estamos no meio de uma pandemia né? — Ela franziu o cenho.
— Não, é claro que não! — Ele concordou. — Até tenho álcool e gel e máscaras reservas comigo — ele levantou um pequeno recipiente com álcool e gel que tinha no bolso, e algumas máscaras descartáveis dentro de um pequeno saco transparente. — Sempre ando preparado.
— Eu também — Asia fez o mesmo, e lhe mostrou sua pequena bolsinha reserva na cesta da sua bike. — Evito sair ao máximo, mas quando preciso, sempre estou previnida.
— Isso é muito bom! Além do mais estamos distantes o suficiente.
Os dois ficaram por mais 40 minutos conversando sobre suas respectivas faculdades, e como estavam lidando com as aulas que agora eram ead. O celular de Asia começou a tocar, e ela rapidamente o atendeu percebendo que quem ligava era seu pai.
— Pai? — Ela perguntou segurando o celular. — Aconteceu algo?
Alguns segundos conversando com seu pai no celular, Asia o escutou silenciosamente e o ouviu calmamente, entendendo o que quer que fosse que ele estivesse a dizendo naquele momento. Lentamente seu coração se acelerou, e seu peito aqueceu como se algo incrível tivesse acontecido.
— Tudo bem, eu já estou indo — respondeu ela desligando o celular e o guardando no bolso da frente do seu moletom de cor amarelo queimado. — Eu preciso ir Américo — disse ela sorridente. — Meu pai acabou de me dizer que a minha mãe finalmente voltou a falar e que o quadro dela está muito melhor, ele disse que logo logo ela recebera alta — esclareceu Asia ao garoto que permaneceu em silêncio. — Está tudo bem?
— Está, acredito que você esteja muito feliz por saber disso — ele respondeu eufórico. — Parece que pensar positivamente ajuda muito — ele acrescentou.
— Obrigada pela conversa de hoje, eu realmente gostei, consegui distrair a minha mente — ela respondeu. — Mas agora eu realmente preciso ir — ela respondeu subindo em sua bike.
— Algum dia te verei novamente? — Américo perguntou, enquanto Asia com um impulso equilibrava-se.
— Quem sabe, tudo pode ser possível — Asia respondeu virando-se rapidamente para trás. — Até mais. E obrigada.
— Até! — Ele disse levantando-se e percebendo que estava sentado embaixo de uma árvore, com algumas folhas no tom amarelo queimado e verde jogadas sobre o chão.
O garoto abaixou a cabeça, e sorriu perfeitamente encarando o chão por alguns segundos, logo olhou para frente novamente e apenas conseguiu ver o vulto de Asia em sua bike, que agora estava desaparecendo com a distância, não demorou para que ele também seguisse seu caminho, indo na direção oposta a dela.
No outro dia, ela retornou novamente ao parque esperando que ele estivesse lá, e que dessa vez ela o pudesse contar sobre a boa recuperação da sua mãe, ou terminar a conversa do outro dia. Mas no lugar onde sempre se encontravam, havia sobre o banco um pequeno pedaço de papel embaixo de uma pedra.
Asia segurou o que quer que fosse aquilo hisitante. Ela não sabia o que poderia estar escrito ali, mas mesmo assim o abriu cautelosamente, o lendo respectivamente.
"Peço desculpas por não me despedir pessoalmente, mas o que eu tinha que fazer eu já fiz, estou feliz que a sua mãe esteja bem melhor, e que você esteja alegre com isso, espero que você seja muito feliz, eu gostei muito de te conhecer, e obrigado pela conversa do outro dia. Não direi adeus, mas um até logo - Ass: Américo".
A garota leu o bilhete, e permaneceu estagnada no mesmo lugar, tentando entender o que havia acontecido. Mas era simples, parecia que a vida dela estava voltado ao normal e que seu novo amigo Américo não iria mais encontrá-la naquele parque.
Fim...
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