Plástico derretido
Um homem de cabelos volumosos e desgrenhados, roupa surrada e suja, entra numa clínica odontológica e é recebido com um enorme sorriso de dentes brancos e brilhosos da recepcionista.
- Bom dia, Sr. Aníbal! Faz tempo que o senhor não vem.
- Bom dia, Martha. Eu tive alguns problemas, mas já está tudo resolvido. Eu gostaria de ter uma consulta com o Dr. Mário, ele está?
- Ele saiu. Na verdade, já deveria ter voltado, mas quem sou eu para dizer alguma coisa? - a mulher ri. - Para quando o senhor quer?
- Quinta , às 15 horas. Ele estará livre?
- Claro! Ele esperará pelo senhor.
O dia de hoje no bar está cheio e ocupado, e Julie não para quieta um instante com tantos clientes para servir, mas paralisa quando vê Jefferson entrar.
- Oi. - diz ele.
Os olhos da moça se iluminam quando ela o vê.
- Oi Jefferson! Você não dormiu essa noite? Parece cansado. - ela larga tudo no balcão, esquece de seus afazeres e se aproxima.
- Você pode me alcançar uma Coca, por favor? - ele pigarreia.
Julie franze o cenho e vai até a geladeira pegar o refrigerante.
- O que houve, Jeff?
- Eu preciso de alguém para me ajudar na banquinha. Se souber de alguém interessado, me avisa.
- É bom saber que você vai arranjar um assistente. Queria eu ter outro emprego. Estou cansada disso tudo.
- Julie, você fez o que eu disse? Foi até o banco para tentar o financiamento? Você joga vôlei a tanto tempo, é tão talentosa!
Julie sorri e segura a mão de Jefferson. Ela pode sentir que ele se retrai mas ignora.
- Tudo o que você me diz, eu coloco em primeiro lugar. Eu já cuidei da documentação. Agora, a gente só precisa esperar pela ligação do gerente.
- Não se preocupe, já está dando certo. Você sabe que merece ser feliz. - ele sorri e puxa a mão para baixo discretamente.
- É tão fácil me fazer feliz. - Julie sorri de canto e aperta os olhos. Ela tenta encará-lo nos olhos, mas ele desvia e não é recíproco.
- Você se lembra do Allan, o cara que eu te falei? Nós estamos morando juntos! - conta com animação.
- Ah, que bom. - ela abaixa os olhos e se afasta. - Deve ser legal ter tipo... um colega de quarto.
- Sim, principalmente ele. - Jefferson ri. Quando eu tiver mais tempo para mim mesmo, eu te convido para jantar. O Allan pode até cozinhar pra gente!
Ele sorri por ternura mas pode ver o desapontamento nos olhos de Julie. Sem saber o que dizer para acalentar a garota por sua desilusão, Jefferson termina sua bebida e retoma seu caminho até a banquinha que não fica muito longe.
Clarice vem da cozinha e afaga o ombro da filha.
- Não fique triste, Julie.
- Ah, que ótimo. Você estava ouvindo. - ela joga um pano de prato na pia com raiva. - Eu nem mesmo tenho direito a ter um namorado.
Agatha caminha pelas ruas com uma grande mochila nas costas. Ela recebe alguns olhares curiosos e vira em uma esquina que leva por um caminho mais vazio para evitá-los. Seu corpo cheio e alto é meio desengonçado e a mochila cheia não ajuda sua pose. Apesar disso, os traços do seu rosto são delicados e simétricos.
Ela tenta ajeitar a coluna quando vê um rosto familiar vindo em sua direção.
- Oi, gata! O que está fazendo aqui? - fala para a outra moça que usa um cropped que realça seus seios e um shorts extremamente curto.
- Oi, gostosa. Estou indo no cabeleireiro.
- Vai cortar? Eu acho que está bonito assim.
- Sério? - a menina se aproxima. - Porque, na verdade, eu estava indo cortar pra você. Você estará no karaokê essa noite?
- É claro, amor. Mas vou me atrasar um pouco. Preciso cuidar de algumas coisas.
- Então acho que te vejo lá.
