Namorado de mentirinha
Fazia um bom tempo que Jefferson não sentia tanto sono e exaustão. Seu psicológico está quebrado e seu corpo pede trégua. O delegado Brandão o fez esperar a manhã quase inteira por algo que ele não sabe bem o que é. Ele está quase adormecido na sala do homem quando este retorna e joga uma pasta na mesa em frente a ele, o que o faz despertar num susto.
- Abra. - ordena Brandão.
Jefferson faz o que ele manda e as fotos do arquivo são de um policial barbudo e gordo que se chama Osvaldo Peres.
- É esse o cara?
- Eu... eu não sei dizer. Eu acho que sim, a descrição bate. - gagueja Jefferson.
- Sr. Oliveira, nós precisamos ter certeza absoluta disso. Você pode ligar para seu amigo e pedir que venha identificar o policial que fez isso com ele? E também seria razoável que nós déssemos uma olhada nos machucados do rapaz.
O celular de Jefferson toca. Ele vê o nome de Allan na tela e recusa a ligação.
- Era ele? - questiona Brandão com a sobrancelha erguida, mas não obtém resposta. - Preciso que o senhor aguarde um pouco mais. Eu volto já.
Mais uma vez, o delegado deixa Jefferson sozinho com seus pensamentos, seus medos e sua sonolência, e dessa vez ele realmente adormece. Não sabe por quanto tempo, pois quando acorda é em alerta pelo som de mais uma pasta sendo jogada na sua frente.
Ele pisca com força e tenta coordenar sua mente de volta. As fotos desta pasta são muito mais perturbadoras do que a anterior. Uma série de corpos mutilados, deformados e violados atribula os olhos de Jefferson.
- Pode me dizer se estes são os tipos de feridas que o Sr... - Brandão se interrompe e Jefferson demora um tempo para perceber que ele deseja saber o nome de Allan. O nome completo.
- Costa. Allan Costa.
- Que o Sr. Costa sofreu?
- Eu... eu... - ele não consegue tirar os olhos do peito de um cadáver que tem uma cicatriz exatamente como a de Allan. - Essa é a cicatriz.
Ele engole em seco e fecha o arquivo com raiva.
- Precisamos conversar com o Sr. Costa. E de agora em diante, não depende de você. Você pode cooperar ou deixar inteiramente nas mãos da polícia. - intima Brandão.
- Por que me mostrou isso?
O delegado senta em frente a ele.
- O policial que seu amigo diz ter o torturado está sumido por mais de uma semana. Ele foi reportado como desaparecido um dia antes de quando seu amigo diz ter sido sequestrado.
- O que está dizendo?
- Sinceramente, eu não sei. É por isso que precisamos falar com o Sr. Costa.
- Está bem, eu o trarei. Mas preciso te avisar que ele não é bem um "senhor".
- Como assim?
- Allan tem apenas vinte anos. Ele é órfão e acabou de sair do abrigo.
Brandão flexiona os maxilares e parece pensativo.
- Sr. Oliveira, preciso perguntar... qual é a sua relação com esse garoto?
Julie passa um pano no balcão do bar e ouve uma voz familiar a chamar.
- Oi, meu amor!
Ela se vira e vê Larissa. Não sente-se com ânimo para a amiga.
- Oi... - responde tristonha.
- Sorria! É sexta-feira. Nós estamos pensando em ir no Karaokê perto da praça essa noite. Quer vir?
- Eu não sei, Lari... Eu...
- Ela vai, sim. - Clarice surge de repente da cozinha.
- Oi, dona Clarice! Que ótimo. Te vejo a noite, Ju. - a menina se vai saltitante.
- O que foi isso? - pergunta a menina.
- Você merece sair um pouco. - a mulher recebe um sorriso de agradecimento.
- Obrigada.
Apenas alguns metros dali, Cláudio anda inquieto em frente a banquinha e espera que Jefferson atenda sua centésima tentativa de ligar. Ele ficou muito preocupado ao chegar no trabalho e ver que a banca estava fechada, e agora Jefferson não dá sinal de vida. Cláudio não percebe que caminha longos passos e se dá conta de que está na frente do bar da família Silva. Ele decide desligar o telefone e entrar.
- Julie?
A garota se vira e sorri.
- Cláudio! O que faz aqui?
- A banca está fechada.
- O que? - exclama preocupada.
- Pois é, o Jefferson não está lá.
- Vou ligar para ele. - Julie larga um pano de prato na pia e puxa o celular do avental.
- Eu tentei, não está atendendo.
- Ele não apareceu ontem também. Tivemos uma breve conversa por mensagens e ele me disse que estava cuidando de Allan.
- Quem é Allan?
- Sei lá, o colega de quarto dele, amigo, namorado...
Cláudio faz uma expressão de surpresa diante da última opção.
- Sério? Jefferson? Não fazia ideia.
