Capítulo 5
"Como lidar com a bagunça que você fez no meu coração antes de sair?"
(Música da mídia: Nervous - Gavin James)
Retornei a ligação com um sorriso nos lábios. Não conversava com Enzo, meu namorado, desde ontem à noite.
Caiu na caixa postal. Liguei novamente, mas a mesma coisa aconteceu.
A coisa era que ele tinha a mania de sempre esquecer o celular pelos cantos. Já perdi a conta de quantas vezes ele acabou o perdendo em casa e só achado dias depois. Pior que isso, era apenas quando ele perdia os óculos e não conseguia achá-los sozinho, afinal precisava estar usando óculos para enxergar bem.
Seus olhos eram castanhos, com alguns pontos verdes quase imperceptíveis. Eu amava observar aqueles olhos, ou brincar com seu cabelo. Observar seus olhos enquanto brincava com seus cabelos, então? Era minha definição da palavra paraíso.
Sua pele era clara, quase pálida, sorriso de colocar em um potinho e uma voz que me obrigava a querer ouvi-lo falar o tempo todo, mesmo que fosse lendo uma lista de compras.
Deixei o celular de lado e fui tomar um banho. Provavelmente ele responderia assim que visse minhas ligações.
Quando sai, secando os cabelos com uma toalha, vi que tinha uma mensagem dele. Pelo visto, ele não perdeu o celular, não dessa vez.
"Oi, linda!"
"O que fez hoje? Tá com saudades de mim? Eu tô com saudades de você."
"Só queria te lembrar que estou indo te ver hoje, chego em algumas horas."
"Não respondi antes porque estava dirigindo, desculpa"
Levaria um tempo até ele chegar, então resolvi pegar algo para comer e dormir um pouco. Não tinha sido uma noite muito boa e o sono estava batendo com toda a sua força.
Acordei com uma batida na porta. Gritei um já vai e me levantei sonolenta.
Mal abri a porta e senti os braços me envolverem em um abraço carinhoso e cheio de saudades.
Um rosto se acomodou na curva do meu pescoço, aspirando o cheiro do perfume que tinha ali.
— Você não faz ideia de como senti falta desse perfume.
Aprofundou mais o abraço, levantando um pouco meus pés do chão, deixando um beijo úmido em meu pescoço.
Sorri para ele, também apertando um pouco mais seu corpo junto ao meu.
— Se está com saudades do perfume, posso te dar um do mesmo de presente.
Seu riso soou perto do meu ouvido. O som rouco fazendo meu coração se acelerar um pouco, o que só aumentou quando ele, ainda sorrindo, substituiu os beijos em meu pescoço por mordidas leves.
— Não só do perfume. É de tudo que te lembre .
Sorri também, deixando escapar um pequeno suspiro enquanto apreciava seu gesto e suas palavras. Então ele se afastou o suficiente para olhar meu rosto, seus olhos — que saudades de ver esses olhos assim de pertinho — me observando enquanto um sorriso aumentava ao reparar o estado do meu cabelo.
— Agora entendo o significado da expressão "mar revolto".
Passei a mão pelo cabelo, notando como ele estava bagunçado por causa da soneca.
— Arruma não. Tá charmosa assim. — Disse, enquanto tirava a minha mão do meu cabelo e a levava até seu pescoço, antes de me aproximar novamente do seu corpo, suas mãos apertando minha cintura e seu rosto se apoiando em meus cabelos. Um novo abraço se formou e ele me apertou forte.
Ficamos assim por algum tempo, como se aquilo fosse a forma mais perfeita de encontrarmos nosso lugar no mundo. Isso até ele se afastar e me mostrar que sim, existia algo mais intenso que seu abraço. Seus lábios tocaram os meus, suaves e cheios de promessas.
Saudade, essa era a palavra que cada movimento de sua boca contra a minha dizia. A minha, em resposta, também lhe dizia em beijos sobre saudades.
Então escutamos um miado e ele separou nossos lábios, olhando para trás de si, onde um gato diferente do que o que ainda me abraçava, estava pedindo carinho.
— Oi, Gigante. Também estava com saudades de você. — Disse enquanto se abaixava, pegando-o no colo e fazendo carinho em seu pescoço.
Segurei em uma de suas mãos, enquanto ele segurava o animal com a outra, apoiando-o contra seu peito e o levei até o sofá da sala. Nos sentamos e fiquei apoiada em seu ombro, o observando brincar com o gato em seu colo.
— Quer sair um pouco? Conhecer a cidade? Ela até que bonita. — falei, depois de um tempo.
— Vamos fazer isso na próxima, não quero te dividir com mais nada hoje.
— Bobo ciumento. — Brinquei, cutucando sua barriga com o cotovelo.
— Pois é. Ainda bem que não estamos aceitando devolução. — Rebateu, piscando pra mim e beijando minha bochecha.
— Eu não ia querer devolver mesmo. Da próxima vez a gente sai então, ok?
Ele balançou a cabeça em concordância, satisfeito.
— Ok, da próxima. Agora, que tal assistirmos alguma coisa?
Perguntou, enquanto brincava com meu cabelo.
— Está bem, mas você faz a pipoca.
— Ainda bem, você coloca tanto sal nas coisas que não sei como aind... ei, por que me beliscou?
— Adivinha? — Respondi, enquanto o beliscava novamente, o fazendo segurar meus braços por trás das minhas costas, ao mesmo tempo em que me abraçava por trás.
— Por que estou me preocupando com sua saúde? — Sinto sua voz soar perto do meu ouvido, com aquele tom de inocência planejada.
— Quem não te conhece que te compra, né?
— Por acaso você está fazendo planos de me vender, mocinha? Não aceitamos devolução, mas muito menos revenda.
— Quem escuta isso, pensa que te pago pra ser meu namorado — consigo movimentar minhas mãos o suficiente para beliscar sua barriga, que ele usava como apoio para me segurar contra seu corpo. Ele tenta se esquivar e acaba me soltando por alguns segundos antes de me segurar novamente.
O escuto rir, enquanto me abraça e bagunça novamente meu cabelo.
— E eu aqui acreditando que iria receber no final do mês. — Eu tento ignorá-lo, mas ele ainda não me solta. — Espera, tenho um presente pra você.
Olhei pra ele que me puxava de encontro a si e me dava um beijo carinhoso. Senti suas mãos colocarem algo em meu cabelo.
Quando nos afastamos, toquei meu cabelo no mesmo lugar onde ele tinha tocado e senti as pétalas de uma flor, ao tirá-la de lá, percebi que ele tinha colocado uma camélia rosa, um pouco amassada, em meu cabelo, embora eu não tivesse idéia de onde ele a estava escondendo antes de me entregar.
Eu sabia o significado dela.
A camélias rosa significa saudade.
— Ela amassou um pouco, desculpe. — Seus lábios se moldaram em um sorriso acanhado, que eu provei em um beijo rápido.
— Não se preocupe. Obrigada por isso e por tudo.
Seu sorriso fez os olhos que eu amava ficarem pequenos e eu amei aquela imagem, também amei quando ele tocou de leve em meu queixo com o indicador.
— Hoje é minha vez de escolher o filme. — Foi sua resposta, o que me fez revirar os olhos.
— Veremos, meu caro, veremos.
Fomos para a cozinha, depois de tudo pronto, voltamos para o quarto, ligamos a TV e nos deitamos.
Ele, como todo otaku de carteirinha, escolheu assistir anime, eu, como toda namorada de otaku, nem pensei em dizer que não, afinal, se eu dissesse que queria ver outra coisa, ele iria ficar com cara de cachorro que caiu do caminhão de mudança o tempo todo. Além de já ter o obrigado a ver um romance da última vez.
A verdade é que já fazia anos que eu tinha começado a gostar de animes assim como ele, mas não seria eu a contar, para estragar minhas chances de escolher o próximo filme e nem seria ele a parar de fingir que já sabia disso, porque significaria ter que admitir que também amava os romances que eu escolhia.
Ao subirmos na cama, ele vai direto para a cabeceira, escorando suas costas ali e sinalizando para que eu me apoiasse nele.
Descansei minha cabeça contra seu peito e me aconcheguei contra ele quando senti seus braços ao redor do meu corpo, uma de suas mãos passando a descansar em meu ombro e a outra fazendo movimentos regulares no meu couro cabeludo.
Fechei meus olhos e aproveitei aquela sensação enquanto o filme ainda não começava.
Algum tempo se passou e, em alguma parte do filme, notei que ele estava olhando para mim, um pouco sério, com a feição preocupada.
— Você está bem? — O escuto perguntar, enquanto colocava uma mecha do meu cabelo atrás da orelha.
Eu queria dizer que sim, apenas concordar e demonstrar que era mais forte do que realmente era, mas Lorenzo não era uma pessoa para quem eu conseguia — ou queria — disfarçar o que estava sentindo, então apenas neguei com a cabeça.
Ele me puxou para ainda mais perto, deixando um beijo em minha testa e descansando seu queixo ali.
— Eu também sinto falta dele. Nem meu pai era tão bom pra mim quanto ele era.
— Ele era incrível, não era? — Perguntei, imagens e momentos passando em minha mente e fazendo meu coração apertar com a saudade.
— Muito. — Com um movimento leve de cabeça, concordei, deixando uma lágrima escorrer pelos olhos. Ele beijou meu rosto, interrompendo o caminho da lágrima. — Vamos conseguir passar por essa dor, meu amor. Sempre cuidamos um do outro e vamos continuar fazendo isso.
Sua mão toca meu pescoço e sinto o calor e suavidade de seu toque contra mim. Eu levanto meu rosto e levo meus lábios aos seus.
Um beijo lento começa. Carinhoso, íntimo e, em algum momento que minha mente não pôde detectar, se transformou em algo mais profundo, intenso.
Assim, ele coloca suas mãos em minha cintura e me puxa um pouco mais para cima de seu corpo.
Encaixo uma perna de cada lado dele e me sento em seu colo, percebendo seu respirar mais pesado contra meus lábios conforme nos tocamos e sentimos o toque um do outro.
O filme passa sem ser percebido do outro lado do quarto.
Eu ainda me lembro de quando o conheci, em uma época em que nem imaginávamos que a vida nos poria juntos dessa forma.
Éramos apenas crianças quando nossos caminhos se cruzaram. Eu tinha 5 anos e ele dois anos a mais que eu. Seu pai era sócio do meu, os dois tinham uma empresa de publicidade mesmo antes de nascermos e, por isso, Lorenzo sempre frequentava nossa casa e nós a dele.
Por causa dos negócios e do passado em comum que nossos pais tinham tido quando novos, nossas famílias se tornaram próximas. Sendo assim, não eram raros os almoços de domingo que passávamos juntos.
Durante essas visitas, eu me sentia um pouco desconfortável. A irmã dele, Cláudia, era (ainda é) o ser mais irritante e chato que conheço nessa face da terra. Então eu costumava me esconder dela no jardim, afinal ela é alérgica a pólen.
Só que eu não era a única a não suportar os caprichos dela, por isso Enzo sempre procurava se esconder lá também, quando tinha essa oportunidade.
No início, eu o mandava sair do meu jardim, mas com o tempo e a insistência dele, acabei desistindo. Desde então, passamos o tempo das visitas juntos. Faz quase dois anos que estamos namorando, mas acho que, desde pequena, sempre senti algo por ele. Ele foi meu primeiro amor, o dono do meu primeiro beijo, além de ser o meu primeiro em muitas outras coisas.
Agora, estava deitada sobre o peito dele. Escutando a melodia que seu coração tocava para mim. Uma de suas mãos acariciava meu cabelo, enquanto a outra repousava em meu ombro e eu amava como aquilo era tão natural, quase automático.
— Samira.
Levantei meus olhos, procurando os deles e pude ver neles algo que fez com que meu coração errasse uma batida. Medo, tristeza.
— Oi?
— Eu consegui adiar a viagem por causa do que aconteceu, mas meu pai ainda quer que eu volte para lá antes que outro período comece. — Assim que Lorenzo se formou no ensino médio, seu pai decidiu que ele iria para Londres, estudar e ir trabalhar na filial da empresa que existia lá. Ele foi e ficou lá por dois períodos, mas antes que o terceiro começasse, meu pai faleceu e ele voltou para nossa cidade, para ficar ao meu lado, me ajudando.
Seus olhos buscaram os meus, dizendo com aquele olhar que não era aquilo que queria fazer.
— Quando você precisa ir?
Ele respirou fundo. A resposta doendo dentro dele.
— Talvez daqui a dois meses, no máximo. Ele está irritado porque já vou estar atrasado na faculdade por causa do período que não estou fazendo.
— Não entendo o motivo de você não pode simplesmente estudar aqui. Já basta ter que seguir o curso que ele quer, não é justo você ainda ter que ir embora.
Ele riu triste, bagunçando meu cabelo um pouco.
— Já tentei convencê-lo, mas você sabe como ele é difícil de mudar de opinião.
Afundei meu rosto em seu peito, um choro querendo nascer dentro de mim.
Ele acariciou minhas costas, tentando me acalmar e segurou meu queixo.
— Sabe, tem um tempo que estou pensando em uma coisa... Não quero ficar sem você, eu te amo e sei que você sente o mesmo por mim, então, por que não nos casamos quando você se formar? Assim você vai poder ir pra Londres comigo e a gente se estabelece lá. Podemos tentar montar sua loja lá ou, sei lá. Só não quero continuar ficando mais tanto tempo longe de você.
Levantei o rosto novamente depois de ouvir aquilo tudo, com medo de que estivesse apenas imaginando coisas. Seu olhar era sério, mas tranquilo ao mesmo tempo e só consegui sorrir para ele.
— Você não é muito jovem para dizer esse tipo de palavras? — Perguntei, mesmo que pudesse me lembrar das várias vezes que falamos sobre o dia que daríamos esse passo.
Seus dedos percorreram meu rosto, seguindo meus traços enquanto seu olhar seguia o próprio movimento, até que ele parou e olhou em meus olhos, me memorizando, absorvendo cada detalhe pelo que poderia ser a milionésima vez que me observava.
— Não quando a pessoa que as escuta é você.
Sorri novamente, meu peito se enchendo com aquela pequena frase e isso faz com que eu deixe um beijo estralado na ponta do seu nariz.
— Eu aceito. — Novamente, me aconchego mais perto do seu corpo, sentindo quando seus braços fizeram o trabalho de me aproximar mais e mais.
Foi assim que o tempo passou rápido e, quando percebemos, já era a hora dele ir novamente.
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