Capítulo 84 - Universo em guerra
BOM DIA ❤️
Música: God's plan, Drake
Capítulo 84 – Universo em guerra
"O senhor poderia me dizer, por favor, qual o caminho que devo tomar para sair daqui?
Isso depende muito de para onde você quer ir, respondeu o Gato.
Não me importo muito para onde, retrucou Alice.
Então não importa o caminho que você escolha", disse o Gato.
Contanto que dê em algum lugar, Alice completou.
Oh, você pode ter certeza que vai chegar se você caminhar bastante, disse o Gato."
(Alice no país das maravilhas, Lewis Carroll)
***
A vida tem alguns momentos-limite em que você simplesmente para, olha pra sua volta e nota que todas as coisas estão te empurrando e você permanece estática, sem qualquer ingerência, sem fazer escolhas, só está seguindo o fluxo. Aqueles momentos em que você realiza que a sua vida está indo no automático. E se você escolheu isso, já tem tanto tempo que essa escolha não parece sequer vinculada ao agora.
Bem, eu tive isso numa quarta-feira normal. Aquela já era a minha quarta xícara de café. Eu sentia como se fosse ter uma overdose de cafeína, mas seguia olhando pra tela do computador como se estivesse tudo bem, como se não estivesse ouvindo um breve sermão.
Josh, o editor de imagens chefe da BBC, me dava algumas "dicas", ou melhor, ordens, de como fazer as edições para que se encaixassem mais no "padrão" para televisão. O tempo congelou por alguns instantes e eu simplesmente realizei: eu não gosto de televisão, meu curso é cinema, por que eu estou trabalhando com televisão? Aliás, porque eu estou trabalhando sem ter terminado a faculdade? Eu não deveria estar estagiando e ganhando experiência?
E estava declarada aberta a temporada de questionamentos da Jess.
Eu acenei com a cabeça e fui refazer boa parte das edições anteriores, que aparentemente estavam fora do "padrão", o que era quase uma metáfora pra mim mesma, absolutamente deslocada daquela situação. Quando foi a última vez que eu disse "não" pra alguma oportunidade que surgiu na minha vida? Não que eu me arrependa da viagem pra Tailândia, trabalhar com o Karen, nada disso.
Só que depois que eu havia voltado de lá as coisas pareciam estar tão fora do lugar e eu, ainda sim, seguindo a lei da inércia, permanecia seguindo o fluxo, aparentemente contentada com aquele estado de coisas meio erradas, meio estranhas. Jessica, o que você está fazendo?
Quase pensei em ir atrás da minha quinta xícara de café, mas não. Coloquei uma música clássica, respirei fundo algumas boas vezes e refiz todas as burradas na edição das imagens do programa, conforme o padrão.
Saí da BBC às 18h, o céu estava escurecendo daquele jeito bem londrino, um azul manchado de cinza indicando que qualquer hora é hora de uma chuvinha. Peguei o metrô e decidi, quando a telinha avisou que a linha cinza se aproximava, que iria à Southbank.
O vento, não mais tão gelado, batia no meu rosto enquanto caminhava olhando aquela vista e observando as pessoas que cruzavam o meu caminho. Acabei realizando como era interessante que cada pessoa que cruzou o meu caminho naquele meio tempo tinha uma história, como a minha, com muitas ou poucas complicações, com problemas, com motivos pra comemorar, cada um era um pedacinho de universo. E eu era o meu universo.
(Southbank, Londres)
Ri quando notei que meu universo estava em "guerra", já que eu estava a todo momento brigando comigo mesma, ainda que as minhas escolhas parecessem não ser consensuais e eu não sabia muito bem qual era a estratégia de guerra do meu Primeiro Ministro. A estratégia parecia ser algo como, só seguir o fluxo.
Me sentei em um daqueles banquinhos de madeira e fiquei só observando as luzes de Sothbank e o movimento do rio Tâmisa com o ventinho de fim de tarde.
