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~A Menina e seu Dragão~

Por eras, os dragões foram as feras mais temidas por toda e qualquer criatura viva dessas terras. Os únicos que ousavam enfrentá-los eram os seres humanos. Com o passar das décadas, eles combateram e subjugaram as ferozes bestas, levando-as a quase extinção.

Haviam muitos poucos agora, a maioria procuraram lugares inóspitos para se refugiarem de seus caçadores. Porém, a raça mais pura de dragão é orgulhosa e egoísta, tomam para si tudo que acham de seu direito. Assim era Kandsmar, o grande e velho dragão vermelho que habitava uma caverna nas montanhas. Ao longo de sua vida, a fera acumulou um enorme tesouro e, junto a essa riqueza, a ira e cobiça dos humanos.

Um pouco mais além do sopé da montanha, o centenário dragão viu o povoado de Nuberga crescer, tornando-se, pedra por pedra, um dos mais influentes reinos de todo o continente. Enquanto seu suntuoso castelo ostentava a bonança de seu reinado, as suas enormes muralhas intimidava seus inimigos, impondo todo o poder militar do Reino de Nuberga. Quase como se estivessem desafiando a serem atacados.

De tempos em tempos, o rei orquestrava ataques a caverna de Kandsmar, a fim de matar a besta e reivindicar seu tesouro. O exército nubergo vinham em números cada vez maiores, com escudos que os protegiam das labaredas do dragão, flechas e catapultas para alvejá-lo no ar e muitas outras armas para feri-lo quando aterrissasse.

O dragão já havia se habituado às batalhas e aos ferimentos, mas o último ataque havia o deixado muito ferido e exausto. Por muito pouco ele não foi derrotado, porém a fera se negava a se deixar abater por reles humanos. Com cortes ainda sangrando arrastou-se cansado, para sua duna de ouro e joias onde adormeceu profundamente.

Ao despertar - somente no dia seguinte - a criatura ouviu uma canção. A música ecoava por toda a caverna. Num instante o dragão levantou a cabeça, em prontidão para cuspir fogo e defender-se, mas uma voz ordenou que ficasse quieto. Perplexo, o dragão olhou para a minúscula criatura que estava ao seu lado. Aquilo tivera audácia de dar-lhe uma ordem?! Esse filhote de humano é corajoso ou tolo demais para chegar tão perto! No fim, corajoso ou tolo, não fazia tanta diferença, as duas coisas levavam a morte.

A criança humana era pequena e franzina, ele poderia facilmente engoli-la inteira, mas a menina não parecia saber disso. Estava tão relaxada ao lado da fera quanto estaria ao lado de um animal doméstico. O dragão rosnou para afugentá-la, ele já havia devorado soldados demais e ainda estava indigesto. A criança, de tão pequena, não serviria nem para sobremesa. Contudo, o rosnado não teve o efeito esperado, olhando feio para Kandsmar a pequena ralhou:

-Fique parado! Ou não vou sarar seus machucados.

Foi só então, olhando mais atentamente, que a besta notou que a humana passava uma pasta verde em seus ferimentos, a mistura de fato aliviava sua dor. A menina era inofensiva e o dragão decidiu ignorar sua presença, ele deitou novamente a cabeça e voltou a cochilar, enquanto a menina continuava a cantarolar sua canção.

Aparícia, a criança humana, trabalhou por mais algumas horas, devido todo o tamanho e quantidades de ferimentos da besta. O dragão era gigantesco se comparado a menina, tendo que escalar o animal para conseguir passar o remédio em todas as partes que ainda sangravam. Em nenhum momento sequer, a ingênua criança pensou no quão perigosa era a fera da qual tratava. Aparícia estava com pena de Kandsmar, só pensava no quanto devia estar doendo todos aqueles machucados. E em como seria desconfortável dormir em cima desses objetos que formavam seu tesouro.

Quando por fim terminou, o grande dragão dormia profundamente, não acordaria tão logo. A menina desceu a montanha colhendo plantas e ervas medicinais, pois esse era o motivo original de ter subido e, por acaso, encontrado a caverna de Kandsmar. A criança morava numa pequena casa de pedra e com telhado de palha, fora dos muros de Nuberga. O pai trabalhava numa pequena plantação - juntamente com os irmãos mais velhos da menina - de onde tirava a maior parte do sustento da família. A mãe era o que chamavam de curandeira, fazia remédios naturais para quase toda enfermidade. Aparícia ajudava e aprendia com a mãe.