- Eu também não sei. Eu o conheço a anos e é verdade que eu nunca o vi com uma namorada mas nunca pensei...
- Então ele deve estar com o Allan.
- Acho que sim...
Amanda passa pela entrada do bar e se junta a eles.
- Ei, o que faz aqui? Eu parei na banquinha e estava fechada. - ela gesticula de testa franzida e parece tão incomodada com a estranheza daquilo como os outros dois. - Oi, Julie.
- Eu estava procurando pelo Jefferson mas acho que ele está bem. A Julie disse...
- Eu não tenho tanta certeza de que ele está bem. - ela interrompe.
- Por que? - Amanda quer saber, intrigada.
- Esse garoto, Allan...
- Quem é Allan? - pergunta a moça.
- O namorado do Jefferson. - revela Cláudio e Amanda comprime os lábios num sorriso invertido.
- Jefferson é...
- Gente! - Julie chama a atenção deles. - Primeiro, eu não sei eles são namorados mesmo. Segundo, eu não confio no garoto. Ele é um delinquente.
- O que quer dizer? - a preocupação de Amanda retorna.
- Eu não sei aonde o Jefferson o conheceu, mas sei que ele morava em um abrigo e é um viciado.
- Julie, eu não acho que isso qualifique alguém como delinquente. - Cláudio rebate com muita timidez e cautela.
- Eu acho que nós devíamos ir até a casa do Jefferson só para garantir.
- Tudo bem. - Amanda concorda.
- Vocês podem esperar por aqui por algumas horas? Eu vou avisar minha mãe que preciso sair mais cedo.
- Claro. - tranquiliza Cláudio.
Os dois deixam que ela termine seu trabalho e caminham lado a lado pelo bairro.
- Como você conheceu Julie? - pergunta Cláudio.
- Eu morei nesse bairro, muitos anos atrás.
- Ah, então faz tempo.
- Sim, mas apenas depois que crescemos é que começamos a conversar. Quando eu era adolescente, Agatha era minha melhor amiga. Nós éramos vizinhas também.
- Agatha, a garçonete?
- Sim.
A casa de Jefferson e Allan não fica muito longe da onde eles estão, e o tempo passa rápido com Amanda levando Cláudio em diversos lugares que ela costumava frequentar, contando história e revivendo lembranças. Cláudio aprecia os momentos. É bom se sentir tão participante da vida de Amanda. Mais tarde, eles resolvem retornar ao bar de Julie para verificar se ela já pode fechar o expediente.
Em casa, Allan tenta ligar para Jefferson, mas novamente a chamada cai na caixa postal.
- Cara, eu não sei aonde você está, mas estou começando a me arrepender de ter te contado o que houve. Venha para casa! - ele grava a mensagem e desliga.
Aproximadamente trinta minutos depois, Julie, Cláudio e Amanda estão parados em frente a casa deles, hesitantes quanto ao que fazer em seguida.
- Quem vai bater? - pergunta Cláudio. Os três encaram a entrada.
Julie ergue a mão para fazê-lo mas a porta se abre a revela Allan. Os quatro jovens se fitam embaraçados e confusos.
- Quem são vocês? - diz Allan.
- E-eu sou a Julie.
- Imaginei. E vocês dois?
- Esses são Amanda e Cláudio. Nós procuramos pelo Jefferson. - diz a garota.
- Eu também estava. Ele acabou de retornar minhas ligações.
Allan deixa a casa e fecha a porta atrás.
- Onde ele está? - Julie quer saber.
- Na delegacia.
- O que? - Amanda, Cláudio e Julie se exasperam em conjunto.
- Eu preciso ir. Eu avisarei que vocês vieram. - ele passa pelo trio e se distancia.
- Eu não acredito. Eu deveria ir até lá. - diz Julie enquanto todos voltam a caminhar.
- É melhor não, Ju. Olha, estava pensando ir ao Karaokê hoje a noite. Por que não vai junto?
- Aquele perto da praça?
- Sim, esse mesmo.
- Uma amiga minha já me convidou.
- Então, é perfeito! Vamos? - Amanda se anima.
- Acho que sim...
- Você não pode sentar na frente da casa deles ou da banquinha e esperar por Jefferson. - diz Cláudio.
- Tem razão. Tudo bem, eu só vou para casa me trocar.
- Nós podemos ir? Eu mostrei um pouco da vizinhança para Cláudio e contei algumas histórias de infância, adoraria mostrar um pouco mais.
- É claro. - Julie sorri e eles caminham lentamente e batem papo pelas ruas.
O pai de Lillian, Afonso Duarte, está sentado em sua habitual poltrona quando a moça chega em casa.
- Eu vou sair. - ela informa de maneira fugaz.
- Sozinha? - o homem pergunta sem a olhar.
Lillian sempre acha que o pai mantém a casa escura e sombria demais, as janelas quase nunca são abertas e o cheiro de lugar fechado é incômodo.
- É claro que não. - responde.
- Com seu namorado de mentirinha?
Lillian não responde e sobe para seu quarto. Afonso abre a porta assim que ela a fecha com agressividade, e a moça solta um pequeno e agudo grito.
- Eu não quero saber que você está arruinando sua relação com os Medeiros para se aventurar.
- Minha relação não é com os Medeiros, é com Ulisses. E como você mesmo disse, é apenas por aparência.
- Exato. Nosso nome está desabando. Os Medeiros trarão glória para os Duarte novamente.
- Não seja dramático.
- Você foi para a Grécia com Cátia Medeiros, olhe. - ele joga uma revista no colo da filha.
Uma foto dela e de Cátia no aeroporto é a capa, e o título da manchete diz: "Famosa periodontista, Cátia Medeiros curte praias da Grécia com sua "quase nora" Lillian Duarte."
- Você já ouviu falar em internet? Eu já vi isso. - ela joga a revista no chão.
- Portanto não ousará colocar isso em risco.
Afonso se retira e Lillian faz uma ligação.
- Desculpe, eu não posso ir essa noite. Porque... não. Desculpe, não fique com raiva. - o outro lado desliga antes que Lillian possa falar mais, e seus olhos enchem de lágrimas.
Na residência dos Medeiros, Ulisses está sentado na cama e encara a cômoda que quebrou. Ele já comprou uma nova pela internet e apenas aguarda sua chegada. Seu pé ainda lateja de dor de vez em quando, mas ele não iria a um médico de jeito nenhum.
- Ulisses, venha cá. - ele ouve o pai chamar do escritório e vai sem vontade.
Roberto está atrás da escrivaninha como sempre, com sua agenda aberta e uma de suas dezenas de canetas na mão.
- Precisamos conversar. - o homem faz um gesto indicando que Ulisses sente-se e ele o faz.
- Por favor, seja breve.
- Eu sou o primeiro a te defender, Ulisses, mas pelo amor de Deus! A filha do Dr. Cândido? No que estava pensando?
- Como eu poderia saber que... que aquela vadia...
- Cuidado com a boca!
- É o que ela é. Ela que veio me tocando, só queria transar.
- Todas as mulheres são assim para você.
- Sim, elas são.
- Sua mãe está certa a seu respeito. - Roberto balança a cabeça
- Então me diga o que essas mulheres vazias merecem?
- Se não fosse meu filho, sua carreira estaria acabada. Você mexeu com o Dr. Cândido.
- Ele pode ir para o inferno. Agora, se me dá licença. - ele abre a porta para sair.
- Só não esqueça que você tem uma irmã, Ulisses. E ela já é uma mulher.
O rapaz escuta aquilo pelas costas e bate a porta atrás de si. Sua respiração pesa e ele não consegue deixar de pensar no que acabara de ouvir. Ele retorna para o seu quarto e a campainha toca.
A moça é atendida pela governanta da família, uma senhora que ela sempre achou muito simpática e gentil.
- Obrigada, Vanda. Pode voltar aos seus afazeres, eu me viro. - diz Lillian e a senhora apenas concorda com a cabeça e some em outro cômodo. Ela se dirige até a sala de estar e como esperado, Cátia e Roberto Medeiros estão lá.
- Oi, querida! Quer falar com Ulisses? - diz Cátia com carinho.
- Sim, por favor, Dra. Medeiros.
- Ulisses, venha cá! - chama Roberto e todos ouvem os sons da porta se abrindo e os passos no piso liso e enseirado.
- O que você quer agora? - ele fala antes mesmo de aparecer na sala, e se depara com Lillian quando chega.
- Oi, petit. Eu vim te ver.
Ele faz um gesto com a cabeça que indica que ela o siga, e volta para o quarto.
- O que você quer? - pergunta e a moça senta-se na cama.
- Por que tem me tratado como lixo? - ela questiona brava.
Ulisses suspira e a discussão que teve com seu pai momentos antes toma conta de sua mente.
- Todas as mulheres são assim para você... Só não esqueça que você tem uma irmã e ela já é uma mulher.
- Eu não sei, não me sinto bem ultimamente. - ele acaba dizendo com o máximo de gentileza que consegue, e senta junto a ela.
- Por isso eu vim. Eu pensei que talvez pudéssemos sair, nos divertir.
- Tá. Onde quer ir? - ele cede mas não com muita alegria.
- Que tal aquele Karaokê em Jacarepaguá?
- Aquele lugar pobre que a Amanda frequenta? - Ulisses contrai o rosto.
- Sim. Eles tem boas bebidas e a comida é uma delícia. Vamos, por favor!
O rapaz solta um longo suspiro.
- Tá.
Lillian abre um extenso sorriso e enche a bochechas dele de beijos, mesmo que ele se recolha sem retribuição.
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