Minhas mãos apoiadas sobre minhas pernas, braços cobertos por uma jaqueta de couro que era mais eu suficiente pro clima "quase primavera". Subi um pouco as mangas da jaqueta e notei ali a pulseirinha do Harry, lembrei da nossa noite, da última conversa, da sua ausência. Ao menos ele teve mais maturidade que eu pra perceber que agora não era mesmo a hora, pois, se dependesse de mim e desse meu universo em guerra, provavelmente já teria engatado alguma espécie de relacionamento atravessado.
Tive que rir de mim mesma e me chamar à realidade: eu tinha acabado de admitir que Harry Styles havia sido mais maduro que eu? Aparentemente nos últimos meses eu havia dado um salto de maturidade pra 10 anos a menos e, talvez, no final das contas, Louis estivesse certo, apesar de ainda achar que ele poderia ter escolhido melhor as palavras e apagado o baseado antes me de receber.
Passei vários minutos sentada naquele banquinho com mil coisas na cabeça, e às vezes, só com os olhos do Harry mesmo. Não era uma boa hora, timming não é mesmo com a gente, somos dois universos desencontrados vagando pelo mundo.
E foi naquele momento, bem ali, olhando o Tâmisa e o anoitecer em Southbank, que eu percebi que queria me encontrar de alguma maneira e, a partir daí, comecei a tentar mudar todas as coisas que pareciam manter o estado de guerra em que eu me encontrava.
Peguei minha agenda e uma caneta na bolsa e comecei a rabiscar algumas coisas.
1. Trabalhar com cinema;
2. Encontrar um lugar pra mim;
3. Ser autossuficiente;
4. Gostar mais de mim antes de entrar em um relacionamento;
5. Ser feliz.
Sim, eu fiz uma lista e decidi que cortaria item por item até que ficasse só com o último. Não que eu me considerasse infeliz, e não que a felicidade seja esse lugar difícil, distante, uma espécie de nirvana. Não, mas eu queria que ela fosse uma constante e não que eu sentisse uma pontada às vezes e no resto do tempo ficasse bufando reclamando de alguma coisa. Bem, talvez eu devesse adicionar o ponto 6, "reclamar menos", muito pertinente.
No dia seguinte, quando fui conversar com a Karen, minha, até então, chefe, não sabia que conseguiria riscar os pontos 1 e 2 com uma pesquisada no Google e no site da minha universidade. Ela sugeriu que eu fizesse uma transferência e tentasse ir pra uma universidade que tivesse um curso de cinema mais voltado pra produção cinematográfica (?). Fiz aquela cara de "isso não faz nenhum sentido" e ela foi forçada a me explicar que o programa da London Academy Of Arts era mais voltado pra produção televisiva, e que não se encaixaria muito bem nas minhas ambições.
Quase entrei em guerra comigo mesma, ou só iniciei mais um bombardeio interno porque a guerra já estava declarada há tempos, e me amaldiçoei por escolher a universidade errada. Até que me dei conta de que com 17 anos eu não tinha a mínima ideia do que estava fazendo quando enviei minhas aplicações. O que a gente sabe com 17 anos né? Se eu acho que não sei nada no auge dos 21, o que eu saberia naquela época?
Naquele mesmo dia, assim que cheguei em casa, fiz aquela busca rápida e básica do tipo "melhores universidades para estudar cinema", abrindo mil abas no navegador enquanto separava alguns nomes, fazendo mais e mais listas. Depois, fui até o site da LAA e busquei as universidades conveniadas e tentei cruzar as listas. Fiquei levemente preocupada quando notei que quase que todas as universidades ficavam nos Estados Unidos e que o cruzamento das listas não estava dando nenhum resultado positivo. Já passavam das duas da manhã quando notei que a New York University (NYU) e a University of California Los Angeles (UCLA) eram conveniadas.
Eu estava tão empolgada me imaginando sentada nos degraus do MET, pagando de Serena Vanderwoodsen, tomando Dry Martini com Chuck Bass, que nem havia parado pra pensar que os meus pais iam querer me matar. Eles com certeza iam querer me matar. Eu estava planejando secretamente me mudar para o outro lado do globo pra estudar cinema, eu estava ou não estava ficando maluca?
Talvez eu estivesse, porém, PARA TUDO, o Coppola* estudou na UCLA? Será que temos uma favorita? Com certeza.
