VII - FACES DA MESMA MÁSCARA
A orquestra tecia as últimas notas, a música se dissipava lentamente e os passos desaceleravam. Os pensamentos, entretanto, continuavam a rodopiar nas mentes dos convidados. Desde o início da festa estavam numa dança mental que mudava drasticamente de estilo à cada compasso; ora dançavam uma valsa lenta, ora uma salsa sensual, alguns dançavam sozinhos, outros com um par, todos dançavam silenciosamente.
Um empregado com tênues fios brancos na cabeça, bem penteados para um lado, de ombros largos, empilhava várias taças sobre mesa, formando um pirâmide de base quadrada; tinha esperado que a dança terminasse para iniciar a demonstração magnífica de sua habilidade. As taças perfeitamente alinhadas exalavam uma harmonia e um equilíbrio que contratavam com o estado de espírito dos espectadores, ainda assim, todos estavam encantados e atentos enquanto apreciavam o vinho branco cuidadosamente fluindo de um decanter para encher a primeira taça até transbordá-la.
Nesse momento, todos aproveitaram para escapar dos delírios caóticos que rabiscavam incertezas em suas mentes. Foi um momento de enlevo unânime que abraçou e convidou as mentes cansadas para um repouso deleitoso e ansiado. Os inimigos se tornaram figuras amistosas. Em meio a tempestade das preocupação desabrochou a serenidade da satisfação. Foi por apenas um segundo, mas nesse segundo se sentiram livres.
Terminado o espetáculo, o empregado desceu do escadote e fez uma vênia antes de se retirar. Em simultâneo, Carol Jewell, percebendo o olhar de Anna Carter sobre ela, fez um sinal para acompanhá-la ao banheiro. Ela então sussurrou algo ao marido e se pôs a seguir Carol. Era uma amizade estranhamente genuína, admiravam uma outra e não poupavam elogios que, por mais inacreditável que seja, eram sinceros.
Respondendo as perguntas de Carol, Anna contou sobre os quatro filhos, tendo gêmeos na última gravidez. Era notável o carinho de Anna para com eles, falava de cada um com detalhes apaixonantes, se orgulhava em ter sua vida girando em torno deles.
— Hoje passaram a noite com a governanta, já devem estar dormindo agora — afirmou.
— É só por uma noite, não é nada demais — Carol tentava simpatizar com Anna, apesar de impossível, pois nunca iria entendê-la, afinal não teve filhos. O rumo que ela escolheu para seguir a vida não permitia isso, e ao tomar essa decisão, entendeu que teria de abandonar o desejo de maternidade. No entanto, na presença de Anna, esse desejo aflorava suavemente, num misto de dor e esperança. Anna era para ela uma inspiração adorável, apreciava a relação dela com os filhos. Lembrou-se dos momentos em que a visitava e passava a tarde com os pequenos que cresciam felizes e saudáveis, construíam uma infância com memórias e alegres recheadas de amor familiar. Riu-se ao lembrar do dia em que brincavam de se esconder no jardim, ela correu até Anna desesperada pois não conseguia encontrar o mais velho, que na verdade, nem sequer tinha se escondido. Não enxergamos o que está bem debaixo do nariz se estivermos a procurar ao longe, pensou para consigo.
Ao entrarem no corredor do banheiro, admiraram o cheiro das flores e das toalhas perfumadas, e não evitaram, como damas cientes da própria beleza, de posarem para o espelho do fundo do corredor. A primeira pose desconsertada e tímida, mas na presença da amiga com a mesma intenção, logo se soltaram em poses mais exageradas, fazendo bicos com a boca e levantando os leques; brincariam por um longo tempo se não fosse pela abertura repentina da porta assustando-as. Um homem que desconheciam passou por elas, cumprimentou com um boa-noite rígido porém cortês e seguiu para o banheiro masculino, ignorando a situação apenas por educação, pois a sós, o homem riu-se divertidamente da cena que vira.
— Que vergonha — disse Carol pousando uma pequena bolsa no balcão do lavabo.
— Nem me fale, mas foi engraçado.
— Se foi, gostei do espírito — comentou, imitando alguns dos movimentos da amiga.
— Para, Carol!
— É verdade.
— Sim, sim... — sorriu. — Como anda a publicação do livro?
— Será anunciado no próximo mês. O departamento editorial e de impressão já aprovaram, mas estão receosos com as vendas.
— Você já é bem conhecida, não acho que isso será um problema. Já adianto que serei uma das primeiras a comprar uma cópia — afirmou sorridente, num esforço ardente para mostrar a Carol o apoio que estava disposta a oferecer, percebia como a amiga se isolava com pretensão de enfrentar os obstáculos sozinha. — Você fez muita falta depois que deixou de aparecer lá em casa, sabia?
— É mesmo? Não sabia.
— Carol!
— Perdão, eu sei sim. Também sinto vossa falta, mas não posso só aparecer descaradamente. Eu te conheci através de Arlen, que razão eu teria agora?
— Não diga isso, você é minha convidada e será sempre bem-vinda. Julian não se importaria também.
— Certo, vou passar lá quando puder.
Um breve silêncio se instalou enquanto se concentravam em retocar as maquiagens.
— Sobre Julian — continuou Carol — como vocês estão?
— Bem, ele é um bom marido.
— Quão bom?
— Por que quer saber? Está interessada? — riu ela vagamente. Por estar concentrada na maquiagem, se assustou com o som de Carol batendo um batom no balcão e lançando um olhar severo para Anna. — Desculpa, não falei a sério.
— Eu sei, amiga, mas não se esqueça que eu sou uma mulher divorciada. Não tente me enganar, tudo bem?
Os lábios de Anna se contraíram. Não havia reclamações sobre Julian, ele se mostrava um bom marido, seja em público ou em particular; era também diplomático, seja em pública ou em particular. De fato, não havia carinho entre eles, por mais que tudo aparentasse estar bem, Anna sentia toda a esperança que sentiu no início do casamento fugir por uma rachadura que sempre esteve lá, e ela só percebeu quando estava quase vazia. Anna se encheu novamente quando conheceu Matthew London num evento social. Julian distraía-se numa conversa em grupo, ele era bastante sociável, e em contraste com ele, avistou um homem isolado num canto distante com um ar circunspecto; movida a uma curiosidade genuína, se aproximou de Matthew e ele confidenciou-lhe o quanto estava abalado naquele momento pois sua esposa estava com outro homem, e ele não podia fazer nada além de aceitar se quisesse continuar onde está.
Talvez o sentimento que tinha por Matthew fosse pura simpatia, afinal se encontrava numa situação semelhante, aceitava a frieza do marido em prol de estar onde está, se não isso, fazia-o pelos filhos. Sendo simpatia ou não, ambos confundiram o sentimento com paixão. Naquele evento, num canto escondido e isolado, se sentiram livres em abandonar a máscara social, e desde então, sempre que se encontravam tinham um instante de regozijo libidinoso.
Anna limitou-se a dizer que não se passava nada, tudo estava bem. Não podia dizer mais que isso, porque ela própria não sabia o que sentia.
— Eu percebi algo entre aquele quatro-olhos e você, se quiser desabafar, estou aqui.
Apesar de ainda receosa, Anna não se abriu até Carol segredar-lhe algo que considerou deveras ignóbil. E após retribuir a confiança de Carol, Anna sentiu-se mais leve, por mais que o problema persistisse, agora não o carregava sozinha.
É isso, desculpem a demora. Mas não voltei.
O que acharam deste capítulo.
Imagino que mais ou menos no 15 capítulo a história vai tomar um estilo bem diferente. Se preparem.
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