No dia anterior, a curandeira foi chamada para ajudar a cuidar de cerca de setenta soldados que havia retornado feridos da batalha, o exército era composto por mais de 300 soldados e apenas cem voltaram vivos, porém nenhum ileso. Os homens tinham queimaduras por várias partes do corpo como se tivessem entrado numa fogueira. Os feridos eram tantos que a curandeira teve que trabalhar durante toda a noite para amenizar a dor dos pacientes.

~❇❇~

Ao levantar-se Kandsmar se sentia renovado, nada como um bom sono para descansar seus velhos ossos. Caminhou para a entrada da caverna e de lá levantou vôo. Um pouco antes do sol nascer era o melhor horário para voar, pois o sereno da noite ainda umedece o ar, tornando-o ainda mais revigorante. Subindo para além das nuvens o dragão foi em direção ao litoral, era época de procriação e as baleia ficam próximas da praia com seus filhotes, essa era a melhor oportunidade para pescar, uma única baleia já era suficiente para saciar sua fome por todo o dia.

De barriga cheia Kandsmar retorna lentamente ao seu covil. Ao aproximar-se do seu destino, avista a criança humana do dia anterior, a menina subia a montanha mais rápido do que o dragão achava possível. A fera não deixou de se perguntar o que ela estaria fazendo ali. Pousando bem na entrada da caverna esperou pela garota, seu plano era assustá-la de tal forma que ela fugisse aos gritos e nunca mais retornasse. Caso isso não funcionasse e ela insistisse em atormentá-lo, simplesmente a devoraria. Um mal arrancado pela raiz.

O dragão já podia ouvir o canto da menina então preparou, com um leve sorriso malicioso, seu rugido mais assustador. Porém a humana tardou a aparecer, impaciente Kandsmar deu um passo à frente espiando o desfiladeiro abaixo, contudo, foi ele que se assustou, deu de cara com a menina que acabava de chegar. Ele fungou soltando fumaça pelas narinas tentando disfarçar o ocorrido.

-Vejo que já está muito melhor, isso é muito bom! Algum machucado ainda dói? Eu posso passar mais remédio.

Aparícia continuou falando enquanto vasculhava a bolsa de couro que carregava, de dentro tirou um um pote de barro de tamanho considerável. Erguendo acima da cabeça mostrou-o ao animal.

-Eu fiz bastante hoje de manhã, porque você é muito grande e sua feridas são muitas também. Ontem tive que economizar na quantidade e só pude passar nas que estavam piores, eu não tinha medicamento suficiente, mas agora eu tenho certeza que tenho de sobra. Vou começar agora mesmo o tratamento! - Tagarela ela com toda sua inocência infantil.

Kandsmar se moveu ficando de frente para a menina, ele não permitiria que ela o tocasse novamente. Inalou fundo e rugiu estrondosamente, mas Aparícia apenas fez cara séria e lhe deu um sermão:

-Olha só o seu tamanho! E está com medo de uma miúda como eu! Não se preocupe, eu prometo que não vai arder, eu vou tomar bastante cuidado também.

Empertigado o dragão resolveu responder, ele colocaria tal criatura em seu lugar.

-Acha mesmo que eu teria medo de algo tão superficial?!

Diante se sua poderosa voz a menina arregalou os olhos. Ele tinha mais a falar, porém a menina não deu essa chance.

-Ooh! Como você sabe falar?!

-Eu tenho meio milênio de vida, uma linguagem tão banal como a humana é ridiculamente fácil de se aprender. - Respondeu a fera desviando-se do assunto inicial.

-Quanto é meio milênio? - Perguntou Aparícia. O animal bufou perante a ignorância da criança.

-500 anos. Tenho 515 para ser exato. - Explicou o dragão, Aparícia esbugalhou os olhos, novamente surpresa.

-Eu ainda só tenho 9! Como você pode viver tanto tempo?!

-Eu sou um dragão! Não me compare com sua espécie desprezível! Dragões são imortais, não envelhecemos como as outra criaturas, nossas vidas só chegam ao fim quando somos derrotados em combates fatais! - O orgulho da fera era evidente ao falar das sua nobre linhagem dracônica. - Lutar até o último suspiro é a única opção perante os inimigos. Vencer ou morrer tentando!