Eu estava tão empolgada com uma ideia que eu nem sabia se daria certo que fui dormir sorrindo e senti que o meu universo estava no caminho para assinar um armistício, porém havia uma questão latente: será que os meus pais iriam me entender?
Mesmo sem ainda ter nenhuma definição sobre a aprovação ou não dos meus pais eu fui até a LAA ver como eu poderia fazer a transferência e, aparentemente, a documentação era mais extensa do que a necessária para trancar, bem mais extensa. Comecei pelas cartas de recomendação, procurei o trâmite pra tirar o visto de estudante, e desatei a pesquisar sobre mensalidade e custo de vida e vi que, aparentemente, Londres é mesmo um dos lugares mais caros desse mundo para se habitar, me mudar seria plenamente viável e, até mesmo, econômico.
Tentava equilibrar o meu tempo entre o trabalho, estudar o programa das duas universidades, marca as datas do visto e por último, mas não menos importante, desenvolver e ter sucesso no processo de convencimento dos meus pais.
- Mas filha, é muito longe... – meu pai dizia do outro lado do telefone com a respiração carregada e eu já sentia saudade mesmo sem saber se as coisas dariam certo ou não. Eu respirava fundo e desatava a falar sobre como eu estudaria no mesmo lugar que todos aqueles diretores que ele adorava, que eles poderiam me visitar, que era temporário. Eu estava quase mudando de profissão para advogada, eu estava ficando mesmo boa nesse negócio de desenvolver argumentos mirabolantes e convencer mesmo alguém com aquilo.
-Eu não acredito que você vai atrás de todos aqueles gatos californianos bronzeados e vai me largar nessa cidade cinza! – Giovanna fazia seu chilique diário desde que contei pra ela os meus planos.
- Um, eu nem sei ainda se vou pra Califórnia. Eu vou mandar para as duas e rezar pra alguma me aceitar. Dois, eu não estou te abandonando. – disse e coloquei uma peça de sushi na boca, hoje era o dia oficial do sushi, ou seja, todo dia que a gente ficava com preguiça de cozinha algo, ou seja, quase todo dia.
-Alex, você não acha isso um absurdo! – e o chilique prosseguia, agora era estendido para os outros cômodos do apartamento, incomodando até mesmo o Alex que tentava ensaiar umas músicas novas pra tocar no pub.
Não tivemos resposta, porém, em alguns instantes ele surgiu no corredor segurando o violão e se sentou do nosso lado no sofá. Ele dedilhava alguma coisa e quando notei que ele tocava "Suck it and see" do Arctic Monkeys deixei um sorriso escapar.
[Deveria haver um GIF ou vídeo aqui. Atualize a aplicação agora para ver.]
"Suck it and see, you never know/ Dê uma chance, nunca se sabe
Sit next to me before I go/Sente-se perto de mim antes que eu me vá
Go, go, go/Vá, vá, vá
Jigsaw women with horror movie shoes/Mulheres de quebra-cabeça com sapatos de filme de terror
Be cruel to me, coz I'm a fool for you/Seja cruel comigo, porque eu sou louco por você"
-Eu acho que a Jess vai ganhar um Oscar... Colocar a gente pra dentro de uma daquela after parties chiques e eu vou estar brindando com o George Clooney... – ele disse quando terminou de cantar me fazendo rir e Giovanna revirou os olhos ao perceber que ela não teria um parceiro nas suas lamentações.
-George Clooney? Quem quer brindar com o George Clooney quando você tem o Leo? – olhei sem a entender e ela sorriu se rendendo. – Leo DiCaprio.... Aff, vou sentir sua falta, sua hipster maldita!
Nos abraçamos e estávamos tendo aquele momento melosinho gostoso entre amigas quando meu telefone começa a vibrar na mesinha de centro, me avisando que a Evelyn estava ligando.
-Jess, você ainda tá na BBC né? – ela disse meio empolgada do outro lado da linha e confirmei. – Ah, então, eles tão precisando de umas pessoas no fim de semana pra cobrir aquele festival lá em Glasgow, sabe? Vai rolar uma graninha extra! Vamos, eu vou!