A jovem vulgar pisca um olho e caminha para longe. Agatha não pode evitar uma olhada para trás, apenas para continuar seu caminho com a lembrança daquele rebolado.
Quando a noite cai na cidade do Rio de Janeiro, é como um toque de recolher para alguns e a hora da caça para outros. No caso de Allan, é a hora da fuga. Ele luta para não tropeçar nos próprios pés enquanto corre desesperadamente. Sente o coração retumbar nas bochechas e os pulmões gritarem por ar. Sua pele coça pelo sangue que circula loucamente.
Uma luz que o cega e um alto som pairam por cima dele, mas ele não se permite distrair e continua correndo.
Dentro do helicóptero que sobrevoa o local, dois pilotos comem sanduíches tranquilamente e transmitem as informações pelo rádio.
- Tudo limpo. Não encontramos nada. Foi alarme falso. O Maníaco da Marca não seria tão idiota de vagar por essa região.
Embaixo, nas ruas, muito próximo da onde Allan está, um outro policial puxa um rádio da calça e responde:
- Tudo limpo por aqui.
- Nós vamos voltar para a delegacia. - dizem os policiais do helicóptero através do rádio.
Algumas ruas dali, Allan vê o helicóptero ir embora e se encosta na parede de um beco conforme tenta recuperar o fôlego. Ele gradualmente senta no chão e quase não pode ver os próprios pés pela profunda escuridão.
O som de passos quase o faz levantar, mas ele hesita quando percebe apenas uma sombra em cima de seu corpo. Ele treme, mas cria coragem e corra para pular por cima do muro, ainda que não seja rápido o bastante. Allan sabe que é o seu fim quando ouve o som de um gatilho sendo puxado nas suas costas e a dor da bala que perfura sua panturrilha. Ele grita e cai de costas, pode jurar que quebrou algumas costelas, além de tudo.
O homem se aproxima e Allan pode ver seu rosto pela luz da lâmpada que vem do outro lado do muro. Se trata de um policial.
- Fugindo dos traficantes de novo?
- É isso. A gente nem sempre consegue fugir. - Allan ri ofegante. - Você devia ter acertado minha cabeça. Eu prefiro morrer do que virar um escravo nas mãos deles.
- Eu sou seu anjo da guarda. Talvez eu esteja aqui para ajudar. Cadê as drogas?
O miliciano se aproxima e Allan pode ver que ele acaricia o meio das pernas com uma das mãos enquanto a outra ainda aponta a arma para seu rosto.
- Eu tô fora! Não tem outro jeito menos doloroso da gente resolver isso? - Allan se levanta e manca. Seu rosto se contorce de dor, mas ele não vai permitir que aquele policial sujo profane seu corpo com suas perversões. - Cara, eu não tenho drogas comigo hoje.
- Então, sem negócios.
O homem chega ainda mais perto. Allan não pode negar que o efeito das drogas torna tudo mais eletrizante, apavorante, desesperador e ilusório. Para a sua mente desnorteada pela cocaína e pela dor, o rosto do homem é feito de borracha e pode ser capaz de derreter pelo calor da noite.
- Sai fora. - Allan geme.
- Eu tenho um jeito melhor de você pagar suas dívidas com a polícia.
O rapaz perde as forças e cai de joelhos. Ele tem quase certeza que seus olhos se enchem de lágrimas mas não é capaz de identificar o que exatamente acontece com seu corpo sob o efeito do pó.
O policial tira o pênis para fora da calça e quase o encosta no rosto de Allan enquanto se masturba. Tudo naquele homem, até mesmo seu órgão parece ser feito de plástico derretido. Ele sente o café da manhã, o único alimento que ingeriu durante o dia e que mal foi digerido pelas funções corporais estarem comprometidas, subir até a garganta e não consegue segurá-lo. O vômito voa até o chão em um jato que respinga nas calças do miliciano.
Ele guarda o pênis de volta na calça com pressa e sua expressão de prazer se transforma em ódio. O soco que desfere no rosto de Allan o derruba e deixa inconsciente. Ele se agacha, algema o rapaz, e o arrasta para longe dali.
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