-Que bobagem! O que se ganha morrendo assim?! Para mim isso é desperdício, tanto tempo de vida para gastar pensando em brigas. - O dragão rosnou ultrajado, ele iria devora a menina a qualquer instante. - Eu não quero falar disso! É muito chato! - Ela muda o assunto. - Você tem nome não tem? Eu me chamo Aparícia, e você?

-É Kandsmar.

-Que nome difícil! Vou te chamar de Kandy.

-Não se atreva! Se me chamar assim vou devorá-la inteira!

-Está bem, está bem, sem apelidos - Aparícia ria da reação do seu companheiro.

Com cada vez mais perguntas, a conversa continuou enquanto Aparícia tratava das feridas do animal. Kandsmar mantinha o tom de superioridade na voz. Com cada novo desaforo, ele se perguntava por que não havia a engolido ainda. Por outro lado, a criança parecia divertir-se com a falsa irritação da fera, deleitava-se com as reações exageradas do dragão.

Já se ia a manhã toda quando por fim Aparícia se despediu e se pôs a descer a montanha cantarolando sua típica canção. Kandsmar, ao retornar para dentro, sentiu por um momento a caverna vazia e silenciosa, mas logo se livrou desse sentimento e se preparou para mais um cochilo.

Em casa, Aparícia ajudava a mãe a preparar uma mistura a base de babosa, para que ela levasse para tratar as queimadura dos soldados feridos do reino.

-Mãe, como que os soldados se queimaram desse jeito? - Perguntou a menina.

-Foram mexer com o que não deviam. - Respondeu a mãe.

-Com o quê? - Insistiu curiosa.

-Com o dragão da montanha. Há mais de um século que ele não nos perturba aqui, mas o rei quer o tesouro que o dragão guarda e está sempre mandando homens para morrerem em vão.

-Mas o rei já tem muito ouro, para quê ele quer o do dragão também?

-Vai lá saber...

Aparícia queria dizer que encontrou com o dragão e que ele era engraçado e que era bom, mas se lembrou dos soldados acamados e também das próprias feridas do dragão, ela não sabia bem o que pensar sobre o assunto. Decidiu que no dia seguinte confrontaria o dragão e tiraria essa história a limpo.

Pela manhã, Aparícia acompanhou a mãe pela enfermaria do quartel, onde ajudou a tratar dos feridos. Em meio aos soldados ouviu coisas desagradáveis e atrozes sobre o dragão. Ao sair daquele ambiente se sentia ainda mais confusa sobre o que pensar de Kandsmar.

Logo que chegou em casa, Aparícia arrumou a desculpa de que iria colher esfagno - tipo de musgo usado para conter sangramentos - nas montanhas. Sem demora chegou ao covil do dragão. Mas se deparou com a fera dormindo sobre jóias, objetos de metais nobres e moedas de ouro e prata. Com certeza muito desconfortável.

-O quê faz aqui? - Perguntou Kandsmar com apenas um olho aberto. - Vá embora!

-Só depois que você me dizer por que foi tão cruel com os homens do rei. Eu estive com eles de manhã e estão muito machucados. - Aparícia falou com voz firme demonstrando toda a seriedade da questão.

-O que está dizendo?! - Kamdsmar levantou a cabeça e bocejou. - Aqueles homens tiveram o que mereceram.

-Ninguém merece a morte! - Disse a criança. Kandsmar riu alto e sarcástico, seu riso reverberou por toda a caverna, deixando o som mais assustador que qualquer rugido feroz. A menina se encolheu.

-Eles vinheram roubar o meu tesouro! Vinheram armados e dispostos a me matar. Quem vem preparado para matar também tem que vir preparado para morrer. - Aparícia faz uma careta em resposta ao pensamento da besta. - O que você esperava?! Que eu os recebesse com torta?! Francamente humana, essa sua ingenuidade ainda vai matá-la!

A menina não disse nada, o silêncio permaneceu no ar por tempo que pareceu enorme à menina e insignificante ao dragão.

-Por que você protege tanto esse tesouro? Você nem tem como gasta ele. -Perguntou a menina por fim.

-Porque é meu! E se é meu não tenho que entregá-lo para ninguém. - Isso era óbvio para o dragão.