Sem pensar muito, eu falei que sim. Afinal, seria um festival de música, a BBC iria bancar as passagens e estadia, eu receberia um extra, tinha como dizer não?
Mandei Giovanna buscar quem tocaria no festival porque estava empolgadíssima. Eu sempre adorei festivais e mesmo que fosse trabalhar, talvez eu conseguisse curtir alguma coisa, além de estar recebendo pra isso.
- Nossa, Klaxosn, The Kooks, Lily Allen, Coldplay... uau que festival. Obrigado BBC! – comemorei enquanto passava o olho pela lista de nomes e vi Alex sorrir empolgado.
-Vamos pessoas? Vou colocar todo mundo no camarim do Coldplay! – brinquei, imaginando que, com certeza, fosse acabar na conferência de ingressos na entrada.
- No do Coldplay eu não sei, mas aposto que no camarim do One Direction você consegue... – Giovanna implicou já me fazendo repensar se seria uma boa ideia. – Aproveita e comunica pra galera que você vai fugir do outro lado do oceano.
- É você que está fugindo do Niall. – rebati e ela poderia me matar só com o olhar, Deus me salve. Pedi clemência e vi Alex rir da nossa guerra silenciosa. Giovanna voltou a olhar para o celular, ignorando a minha conversa e do Alex sobre o novo CD maravilhoso do The Kooks, e já sabia que ela estava emburrada.
Eu não sou adivinha, mas tenho certeza que havia algo bem mal resolvido entre ela e o Niall, já que, há uns meses, eles pularam de "amigos" para "não mencione este nome", e eu definitivamente havia perdido o marco divisório dessa mudança. Ela não queria compartilhar isso comigo ou com ninguém e eu também não iria insistir, já que todas as vezes que mencionei o nome do Niall ela ficou desse mesmo jeito, emburrada e silenciosa.
Na sexta, por conta do trabalho do festival, fui liberada mais cedo. Já com a malinha separada, fomos, eu e Evelyn, direto da BBC para o aeroporto. Conversávamos empolgadas sobre onde esse crachá escrito "staff" nos alocaria e como estávamos ansiosas para ver as bandas.
-Eu sei que você vai querer me matar, mas eu quero muito ver o One Direction ao vivo, o seus amigos são gatos, e agora que sei que eu o Louis tá solteiro... – ela disso, com certeza, para implicar comigo, mas já sabia sobre essa quedinha pelo Louis.
-Desculpa, mas não vou poder fazer essa apresentação já que, tecnicamente, não estamos nos falando... Só um pequeno detalhe. – disse e fingi não me importar, mas pensar no Louis me deixava magoada, queria saber se alguma hora eu me acostumaria em viver sem o Louis como melhor amigo.
-Ah, eu vou sentir falta dessas suas confusõezinhas! – ela disse me abraçando de lado.
-Estou preocupada...
Pra quem eu vou pedir socorro no meio do expediente? – ela sorriu com a minha fala e apontou pro seu celular.
-Estou a uma ligação de distância!
-Obrigada... – encarei a janelinha do avião o pôr-do-sol tomando a pista do aeroporto enquanto as pessoas terminavam de entrar na aeronave. – Sabe que às vezes eu não sei muito bem se estou fazendo o certo?
Me questionei e respirei fundo e, ainda assim, não consegui imaginar o que seria do futuro, mas me acalmei no próximo instante.
Bom, pelo menos, dessa vez, seria eu fazendo as escolhas.
*Francis Ford Copolla – diretor/produtor/roteirista estadunidense que dirigiu a trilogia do "Poderoso Chefão" (1972) e outros vários filmes. Eu colocaria nessa lista como destaque "O Selvagem da Motocicleta" (1983) (eu amo esse filme, mas já deixo a observação que ele é meio maluco haha) [Encerrando aqui o momento 'A Melhor Amiga do Louis' também é cultura']
n/a: deixei esse capítulo aqui pra vocês ❤️ um bom dia pra todos, desejo aqui que sempre estejamos no controle dos nossos universos.
Beijos,
Maria Clara
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro