I
Segurei pela primeira vez o volante de um caminhão quando eu era um piá de seis anos de idade. Meu pai vivia de rodar pelas estradas do nosso Brasil, transportando de tudo, e me levou junto. Às vezes ficávamos uns quantos de dias sem vê-lo e a saudade machucava, e quando escutávamos lá longinho a buzina da carreta, era uma alegria só. Pedro, meu irmão temporão e eu, corríamos para ao encontro dele. Minha mãe saía na varanda, segurando o bule do café fresquinho feito no fogão de lenha, e nos abraçávamos.
Nossa vida era simples, morávamos num bairro rural de União da Vitória, numa casa de cinco cômodos. A antena de tevê era daquelas tipo espinha de peixe. Celular, só pude comprar aos dezesseis anos, quando arrumei emprego de meio período num supermercado. Sempre fui bom aluno e consegui boa instrução, mas minha vocação era dirigir um bruto, como meu pai. Quando ele morreu, assumi seu lugar no volante.
Minha vida também foi difícil. Pedro se casou e foi morar com a esposa em Joinville, e eu fiquei responsável por cuidar da nossa mãe, e de uma filha doentinha, carecida de uma operação cara. Com muita luta e muito juízo nos gastos, comprei minha própria carreta, um volvo fh 540, de cabine azul.
Era um comecinho de noite, num lugarejo perdido entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Eu tinha que entregar uma carga de soja em São Paulo, longe. Parei numa churrascaria, e disputei carteado com outros caminhoneiros que também subiam para o sudeste.
Me despedi dos cinco gaudérios, bati com a marreta em cada pneu, para checar o enchimento, pus o bico da botina no estribo.
— Moço, por favor, tu pode me dar um trocado?
Era uma voz de criança, vinda das minhas costas.
Uma menina careca, de rosto pálido e cheio de pintinhas, olhos azuis e queixo arredondado. Havia manchas de sujeira preta debaixo dos olhos e no nariz arrebitado. Usava um vestidinho azul, o comprimento descia até os joelhos.
O aspecto da guria era triste. O branco dos olhos estava vermelho, o que me fez aventar várias hipóteses – e duas destas me assustaram só de pensar. Podia ser uma drogada ou uma dessas crianças maltratadas pelos pais, por estes obrigada a pedir dinheiro.
Ao mesmo tempo, tirando o fato de ter uma cabeça pelada e brilhante, e estar descalça, ela não se parecia nem um pouco com uma criança brasileira, lembrando uma menina filha de descendentes de alemães do Vale Europeu.
Num primeiro momento, senti compaixão. A guria tinha olhos limpos, doces. Desconfiado como era de quase tudo na vida, agarrei a possibilidade de ela estar sendo explorada por alguém.
— Não tenho dinheiro — respondi.
Em parte, não menti. Só tinha dinheiro para os pedágios, e um cartão de débito.
Ela suspirou com tristeza.
— Tô com fome — ela disse.
Acenei a cabeça negativamente. Ela baixou a cabeça e saiu andando lentamente, até sumir em meio aos outros caminhões parados.
A vida não é justa pra ninguém.
Afivelei o cinto, pondo a chave na ignição. Me lembrei de algo importante.
— Esqueci da minha jaqueta dentro do restaurante! — estapeei minha testa.
Voltei correndo para o estabelecimento, e por sorte o garçom havia guardado. Agradeci, voltei para o Volvo azul e dei a partida. Pouso, agora, só dali a três horas.
Apesar do frio lá fora – já que era final de outono – , a cabine tinha ar condicionado. Coisa boa o conforto da tecnologia. E também tinha wi-fi ( que no trecho entre Curitiba e Registro não adianta nada).
Ultrapassei várias carretas, buzinei, comecei a cantarolar uma música da Paula Fernandes ouvindo música do rádio.
A sensação de solidão era tal, que quase tive um ataque quando o som de um espirro me veio aos ouvidos. Alguém estava às minhas costas, escondido atrás da cortina do leito!
Aceso de medo, e por louco, guinei para o acostamento, parei o caminhão, e pulei para fora da cabine, segurando uma chave de roda numa das mãos e uma lanterna na outra.
— Sai já daí, ou te quebro! — dei ordem, puxando a cortina.
Então, uma forma pequena, magra e frágil surgiu de trás, sentando-se num dos assentos para caronas.
Capítulo de 700 palavras
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