-E como você conseguiu tudo isso?

-Conquistei de reinos que não existem mais. - Kandsmar respondeu pomposo.

-Conquistou?

-Sim, conquistei. Incendiei tudo e peguei que me agradou. - Não havia nem uma grama de culpa ou arrependimento em suas palavras.

-Então você roubou! - Constatou Aparícia.

-Não. Eu dei a chance para que eles lutassem. Foi justo.

-O que tem de justo nisso?! - Indagou a garota.

-Não venha querer me julgar, sua espécie não é muito diferente. - A menina o olhou um tanto confusa. - Não seja tão ingênua. Por que você acha que existem guerras por toda parte? - O entendimento recaiu sobre a menina, Kandsmar notou e sorriu. -Viu só, eu tenho razão. Sua espécie pode ser tão desprezível quanto a minha. - Tinha humor em sua voz.

Aparícia refletiu sobre a conversa, Kandsmar tinha razão, mas ainda assim, ela não compreendia o sentido de tudo.

-Eu vou olhar seu cortes agora - Ela disse de repente.

Havia se cansado de pensar em coisas tão complicada, Aparícia preferia manter sua ingenuidade a entender a ganância dos outros. Kandsmar apenas suspirou e revirou os olhos, ele também não entendia a criança humana.

Aparícia subia a montanha todos os dias para cuidar dos ferimentos do dragão, mesmo depois de estarem totalmente cicatrizados, ela ainda ia visitar a fera. Kandsmar não se importava mais e parou de dizer que iria devorá-la. Toda vez a menina surgia com um assunto inusitado para debater com o dragão. Em uma dessas ocasiões Aparícia bateu o pé dizendo para que ele voasse com ela, mas o dragão, orgulhoso como era, se recusou veementemente, não houve jeito de a menina convencê-lo a tal, acabou que ela desistiu.

~❇❇❇~

Aparícia acabava de chegar das entregas de medicamentos que sua mãe a mandou fazer. Cansada da longa caminhada, sentou-se à mesa onde os seus três irmãos conversavam. Aparícia muito dificilmente participava das conversas com os irmãos e raramente eles a incluíam também, dessa vez não era diferente a menina não prestava muita atenção no que eles falavam.

-Amanhã irei para o meu primeiro confronto. Finalmente fui reconhecido e não terei mais que cuidar de cavalos! - Anunciou o irmão mais velho.

O jovem rapaz havia se alistado para servir ao reino como soldado, essa era sua primeira chance de mostrar serviço. Acreditava que se fosse forte e corajoso poderia um dia alcançar a patente de general.

-Contra quem? - Perguntou outro irmão, o mais novo com apenas um ano a mais que Aparícia. - Nem estamos em guerra.

-Vamos atacar o dragão que vive na montanha. - Ao ouvir isso a garota ficou mais atenta a conversa. - Ouvi dizer que ele guarda um enorme tesouro, muito valioso, claro que vamos entregá-lo ao rei, mas todos os soldados receberam uma enorme quantia em moedas de ouro.

-Isso se voltarem com vida. - Disse o irmão do meio. - Você sabe muito bem quantas vezes já tentaram matar aquele maldito dragão. E nunca conseguiram. O que vai mudar dessa vez? Você vai acabar sendo comido por ele, isso sim.

-Mas dessa vez teremos um exército muito maior, o rei pediu ajuda aos reinos aliados e teremos um batalhão com mais de mil homens!

-Ah! Eu vi os homens do reino do leste passando pelo nosso portão, os cavalos puxavam umas coisas grande e parecia muito pesado. - Disse o irmão mais novo.

-Sim, aquilo são canhões. -Explicou o mais velho. - São armas novas muito perigosas, dispara bolas de ferro com muita força, mata qualquer coisa que estiver na frente. Essa será nossa arma secreta. Com ela vamos finalmente matar o dragão.

-Ah não! Eu tenho que avisá-lo. - Disse Aparícia levantando-se de repente de seu lugar.

-Avisar a quem? - Perguntou o mais velho estranhando o comportamento da irmã. - Aparícia! Onde vai?! Volte aqui! - Bradou o jovem, a menina havia irrompido para fora, deixando a porta aberta sem dar qualquer explicação aos irmãos que a observavam confusos.

Ela correu e subiu a montanha o mais rápido que suas penas cansadas permitiam. Kandsmar estava em perigo ela tinha que avisá-lo. Dizer para ele fugir, ir para qualquer lugar seguro. Aparícia não suportaria ver seu amigo dragão morto. Chegou ofegante na entrada da caverna chamando pelo animal.

-Kandsmar! Kandsmar, você tem que ir embora. Kandsmar!

A fera rugiu silenciando a criança.

-Pare de barulho e conte direito o que aconteceu. - Disse ele sem dar muito atenção a euforia da garota.

-O Rei, - ofegou, - ele vai mandar um exército para cá, querem matá-lo!

-Não seria a primeira vez. Qual é o motivo do alarde então?! - A besta continuava indiferente.

-O Rei pediu ajuda aos reinos aliados. Será um exército de mais de mil homens! O reino do leste trouxe umas coisas grandes e perigosas, meu irmão disse que se chamam canhões. E que pode matar qualquer coisa que estiver na frente. Eu não quero que você morra!

Aparícia contorcia a roupa na região da barriga angustiada, lágrimas silenciosas escorriam pelo seu rosto corado.

-Não me ofenda criança! - Kandsmar verberou mostrando os dentes feroz. - Eu não sou qualquer coisa! Eu sou um dragão! Não vivi por 5 séculos para temer meros humanos! Que venham milhares, acabarei com todos numa só chama!

-Mas os canhões...

-Canhões não podem me matar se não me atingirem. - Kandismar amansou a voz para acalmar o desespero da menina. -Volte para sua casa agora, e não venha amanhã.

-Eu não irei embora enquanto você não for! - Aparícia bateu o pé.

-Então morrerá junto com os soldados! Eu não irei fugir como um rato!

As lágrimas da menina secaram, ela estava furiosa com a teimosia de Kandsmar. Não conseguia, por mais que tentasse, entender o porquê desse orgulho tolo! Ele estava se encaminhando para a morte e parecia feliz com isso!

-Eu não entendo. Não entendo para que tantas brigas. Eles voltaram machucados, meu irmão voltará machucado, você voltará machucado. Então para que essa guerra? - Ela falava mais para si mesma que para o dragão, mas ela o olhava nos olhos, tentava transmitir com o olhar a súplica em seu coração. - Tudo por um tesouro idiota? Todo esse ouro vale mesmo tanto sangue?

Sem resposta.

-Pois fique com ele então.

A criança - que já não parecia tão criança - deu as costa para a velha besta, e foi embora, decidida e com passos firmes. Ela não olhou para trás.

Kandsmar se perguntou se ela voltaria depois da batalha. E se ela não voltasse? Seria melhor assim, ele não teria que ouvir suas perguntas incessantes nem ouvi-la cantarolar, não é mesmo? Havia um pequeno desconforto nesse pensamento, mas era chegada a batalha e ele tinha que ser impassível.

Durante o resto do dia e da noite, o grande dragão se preparou para a batalha e ao amanhecer postou-se na entrada do seu covil, humano nenhum entraria ali se não fosse por cima de seu cadáver. Seu tesouro não seria roubado tão facilmente.

Não demorou muito para que Kandsmar começasse a ouvir a marcha dos soldados de Nuberga, o som de suas passadas e o tilintar de suas armaduras entoava sua quantidade numérica, o dragão nunca enfrentou exército tão grande de uma só vez e a perspectiva o incitava. Ele esperou que chegassem mais perto para não correr o risco de deixar a caverna desprotegida.

Ao atingirem o ponto ideal de distância de seu tesouro, Kandsmar rugiu fazendo as aves voarem para longe. Levantando vôo deu-se início ao combate, do alto a fera pôde ver os tais canhões sendo puxados por cavalos, decidiu que poria fim nisso logo e se preparou para cuspir fogo neles, porém uma chuva de flechas o fez recuar. Os soldados não o deixariam destruir os canhões. Só restava, por tanto, aniquilar os homens primeiro. Num rasante certeiro abocanhou três de uma vez, mas as armaduras de aço impedia que seus dentes penetrassem fundo nos corpos dos soldados, um deles tentou golpear o dragão com sua espada, falhando miseravelmente. Do céu a fera soltou os três soldados em cima do batalhão que o observava de baixo. Outra chuva de flechas, Kandsmar não pode se livrar de todas. Ele sentia os cortes e o sangue, já estava habitado e esse ferimentos superficiais não o fariam parar.

A batalha do dragão contra o exército continuou, encharcando o solo de sangue. Logo os canhões foram posicionados e os disparos começaram, as pesadas bolas de ferro vinham de todas as direções e era difícil ver e desviar de todas. Em algum momento no meio disso tudo Kandsmar foi atingido. O impacto foi tão forte que ele perdeu controle de seu vôo e foi ao chão. Sem perca de tempo cordas, redes e correntes foram jogadas sobre o animal prendendo-o no solo. Enfurecido o dragão cuspiu fogo em todas as direções e uma boleadeira foi jogada prendendo sua mandíbula. Por mais que se debatesse Kandsmar não mais tinha forças para quebrar as correntes que o prendia. Ele foi derrotado. Humilhante!

"Que o fim venha logo", desejou o dragão. Porém um grito o fez abrir os olhos e levantar a cabeça, o máximo que as correntes permitiam.

-Parem! Parem! - Gritou Aparícia ofegante buscando caminho por entre os soldados que circundam o dragão. - Parem!

Kandsmar a encontrou correndo em sua direção seus olhos e bochechas vermelhos pelo choro constante. Ela empurrou o general que bradava a espada do abate e abraçou a cabeça da fera. Ele pôde sentir as lágrimas em suas escamas. Mesmo ele não sabendo o que era, algo ardeu em seu interior.

-Sua tola! O faz aqui?! Vá embora, - Sua voz, apesar de seu estado físico, ainda era forte e entoava todo seu poder. - Não quero que me veja assim.

Sempre orgulhoso.

-Eu não me importo! Não seja tão egoísta! - Fungou a criança.

A garota é arrancada bruscamente de sua posição. O general a ergue do chão pendurando-a pelo braço.

-O que é isso?! - Indagou-se confuso com a cena. - Me explique o que você está fazendo com essa besta! - Aparícia nada disse. - Responda!

O general a sacolejou como se fosse um animal qualquer. Kandsmar quebrou a boleadeira de sua boca ao rugir. Todos pararam assustados, os soldados remanescentes empunharam suas espadas.

-Solte-a! - Ordenou o dragão. - Deixe-a ir!

-Como?! - O general riu. - Essa criança é importante para você? Patético!

O homem sacudiu a criança novamente. O dragão avançou para o general, se não fossem as correntes ele teria decapitado o homem com seus dentes.

-Ho-hou, você se importa mesmo?! - riu perverso. - Vamos então ver até que ponto. - Lentamente o general levou a espada até a garganta da menina.

-Não se atreva! - Urrou o dragão. - Se a ferir, vou matá-lo dolorosamente!

-Então façamos um trato! - O general começou a negociar. - Eu não machuco sua garotinha e em troca você irá, sem oferecer resistência, até o pátio do castelo onde será abatido perante ao rei. Está de acordo, dragão?

Kamdsmar fuzilou o general com o olhar, o homem sádico sorria como o próprio diabo, olhou depois para Aparícia e para a laminha em sua garganta. O que fazer agora, render-se ou lutar?

A fera buscou a solução nos olhos da menina. A resposta era óbvia.

-Faça como quiser. - Disse Kandsmar abaixando a cabeça.

- Eu não acredito nisso! Você vai mesmo se sacrificar por uma criança?! - O general gargalhou como se tudo fosse uma grande piada.

O dragão não respondeu. A menina foi posta no chão, mas não liberta. Ainda tinha a espada sobre o pescoço.

-Vamos homens! Deixe o ouro aí, voltaremos depois para pega-lo com carroças! O homem mais rápido vá na frente e informe o rei de nossa chegada! - Ordenou o general.

Mantendo uma distância segura das presas de Kandsmar, todos se puseram a marchar montanha a baixo rumo ao castelo de Nuberga.

Com a caminhada lenta chegaram por fim aos muros do reinos, conforme andavam pela cidade uma procissão se formou até chegar ao castelo. O Rei estava em sua sacada e esperava o desfecho da cena. O general fez seu discurso sobre como derrotou o dragão, falsamente lamentou as baixas sofridas e por fim anunciou o abate do dragão. O homem hostil gesticulava exageradamente, demonstrando que, para ele, tudo não passava de um show, onde o próprio era a atração principal.

-Mas antes de decapitar a fera, - Começou novamente o general, - gostaria de acusar essa menina. - Ele apontou para a mesma. - Acuso-a de conspiração e traição contra nosso amado Reino de Nuberga, também acusou-a de bruxaria, pois somente uma bruxa teria qualquer vínculo com tal besta sanguinolenta. E para todos esses crimes a pena é a morte!

Antes mesmo de terminar de dizer a última sílaba da palavra, sem esperar que qualquer pessoa absorvesse sua fala, o general fincou sua espada no peito de Aparícia atravessando seu coração. Ao ser retirada a espada, a menina tombou aterrisando as patas dianteira do dragão. Seu rosto petrificado em uma expressão de pavor e confusão.

Kandsmar demorou um segundo para processar o que havia acontecido. A menina estava morta, traída pela própria espécie. A menina não mais se levantaria. Ele nunca mais a ouviria cantarolar. Nunca mais a veria sorrir. Nunca mais ele repreenderia sua ingenuidade. A pobre menina. Sua menina.

Pela primeira vez, em todos seus 515 anos de vida, Kandsmar sentiu a dor da perda... E ela era insuportável!

Uma chama queimou dentro do dragão, aquecendo todo o seu corpo. Vapor começava a exalar da criatura, agora irracional. A temperatura de suas escamas se elevaram a ponto de amolecer as correntes, com um único abrir das asas libertou-se e levantou vôo. A correria das pessoas que estavam em solo foi imediata, mas não havia para onde fugir. Apenas o calor de seu corpo era suficiente para fazer os telhados de palha se incendiarem. Ainda assim ele fazia questão de cuspir fogo, labaredas tão quentes que reduziam qualquer coisa à cinzas num instante. Nada dentros dos muros de Nuberga escapou da cólera do dragão. Nada poderia ir contra Kandsmar, nem mesmo os canhões que os remanescentes tentavam disparar, a besta queimou todos até os ossos. O general foi deixado por último, o homem que era alvo de toda a cólera da criatura.

A besta aterrissou a alguns metros de distância, o fim daquele homem deveria ser lento e doloroso, kandsmar ainda lembrava-se disso. O general ergueu sua espada a fim de lutar, mesmo sendo inútil, uma simples espada não poderia mais ferir o dragão. Com sua enorme pata envolveu o homem, só o calor já foi suficiente para fazê-lo urrar de dor. Mas ainda não era o bastante, nada seria. Muito lentamente a fera foi apertando o general até que não restasse nada além de ossos carbonizados.

Caminhou lentamente até corpo de Aparícia, tão pequeno, era a unica coisa ainda intocada pelas labaredas. Vê-la ali, imóvel, lhe causava mais dor que qualquer um de seus ferimentos. Ele não compreendia, mas, ainda assim, podia sentir. O próprio corpo do dragão ardia, queimando de dentro pra fora, não tardaria até que Kandsmar também fosse consumido pelo calor. Mas ainda havia tempo para um último vôo.

Com todo o cuidado e delicadeza segurou Aparícia entre as patas, era tão leve que ele mal sentia seu peso, e então levantou vôo. Ele estava atendendo seu pedido de voar. O dragão sabia que não era bem assim que ela desejava, mas esperava que ao menos seu espírito pudesse sentir o vento e a leveza que é estar no céu. No fundo lamentava por conceder o pedido tão tardiamente, mas agora era era inútil se arrepender.

Do alto, podia ver todo o reino, estava em chamas, parecia o próprio inferno na terra. O luxuoso castelo começava a desabar fazendo sons estrondosos. Apenas ruínas e cinzas restariam dessa civilização. Por fim pousou no pátio, onde tudo havia começado. Deitou o corpo da menina no meio da área aberta e aninhando-se a ele, o grande e egoísta dragão vermelho deixou que a própria chama os consumisse, assim cremando juntos a menina e seu dragão.

~❇❇❇❇~

Dragões são egoístas e tomam para si tudo que acham de seu direito, e tudo o que é seu, lhe é precioso. Porém, quando se deixam ser tomados por outra criatura, a tal se torna insubstituível. Se essa criatura, que foi capaz de conquistar a fera, for, de qualquer modo, tirada do dragão, a única coisa que se sucede é o fogo.

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